Especulações livres

28 de nov. de 2006

Saudades

A cada dia que passo longe do Brasil, minha saudade aumenta. Saudades nao do Brasil em si, mas daquela ilha poluida e mal planejada que chamamos de Sampa. Ilha sim, por que a cidade, ainda que umbilicalmente ligada ao pais que a deu origem, congrega um desejo coletivo de superar e sublimar os limites impostos por essa origem, numa busca frenetica de alcancar o mundo. Passei meros 4 anos dos meus 31 na Pauliceia, mas foram alguns dos mais intensos da minha vida. Ainda que eu tenha sido forjado enquanto adulto no interior do estado, e ainda que eu tenha sangue mineiro (e jeito de mineiro, e sotaque de mineiro, e manias de mineiro, como tomar cafe com leite), foi em sampa que pude experimentar e vivenciar a pessoa que eu gostaria de ser. Foi em sampa que comecei a desenvolver a minha vida propriamente dita, foi ali que comecei a jogar pra cima meu passado e a fantasiar o meu futuro, e foi ali que vivi com mais intensidade o meu presente. Ainda que eu tente dizer que nao sinta saudade do lado ruim, como a poluicao e as desilusoes que senti, seria dificil imaginar os porques do meus gostar de sampa sem incluir tambem esses elementos na equacao. Pois, se foi em sampa que eu consegui experimentar com mais liberdade os mais bizarros aspectos da minha personalidade, tambem foi nessa cidade que vivenciei algumas das minhas mais drasticas desilusoes. Algumas delas repercutem em mim ate hoje: carrego marcas de um periodo de tristeza e caos que sao dificeis de apagar. Mas e como sempre dizem: nao tem jeito de aprender senao cometendo erros. E meus erros paulistanos foram os mais gostosos de serem cometidos. Eu os cometeria todos novamente, caso tivesse a chance de repeti-los. Sair de Sampa foi um imenso coitus interruptus. Foi um aborto de uma crianca que mal comecava a delinear-se. Talvez por isso eu tenha sentido tanta dor ao sair, tanta decepcao com o fim de um projeto tao sonhado e tao desejado. Mas justica seja feita, sair de la significou o inicio de uma transicao importante que, longe de estar acabada, promete talvez me levar la, exatamente onde eu sempre quis estar. E, quem sabe, esse processo um dia nao me leve para la, de volta nesse lugar que eu aprendi a amar a distancia, que eu aprendi a entender pelo contraste. Senao entender, pelo menos a respeitar. Sampa sempre foi imensa demais para mim, e talvez por isso eu sinta ali tantos projetos inacabados a serem realizados. Talvez eu nunca mais volte, talvez meu destino seja alguma vila remota do Mato Grosso ou a velha Minas Gerais. Mas tudo o que eu sei agora e que a luz no fim do meu tunel parece estar deliciosamente borrada com a garoa e a poluicao dessa cidade que tanto me fez sofrer e que tao calorosamente me abrigou.

15 de nov. de 2006

5 de nov. de 2006

Eleicoes EUA 2006

Como contraponto ao video abaixo, publico tambem um editorial do NY Times de hoje, um exemplo de democracia e liberdade de expressao que demonstra o quanto nos, tupininquins, estamos longe de entender o que e isso de fato. Afinal, quando alguem dos EUA tenta mexer com os "checks and balances", dogma sagrado da democracia daqui que garante o equilibrio e o controle mutuo dos tres poderes, como o faz o Sr. Bush Jr., vemos vozes que se levantam contra isso o tempo todo. O anti-americanismo burro nao consegue perceber o quao intensa e a oposicao e a esquerda norte-americanas. No Brasil, desde que o Imperio inventou o quarto poder moderador do Imperador, vemos os principios republicanos distorcidos para favorecer este ou aquele projeto ou grupo politico. Basta olhar para a nossa atual constituicao para perceber o quanto estamos longe de viver em uma democracia realmente robusta, representativa e equilibrada. Penso que a nossa direita vive hoje um dilema interessante: nao consegue atingir Lula pois passou as ultimas decadas construindo um estado, seja ditatorial, seja democratico, no qual as leis nao favorecem o cumprimento das mesmas pela elite, e no qual o cidadao comum nao te meios eficazes punir os seus governantes. A corrupcao de Lula, portanto, esta protegida pela corrupcao passada da direita. Melhor para nos que a direita esteja momentaneamente fora do poder: quem sabe assim ela aprenda a apreciar um estado onde regras sao seguidas por todos, e onde possamos ter maneiras de investigar e punir aqueles que nos governam, supostamente meros representantes do populus... Abaixo, o editorial e um video que demonstra o quao suja pode ser a campanha norte-americana.

