Especulações livres
29 de dez. de 2006
Sinner's Blood at the Alamo
21 de dez. de 2006
Passado e futuro
9 de dez. de 2006
Apocalypto (EUA, 2006)
6 de dez. de 2006
29 de nov. de 2006
28 de nov. de 2006
Saudades
15 de nov. de 2006
Um icone desconstruido
5 de nov. de 2006
Eleicoes EUA 2006
On Tuesday, when this page runs the list of people it has endorsed for election, we will include no Republican Congressional candidates for the first time in our memory. Although Times editorials tend to agree with Democrats on national policy, we have proudly and consistently endorsed a long line of moderate Republicans, particularly for the House. Our only political loyalty is to making the two-party system as vital and responsible as possible.
That is why things are different this year.
To begin with, the Republican majority that has run the House — and for the most part, the Senate — during President Bush’s tenure has done a terrible job on the basics. Its tax-cutting-above-all-else has wrecked the budget, hobbled the middle class and endangered the long-term economy. It has refused to face up to global warming and done pathetically little about the country’s dependence on foreign oil.
Republican leaders, particularly in the House, have developed toxic symptoms of an overconfident majority that has been too long in power. They methodically shut the opposition — and even the more moderate members of their own party — out of any role in the legislative process. Their only mission seems to be self-perpetuation.
The current Republican majority managed to achieve that burned-out, brain-dead status in record time, and with a shocking disregard for the most minimal ethical standards. It was bad enough that a party that used to believe in fiscal austerity blew billions on pork-barrel projects. It is worse that many of the most expensive boondoggles were not even directed at their constituents, but at lobbyists who financed their campaigns and high-end lifestyles.
That was already the situation in 2004, and even then this page endorsed Republicans who had shown a high commitment to ethics reform and a willingness to buck their party on important issues like the environment, civil liberties and women’s rights.
For us, the breaking point came over the Republicans’ attempt to undermine the fundamental checks and balances that have safeguarded American democracy since its inception. The fact that the White House, House and Senate are all controlled by one party is not a threat to the balance of powers, as long as everyone understands the roles assigned to each by the Constitution. But over the past two years, the White House has made it clear that it claims sweeping powers that go well beyond any acceptable limits. Rather than doing their duty to curb these excesses, the Congressional Republicans have dedicated themselves to removing restraints on the president’s ability to do whatever he wants. To paraphrase Tom DeLay, the Republicans feel you don’t need to have oversight hearings if your party is in control of everything.
An administration convinced of its own perpetual rightness and a partisan Congress determined to deflect all criticism of the chief executive has been the recipe for what we live with today.
Congress, in particular the House, has failed to ask probing questions about the war in Iraq or hold the president accountable for his catastrophic bungling of the occupation. It also has allowed Mr. Bush to avoid answering any questions about whether his administration cooked the intelligence on weapons of mass destruction. Then, it quietly agreed to close down the one agency that has been riding herd on crooked and inept American contractors who have botched everything from construction work to the security of weapons.
After the revelations about the abuse, torture and illegal detentions in Abu Ghraib, Afghanistan and Guantánamo Bay, Congress shielded the Pentagon from any responsibility for the atrocities its policies allowed to happen. On the eve of the election, and without even a pretense at debate in the House, Congress granted the White House permission to hold hundreds of noncitizens in jail forever, without due process, even though many of them were clearly sent there in error.
In the Senate, the path for this bill was cleared by a handful of Republicans who used their personal prestige and reputation for moderation to paper over the fact that the bill violates the Constitution in fundamental ways. Having acquiesced in the president’s campaign to dilute their own authority, lawmakers used this bill to further Mr. Bush’s goal of stripping the powers of the only remaining independent branch, the judiciary.
This election is indeed about George W. Bush — and the Congressional majority’s insistence on protecting him from the consequences of his mistakes and misdeeds. Mr. Bush lost the popular vote in 2000 and proceeded to govern as if he had an enormous mandate. After he actually beat his opponent in 2004, he announced he now had real political capital and intended to spend it. We have seen the results. It is frightening to contemplate the new excesses he could concoct if he woke up next Wednesday and found that his party had maintained its hold on the House and Senate. "
Tortura a la americana
22 de out. de 2006
Cansei de ser sexy
Faz pouco tempo que estou aqui, e tive a chance de ver uma banda que tenho achado legal desde que ouvi o som pela internet. Sinceramente, esse tipo de programa eu nao faria caso estivesse no Brasil (ou melhor, dificilmente faria). Afinal, nao sou do tipo que fica pesquisando sons e bandas, e raramente me animo a ir a qualquer show (excessao feita Stereolab, nao me lembro o ano; e ao Daft Punk, que perdi por nao estar em Sampa). CSS, pelo que parece, tem um certo publico gringo que ja conhece o som, e que gritava desesperadamente a cada musica; em constraste com o desanimo da maioria do povo, algo aparentemente normal em qualquer situacao de socializacao ou balada por aqui. Eu estava empolgado em ver uma banda brasileira nos EUA, poder conferir se o som e bom ao vivo mesmo ou se a coisa era somente hype de internet, e poder fazer um programa diferente de ir pro campus e me enfiar em leituras e no computador.
