Especulações livres

15 de mai. de 2006

Toque de recolher

Segunda feira, 15/05/2006, mais ou menos 16 horas: eu saio de casa e dirijo-me ao ponto de ônibus, para completar a minha jornada noturna de aulas. No caminho nem me ligo, mas o comércio começa a fechar suas portas. Escuto piadas e comentários nervosos sobre os ataques do PCC. Pela manhã, como postei abaixo, era visível uma atividade frenética da polícia em vários pontos da cidade. Quando me dou conta do clima de pânico, ligo para uma amiga. "O comércio fechou todo aqui no centro!", eu comento com ela, apreensivo. Ainda assim, consigo pegar uma lotação e vou para o "trampo".
Chegando lá, percebo um clima pesado, como se o ar estivesse parado. Entro no prédio, e todos comentam os ataques. "Depois dessa vou me mudar para Bagdá", uma funcionária comenta. Começo a contar sobre o fechamento das lojas, e logo percebo algo errado. "Todas as atividades estão suspensas", a secretária me diz. A reunião das 17 horas, também suspensa, "medida cautelar". Percebo uma calma nervosa entre todos. Uma correria para ir embora. Ligo de volta para a minha amiga, "fica em casa!", mas ela já sabia, nem tinha tomado banho. Finalmente começo a ficar nervoso. O boato é que os ônibus não circularão. Será que consigo sair daqui?
Para meu alívio, a perua que me trouxe estava fazendo seu caminho de volta. Embarco. Um silêncio nervoso também entre os passageiros. Entre uma música e outra, os locutores atualizam as informações: realmente os ônibus não circulam hoje depois das 18h. Celulares não funcionam? Boataria, pânico mesmo. Olho nervoso para a rua, qualquer parada me deixa apreensivo. Percebo um leve engarrafamento, que piora à medida que chegamos próximos do centro. Eu só quero entrar em casa.
Ligo a TV, e o chefe da polícia militar reclama que a mídia é culpada pelo pânico. "Está tudo bem", não existe motivo. "É apenas uma sensação de insegurança", as ocorrências de hoje estão muito menores do que sábado ou domingo. Datena, e eu junto, pergunta pelo presidente da república, pelo governador, pelas autoridades. Ninguém está dando entrevista? Ninguém esclarece nada? Somos então obrigados a circular pelas ruas para provar que a polícia está certa? Caso estivéssemos em um país minimamente civilizado, as autoridades estariam correndo para a mídia, tentando mostrar algum serviço. Em Pindorama, a choldra precisa ouvir que seu pânico é frescura, e que a polícia tem tudo sobre controle. Só falta falar que a população, ignorante, é culpada de tudo, por não respeitar nossos queridos e sensatos governantes. Enquanto isso, nosso governador pefelista se encontra com a cúpula da polícia, mais o ministro da justiça. Enquanto isso, eu estou aqui cagando de medo em casa, tentando fazer algo útil com meu tempo.
O medo não é por hoje: é pela fragilidade da coisa toda. Essa é uma boa hora para lembrar a fábula, e a frase "o rei está nu". Pois a nossa atual situação não é nova; ela perdura há décadas. Há décadas vivemos uma paz nervosa com o crime e com o caos. Há décadas sabemos que a polícia é incompetente e corrupta, e que os poderes constituídos são praticamente inexistentes. Mas a vida sempre continuava: carnaval, copa do mundo... Nem o mensalão era capaz de deter a normalidade.
Bastou algum chefe do PCC fazer ligações pelo celular, DE DENTRO DA CADEIA, para que o estado mais rico e poderoso da Pindorama parasse, em pânico. As pessoas, sabendo que estão indefesas, proclamaram seu próprio toque de recolher. Enquanto o chefe da PM "não entende" o pânico, ninguém quer ficar na rua e pagar para ver. A perda de legitimidade é geral. Onde isso pode nos levar, ninguém sabe.

Insegurança pública

Ontem fui dormir com a notícia de que o PCC estava articulando ataques a delegacias e a policiais na cidade de São Paulo. Hoje acordo, e vejo viaturas por todo lado, e ouço rumores de vários ônibus queimados pela cidade (Campinas). Chego em casa do trabalho e, enquanto compro leite, vejo a Globo local noticiando as várias rebeliões ocorridas nas penitenciárias do estado. Para quem achava que o Rio de Janeiro era violento, vimos que aquilo é fichinha perto do que se faz aqui em São Paulo. Fico sem forças para comentar, me sinto indefeso e vulnerável, com medo de ter minha lotação ou ônibus atacado. Num país onde nossos líderes não conseguem nem punir criminosos confessos, seus colegas congressistas, é quase de se esperar que a sociedade esteja refém de criminosos organizados (bem mais organizados que as instituições existentes para puní-los, aparentemente). Sem palavras, eu publico as de uma colega de profissão, especialista no assunto.