"Editorial
The Difference Two Years Made

Published: November 5, 2006, NYT

On Tuesday, when this page runs the list of people it has endorsed for election, we will include no Republican Congressional candidates for the first time in our memory. Although Times editorials tend to agree with Democrats on national policy, we have proudly and consistently endorsed a long line of moderate Republicans, particularly for the House. Our only political loyalty is to making the two-party system as vital and responsible as possible.
That is why things are different this year.
To begin with, the Republican majority that has run the House — and for the most part, the Senate — during President Bush’s tenure has done a terrible job on the basics. Its tax-cutting-above-all-else has wrecked the budget, hobbled the middle class and endangered the long-term economy. It has refused to face up to global warming and done pathetically little about the country’s dependence on foreign oil.
Republican leaders, particularly in the House, have developed toxic symptoms of an overconfident majority that has been too long in power. They methodically shut the opposition — and even the more moderate members of their own party — out of any role in the legislative process. Their only mission seems to be self-perpetuation.
The current Republican majority managed to achieve that burned-out, brain-dead status in record time, and with a shocking disregard for the most minimal ethical standards. It was bad enough that a party that used to believe in fiscal austerity blew billions on pork-barrel projects. It is worse that many of the most expensive boondoggles were not even directed at their constituents, but at lobbyists who financed their campaigns and high-end lifestyles.
That was already the situation in 2004, and even then this page endorsed Republicans who had shown a high commitment to ethics reform and a willingness to buck their party on important issues like the environment, civil liberties and women’s rights.
For us, the breaking point came over the Republicans’ attempt to undermine the fundamental checks and balances that have safeguarded American democracy since its inception. The fact that the White House, House and Senate are all controlled by one party is not a threat to the balance of powers, as long as everyone understands the roles assigned to each by the Constitution. But over the past two years, the White House has made it clear that it claims sweeping powers that go well beyond any acceptable limits. Rather than doing their duty to curb these excesses, the Congressional Republicans have dedicated themselves to removing restraints on the president’s ability to do whatever he wants. To paraphrase Tom DeLay, the Republicans feel you don’t need to have oversight hearings if your party is in control of everything.
An administration convinced of its own perpetual rightness and a partisan Congress determined to deflect all criticism of the chief executive has been the recipe for what we live with today.
Congress, in particular the House, has failed to ask probing questions about the war in Iraq or hold the president accountable for his catastrophic bungling of the occupation. It also has allowed Mr. Bush to avoid answering any questions about whether his administration cooked the intelligence on weapons of mass destruction. Then, it quietly agreed to close down the one agency that has been riding herd on crooked and inept American contractors who have botched everything from construction work to the security of weapons.
After the revelations about the abuse, torture and illegal detentions in Abu Ghraib, Afghanistan and Guantánamo Bay, Congress shielded the Pentagon from any responsibility for the atrocities its policies allowed to happen. On the eve of the election, and without even a pretense at debate in the House, Congress granted the White House permission to hold hundreds of noncitizens in jail forever, without due process, even though many of them were clearly sent there in error.
In the Senate, the path for this bill was cleared by a handful of Republicans who used their personal prestige and reputation for moderation to paper over the fact that the bill violates the Constitution in fundamental ways. Having acquiesced in the president’s campaign to dilute their own authority, lawmakers used this bill to further Mr. Bush’s goal of stripping the powers of the only remaining independent branch, the judiciary.
This election is indeed about George W. Bush — and the Congressional majority’s insistence on protecting him from the consequences of his mistakes and misdeeds. Mr. Bush lost the popular vote in 2000 and proceeded to govern as if he had an enormous mandate. After he actually beat his opponent in 2004, he announced he now had real political capital and intended to spend it. We have seen the results. It is frightening to contemplate the new excesses he could concoct if he woke up next Wednesday and found that his party had maintained its hold on the House and Senate. "

Tortura a la americana

O video que segue me impressionou demais, afinal venho de um pais onde estamos ainda tentando nos livrar dos resquicios de uma ditadura sangrenta. Aqui, um pais que e democratico ha pelo menos 200 anos ininterruptamente (se concedermos a 1a eleicao de Bush como uma eleicao), parece que ha uma ingenuidade perigosa com relacao a ausencia de algo como a democracia. Pensar que um reporter, numa tentativa clara de demonstrar que a tortura com a agua e algo "seguro e eficiente", ja que o Sr. Bush Jr. legalizou a tortura em alguns casos e acabou com o Habeas Corpus em casos de combatentes inimigos presos pela justica militar, pudesse se prestar a uma reportagem como essa e quase escandaloso. O interessante e que o poder da imagem, ou a intencao da obra, como diria Eco, tende a ser o oposto: o escandalo fica patente, mesmo numa experiencia altamente controlada como a que vemos no video.


Total de visualizações de página