Em resumo, adorei o show. A vocalista segura a onda muito bem, tem carisma, e levanta o publico o tempo todo. Preferi o baterista do que as outras meninas, mas aquela profusao de guitarras e baixos deve ter alguma logica no resultado final que eu nao saberia explicar ou entender agora. Adoro Let's make love and listen death from above (link abaixo), e A la la, minhas favoritas desde antes de ver o show.
Momentos engracados foram quando, enquanto esperavamos o show comecar, o Dj colocou "Eu so quero e ser feliz, viver tranquilamente na favela onde eu nasci..." e alguma musica de forro tirado de algum CD de drag, tipo Silvetty Montilla, que deixou o publico absolutamente confuso e eu rindo muito da bizarrice da situacao, de ouvir aquilo naquele momento. Saldo final da experiencia: vai ser dificil conseguir amigos e socializar com as pessoas aqui, cujos codigos eu ainda to longe de entender. Afinal, como se faz amizade quanto ta todo mundo fazendo cara de blase e parado, ou conversando em rodinhas? Enfim, isso e apenas o comeco...
19 de out. de 2006
31, ou Cronicas texanas numero 0
4 de out. de 2006
1989
Músicas dessa época, portanto, carregam sempre uma certa carga negativa. Legião Urbana, Pet Shop Boys, The Cure, The Smiths, Rita Lee, Barão Vermelho... Músicas que, para tanta gente, marcou uma época de descobertas, de amores, de felicidades, para mim marcava uma certa incapacidade de sair da concha. Ainda que frequentar a noite Grind (A Lôca, SP) e ter namorado algumas pessoas fãs de grupos dessa época tenha mudado algumas referências, é claro que a melancolia adolescente prevalece como mais marcante. Algumas referências boas ficaram, no entanto, e permanecem até hoje. Uma das primeiras foi a Dance Music. Pump up the Jam foi um marco para muita gente que estava na noite nessa época, ainda que nas matinês. Eu ficava em casa, com vergonha de sair, mas dançava muito sozinho no meu quarto. Quando a música abaixo foi lançada então, eu tive aqueles momentos raros de revelação: havia visto algo maravilhoso e realmente bom.
Não é preciso comentar muito: a música é um clássico indiscutível das pistas. E ainda não é retrô.
Outra coisa que os anos 1980 nos deixaram é o legado do Hip Hop, ou Rap. O clipe abaixo, do Public Enemy, é um dos pontos altos desse primeiro impulso do rap nos EUA.
Era politizado, contestador, e o ritmo (para quem gosta) é irresistível. Essa vertente de rap, a meu ver, ainda não foi superada; hoje em dia, hip hop americano é o nicho dominante do mercado: rappers mostrando dinheiro, diamantes e muita bunda. Esse rap dos anos 1980, no entanto, era musicalmente legal, e politizado (como os Racionais são hoje em dia no Brasil, ou MV Bill).
Até onde eu sei, esse pessoal do rap inventou a nossa cultura dos samplers, e o fazia com uma maestria sem igual. Não sou nenhum especialista em cultura de massas, mas sei por experiência própria que o rap, hoje tão massificado, nessa época era motivo de certo escândalo. Letras explícitas, incitação à violência, críticas ao governo e à violência policial e o próprio escândalo de artistas negros terem sucesso junto a um público branco, num país racista como os EUA. Diferente do Brasil, né minha gente, que aceita a contestação cultural muito melhor (SIC). A demonização do hip hop e do funk no Brasil, hoje, soam familiares ao que ocorria com o rap nessa época.
Mas só fui ter a minha perestroika pessoal nos anos 1990, que para mim são a verdadeira época de ouro. Até por isso eu curto tanto música eletrônica, com aquela nostalgia gostosa que alguns da minha idade sentem com músicas típicas dos anos 80. Para mim, o 1989, bicentenário da Revolução Francesa e ano em que o muro de Berlim caiu, meramente anunciou o começo das coisas boas na minha vida.