ENTREVISTA DA 2ª/ALBA ZALUAR
Antropóloga afirma que ações dos grupos em SP são mais organizadas e que têm retórica política
Crime organizado paulista é mais centralizado, vê estudiosa

SERGIO TORRES DA SUCURSAL DO RIO
Uma das mais experientes estudiosas da violência urbana do país, a antropóloga Alba Zaluar afirma que o ataque do PCC (Primeiro Comando da Capital) revela uma faceta até então oculta do crime organizado em São Paulo. "É muito mais centralizado, muito melhor coordenado e tem uma retórica política por trás", afirmou em entrevista à Folha.A antropóloga detecta semelhanças perigosas no discurso de líderes do crime organizado com grupos extremistas de esquerda em atuação na América Latina. "A retórica política de grupos de extrema esquerda da Colômbia, da Bolívia, do Peru etc. está contaminando esse pessoal, que começou a agir em redes, que não são só interestaduais, mas internacionais ou transnacionais, transestaduais e transnacionais."Para ela, o modelo de esquerda defendido por esses grupos já fracassou em vários países da América Latina."Como é que vamos deixar nossa juventude ser conquistada por isso?"Com base em pesquisas acadêmicas realizadas em favelas nas últimas décadas, ela diz que, pelo menos no Rio, o tráfico de drogas financia políticos durante os períodos pré-eleitorais.Professora titular do curso de antropologia da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Zaluar publicou vários livros, entre os quais se destacam "Cidadãos Não Vão ao Paraíso", "A Máquina e a Revolta", "Da Revolta ao Crime S.A.", "Drogas e Cidadania" e "Integração Perversa -Pobreza e Tráfico de Drogas".Ela critica as investigações sobre o tema da criminalidade por parte de acadêmicos radicados em São Paulo."Meus colegas nunca fizeram um estudo aprofundado do crime organizado em São Paulo", lamentou. Isso acaba gerando, segundo ela, uma disputa a seu ver inútil sobre qual é a cidade mais violenta do Brasil, que não resolve nem sequer atenua o problema da criminalidade no país.De acordo com ela, "é muito assustador" o que está acontecendo em São Paulo e nos principais centros urbanos brasileiros."O Brasil está num ponto de sua história nacional tristíssimo, tristíssimo."

Folha - É surpresa para a senhora o que está acontecendo em São Paulo desde sexta-feira?

Alba Zaluar - Você lembra que há três, quatro meses houve a invasão e o roubo de depósito das Forças Armadas [Estabelecimento Central de Transporte do Exército, na zona norte carioca, quando 11 armas foram roubadas por invasores]?Ninguém foi morto, algumas pessoas foram maltratadas. Uma jornalista ligou para a minha casa e a primeira coisa que ela me falou: "Eu acho que o Rio de Janeiro deveria ser lacrado". Aí acontece isso em São Paulo.

Folha - Por que acontece?

Zaluar - Sempre dizem, em São Paulo, que o problema é todo aqui [no Rio]. Meus colegas nunca fizeram um estudo aprofundado do crime organizado em São Paulo. Agora está provado: [o crime em São Paulo] é muito mais centralizado, muito mais bem coordenado e tem uma retórica política por trás disso.

Folha - Qual a retórica?

Zaluar - Você vai ver. Vai aparecer manifesto daqui a pouco. Isso ninguém está percebendo. Hoje eu fiquei pensando. Minha Nossa Senhora, isso é óbvio. Por causa do tráfico de armas e do tráfico de drogas, que é disso que se trata, embora o espectro do crime organizado no Brasil hoje seja amplíssimo: lixo, transporte, café, arroz, contrabando de tudo o que se possa imaginar.Mas o tráfico de drogas e de armas tornaram-se violentíssimos. Isso tem feito com que a retórica política de grupos de extrema esquerda da Colômbia, da Bolívia, do Peru etc. estejam contaminando esse pessoal que começou a agir nessas redes, que não são só interestaduais mas internacionais ou transnacionais, transestaduais e transnacionais.Aí fica essa disputa ridícula para saber qual é a cidade mais violenta do Brasil. Francamente, o que me importa se é Vitória, se é Recife, se é Rio de Janeiro, se é São Paulo?Isso não importa. Importa é que a gente está numa situação gravíssima neste país. Eu estou muito preocupada.