2 de out. de 2006
Extra: eleições 2006
29 de set. de 2006
Rupturas
26 de set. de 2006
19 de set. de 2006
Trash 80's
...e tem também a parte 2, ainda mais hilária:
5 de set. de 2006
Fluxos
Acabei de ver, hoje ao acordar, o vídeo acima. Engraçado como alguns gêneros começam a se fixar no Youtube. Dentre os mais interessantes, ressalto esse, o "everyday": as pessoas tiram fotos de si mesmas todo dia, no decorrer de alguns anos, e criam um vídeo a partir da sucessão das imagens. Geralmente, a trilha é bem forte, sentimental, um tanto etérea, reflexiva. A partir desse vídeo, comecei a pensar em alguns elementos que me "pegaram", que me tocaram. Por exemplo, o contraste entre a continuidade (dos olhos, do rosto, da boca) e o fluxo estonteante de locações, iluminação, posições que transcorre em segundo plano. A sucessão rápida das fotografias cria, de fato, uma imagem de um "fluxo da vida": somos levados a sonhar o desenrolar de um pedaço da vida de alguém; buscamos por sinais de envelhecimento, ficamos maravilhados com as mudanças incessantes de estilos de cabelo, ficamos surpresos com a invariabilidade das olheiras. A constância do seu olhar, no contraste com o revoar aparente do seu cabelo ou com a fluidez do mundo que o circunda me pôs a viajar sobre a vida, nas suas constâncias e inconstâncias. Pois, logo depois de ver esse vídeo, enquanto continuava minha viagem pelo ciberespaço, me deparei como fotos de lugares e pessoas do meu passado não muito distante. Como já diria Pierre Lévy, a internet amplia um evento, uma frase ou uma imagem, na medida em que esses elementos permanecem ali, acessíveis (acessados) a qualquer um e a qualquer momento. Um sentimento, publicado num fotolog qualquer, um sorriso furtivo que iluminou uma noite de conversas e bebidas, um som que evoca milhões de emoções contraditórias; tudo isso permanece, de alguma forma, fixado quando, no passado, evaporaria no fluxo da vida, seria esquecido, ou faria parte de um arcabouço de memórias recontadas, sendo talvez enterrados por outras memórias. Nós, dessa geração Internet, ansiosos em celebrar cada minúcia da nossa vida, não interessa o quão insignificante ela seja, vivemos uma espécie de presente constante. Não conseguimos esquecer, pois somos sempre convidados a rever, a relembrar. O exercício de esquecer, de mudar, talvez seja algo mais difícil hoje do que em outros tempos. Amores perdidos permanecem nos assombrando; sensações boas e ruins podem ser recordadas ao toque de uma tecla; emails, MSN e orkut nos aproximam, mesmo quando não o desejamos.
Pensando nisso tudo, pensei no fluxo da minha própria existência, nas coisas que insistem em nunca permanecer, e nas sensações que, contra a minha vontade, recusam-se a me abandonar. Fico pensando na dificuldade em construir estabilidades, e nas ansiedades que vivencio a cada momento que a vida insiste em me jogar para um outro lugar. Se há uma coisa que se repete em minha vida é essa peregrinação constante. Se antes era uma necessidade, hoje em dia me sinto um pouco oprimido por ela. Ainda assim, é complicado abrir mão do nosso destino, quando ele aparentemente se mostra dessa forma! E as coisas permanecem sim. Podemos celebrar e manter vivas as sensações boas e fundamentais, mesmo que a vida se mostre, às vezes, como um rio caudaloso que insiste em dissolver tudo.
24 de ago. de 2006
Músicas que me agradam
Essa, do mesmo artista, é meio "nerdy hip-hop" (esse termo eu mesmo que inventei agora). Muito bom.
20 de ago. de 2006
Mandioca neles!