Folha - O que a senhora quis dizer quando falou que seus colegas em São Paulo não estudam o crime organizado?

Zaluar - Acho que está fazendo falta um estudo aprofundado do crime organizado, especialmente aquele que é dirigido desde a prisão.Porque a idéia que se tem é que isso só acontece no Rio de Janeiro, e não é assim. Isso acontece no Brasil inteiro.Está provado agora que ele é muito mais bem coordenado em São Paulo do que no Rio. No Rio, ele consegue botar uma bombinha caseira lá em Copacabana [zona sul], metralhar uns vidrinhos na prefeitura, e foi só. Às vezes, você tem ações localizadas em bairros, eles fecham os bairros, algum comércio em um ou outro bairro. Mas nunca assim tão bem coordenado. Nunca conseguiram. Isso é que assustador, muito assustador. E não é só para São Paulo, não. É para o Brasil inteiro.

Folha - A senhora arriscaria uma previsão de o que pode ainda ocorrer?

Zaluar - Essas coisas são contagiantes. Agora, vão querer fazer o mesmo em outros Estados.
Folha - A senhora poderia comentar um pouco mais a questão da retórica política?Zaluar - Sempre fiquei impressionada com a coincidência das posições. Lendo coisas sobre a Colômbia, me espanta o uso dos mesmos termos. "Não nasci para semente." Eles também falam muito isso, várias coisas.

Folha - Seria, talvez, a transformação de facções essencialmente criminosas em agrupamentos movidos também por ideologia?

Zaluar - Esse ataque radical, geral e vago ao sistema, como se eles estivessem fora do sistema... O tráfico de drogas é um sistema capitalista, o mais selvagem que se tem notícia, porque não tem nenhum limite institucional e moral. O resto do sistema capitalista está sujeito a leis, a regras, a restrições de várias ordens. É claro que tem ilegalidade também [no capitalismo]. O caixa dois é um deles. Mas no tráfico de drogas não tem nem caixa dois porque não tem caixa um.Eles influem, sim, nas eleições. Influem, sim. Eles dão dinheiro para político, sim. Eu fico sabendo nas favelas que a gente estuda.

Folha - O que pode ser feito, na sua opinião?

Zaluar - A situação é muito grave, acho que é preciso pensar. Como eles conseguiram essas granadas? Granada não é de uso exclusivo das Forças Armadas? As Forças Armadas brasileiras têm que fazer um balanço. O que está acontecendo com seus depósitos?Porque desde 1980 eu ouço aqui no Rio de Janeiro menções a armas exclusivas das Forças Armadas na mão de bandidos. Ouço menções a facilidades com que se furta e rouba. Não só nas Forças Armadas, nas polícias também. Os policiais chegam lá [nas favelas] oferecendo armas para bandidos.Isso tudo tem que ter mais controle. A polícia tem que ser mais investigativa nesse sentido. Para a gente ter um conhecimento maior de como essas coisas operam. E ganhar os jovens nas idéias.Não vamos deixar que essas idéias, que essa ideologia... Que no meu entender é atrasadíssima, é antidemocrática, uma esquerda que já mostrou que deu errado em vários países da América Latina. Como é que vamos deixar a nossa juventude ser conquistada por isso?

Folha - Como?

Zaluar - Não pode. Batalhar também nessa área cultural, da ideologia. E não ficar só repetindo, ah! coitadinhos, são pobrezinhos, a desigualdade brasileira.Tem desigualdade, tem. Tem pobreza, tem.Mas então vamos fazer alguma coisa para não deixar esses pobres coitados morrerem feito moscas nessa tragédia que é a violência urbana no Brasil.Isso é muito triste. O Brasil está num ponto de sua história nacional tristíssimo, tristíssimo. E o exemplo tem que vir de cima.

[fonte: Folha de São Paulo, 15/05/2006]

12 de mai. de 2006

The Daily Show

Depois que descobri www.youtube.com, a televisão me parece cada vez mais obsoleta.

Uma das coisas mais legais que descobri recentemente foi esse cara, que apresenta um pseudo-jornal chamado The Daily Show. Clique no link abaixo para assistir o cara tirar sarro de coisas "gay-related". Eu me pergunto: por que no Brasil eu nunca vejo humor sarcástico, inteligente, cortante e irônico como esse? (Ok, existe o Pânico... A gente talvez ainda tenha alguma salvação.)

Gostou? Só mais um para terminar:


9 de mai. de 2006

A biologia e o sexo


A falta de tempo para textos originais continua. Enquanto isso, mais um texto para a minha coleção de notícias sobre a nova biologização da sexualidade. Esse movimento foi muito forte no final do século XIX, quando militantes do movimento homossexual utilizavam a biologia como arma para diminuir o preconceito. O argumento era de que o comportamento homossexual não era degeneração moral, mas algo inato e incrito na biologia; seus praticantes não tinham, portanto, nenhuma escolha. No decorrer do século XX esse argumento fundamentou, entre outras coisas, o holocausto nazista, o qual incluiu os homossexuais como categoria abjeta a ser exterminada eugenicamente. Após a segunda guerra, especialmente depois de Stonewall (1969) surge a categoria "gay", usada para legitimar um estilo de vida diferente, parte da fauna diversificada de uma sociedade urbana de consumo. Argumentos biológicos de toda ordem perderam legitimidade, sempre associados ao horror nazista e à eugenia. Contemporâneamente, no início do século XXI, a nova genética reanima argumentos biológicos para toda sorte de comportamentos humanos, inclusive a homossexualidade. Sem entrar no mérito dessas explicações, resta saber o uso social e político que tal ciência sofrerá nos próximos anos.
(Imagem: Homem seduzindo jovem; Atenas, século 6 A.C.)

Folha de São Paulo, terça-feira, 09 de maio de 2006
Lésbica reage como homem a feromônios femininos

[DA REPORTAGEM LOCAL]
Lésbicas são mais versáteis que homossexuais masculinos quando se trata de reconhecer o cheiros de parceiros -ou melhor, com os supostos feromônios presentes neles, os hormônios da atração sexual que existem nos animais mas cuja importância para o ser humano ainda é debatida.
A mesma equipe da Suécia que divulgou no ano passado que o suor masculino excita o cérebro dos homens homossexuais do mesmo modo que o de mulheres heterossexuais anuncia agora que lésbicas também ficam excitadas com ele -mas também com a urina de mulheres.Mais especificamente, foram testadas substâncias candidatas a feromônio. Uma deriva do hormônio sexual masculino testosterona e é conhecida pela sigla AND e a outra, a EST, está relacionada ao feminino estrógeno.O possível feromônio EST é mais fácil de localizar na urina de mulheres, assim como seu colega AND é mais facilmente detectável no suor masculino.
Os autores do estudo são os mesmos da pesquisa do ano passado, Ivanka Savic, Hans Berglund e Per Lindström, do Instituto e da Universidade Karolinska, de Estocolmo. O novo artigo também foi publicado na revista da academia de ciências dos EUA, a "PNAS" (www.pnas.org).A descoberta básica do trio é que uma região do cérebro, o hipotálamo, fica ativa -acendendo luzinhas em imagens do órgão- quando homens cheiram o EST e mulheres cheiram o AND.
Foram examinados os cérebros de doze mulheres lésbicas, surpreendendo os cientistas com sua excitação pelas duas substâncias.
"Em contraste com as mulheres heterossexuais, as mulheres lésbicas processaram os estímulos de AND pelas redes olfativas e não pelo hipotálamo anterior. Mais ainda, ao cheirar EST, elas parcialmente compartilharam a ativação do hipotálamo anterior com homens heterossexuais", escrevem os autores no artigo.Estudos de DNA indicaram que seres humanos têm genes semelhantes aos que foram ligados a feromônios em animais, mas há dúvida sobre sua funcionalidade.
A identificação dos feromônios pelo organismo se dá principalmente em um órgão chamado vomeronasal, situado na cavidade nasal mas distinto do sistema olfatório principal. Mas há dados que mostram que tanto o órgão olfatório como o vomeronasal podem detectar feromônios.O órgão vomeronasal concentra os "receptores" para feromônios, produzidos por genes como os da família V1R.Um estudo por cientistas dos EUA e China identificou 187 genes V1R funcionais no camundongo, 102 no rato, 49 no gambá, 32 na vaca, 8 no cachorro -e apenas quatro no ser humano.
Para a maioria dos pesquisadores, a comunicação visual substituiu a comunicação por feromônio quando se trata da atração sexual humana. O novo estudo indica que existiria ainda um papel para o sistema olfatório na atração sexual, e que a homossexualidade poderia ter alguma base biológica.
(RICARDO BONALUME NETO)

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