E tem o eterno Clodovil:
17 de ago. de 2006
"A luta é nóis"
Abaixo o vídeo:
13 de ago. de 2006
O fim da cordialidade
10 de ago. de 2006
Fotos
6 de ago. de 2006
Elio Gaspari para presidente
Getúlio e Brizola namoraram idéia de Constituinte. Deram-se mal, para a satisfação dos seus adversários políticos
A PROPOSTA de convocação de uma eleição para formar uma Assembléia Constituinte depois de outubro é golpista, dissimulada, velha e suicida. É golpista porque pretende obter de um Congresso desmoralizado uma emenda constitucional que eleja e instale uma Constituinte alavancada pelo resultado presidencial de outubro. A idéia foi endossada por Nosso Guia e pelo comissário Tarso ("Fora FHC") Genro.Em tese, seria uma Constituinte para fazer a reforma política. Trata-se de matéria que não precisa desse remédio e que não prosperou nos últimos anos porque o governo preferiu manter aberto o guichê pagador da corrupção política. O que se busca é a afirmação autoritária do Poder Executivo.O governo tem hoje uma bancada sólida de 250 votos num Congresso de 594 cadeiras. Na próxima eleição o PT poderá perder pelo menos 20 de seus 81 deputados. Estimando-se que os outros partidos de mensaleiros e sanguessugas percam outras 20 cadeiras, avizinha-se um Congresso onde Lula, reeleito com pelo menos 50 milhões de votos, terá vida dura. A Constituinte será um videoteipe editado. Algo que permita mostrar Roberto Carlos tirando o passe de Zidani do caminho de Henry. Quando Lula diz que os deputados e senadores deste Congresso não podem fazer uma reforma política porque "estão legislando em causa própria", ofende a inteligência da escumalha: De onde virão os constituintes? Do sistema político brasileiro ou de Marte? Vedando aos eleitos de outubro o direito de concorrer à Constituinte, os çábios inventarão o poder da ponta de estoque, com uma bela bancada de refugados.A proposta é golpista porque pretende modificar o curso das instituições nacionais. Isso já foi feito duas vezes. Em 1840 o Parlamento golpeou a Regência declarando a maioridade de D. Pedro 2º aos 14 anos. Em 1961, noutro golpe, instalou-se um regime parlamentarista para mutilar os poderes de João Goulart, presidente constitucional do país.A proposta é dissimulada porque irá além do pretexto da reforma política. Gerará uma situação parecida com a da Venezuela de Hugo Chávez, a Bolívia de Evo Morales e a Argentina das últimas reformas de Néstor Kirchner.Ficando-se no varejo partidário, pretende-se revogar os efeitos das cláusulas de desempenho, que afastam da bolsa da Viúva os partidos sem votos. Isso e mais o voto de lista, pelo qual a patuléia não escolherá mais os deputados. Ele virão empacotados pelas cúpula$ partidária$.A Constituinte de Nosso Guia será um fator de instabilidade política sem paralelo nas últimas décadas. Para gosto de seus mais radicais adversários, recolocará o tema da legalidade no pano verde da política nacional.O truque da Constituinte como gazua presidencial já foi usado duas vezes. Em 1945, Getúlio Vargas empurrou com mão de gato a campanha da "Constituinte com Getúlio". Em março de 1964, Leonel Brizola defendeu a eleição de uma Constituinte, a partir do fechamento do Congresso (coisa que Lula jamais sugeriu). Deposto, o Pai do Pobres foi para São Borja. Exilado, Brizola foi para o Uruguai. Nos dois casos, a manobra serviu muito bem aos adversários.
4 de ago. de 2006
Ainda sobre vampiros: Akai
27 de jul. de 2006
Três vezes vampiro
Blood for Dracula (Paul Morrisey; Itália/França, 1974, 103 min) ;
La Maschera del demonio (Mario Bava; Itália, 1960, 87 min) ;
Fiquei ruminando um post sobre vampiros desde que assiti, no computador mesmo, a Blood for Dracula, a.k.a. Andy Warhol's Dracula, entre outros nomes. Aliás, rumino uma história sobre vampiros desde que fiquei sabendo que eles existiam na imaginação das pessoas. A temática do vampiro é incrivelmente rica, flexível, aberta a infinitas leituras; e a cada nova história de vampiro que leio ou assisto, fico mais intrigado com a força e a permanência dessa imagética e de algumas associações constantes relacionadas a essas criaturas, algo que escapa a minha compreensão. Adoraria saber, se alguém tem esse conhecimento, se foi o livro Drácula de Bram Stoker de fato a primeira história moderna sobre vampiros, ou se ele apenas deu continuidade (ou releu) algum tipo de tradição. O que imagino é que, a partir de Bram Stoker, algumas associações se repetem: sexo e sangue, primordialmente; mas, também, temas como os de modernização (a viagem de Drácula da Romênia a Londres, por exemplo, sendo metaforicamente o transporte da lenda para a cidade moderna, a mistura do tradicional com o novo, do mito com o racional); e a doença (a praga trazida por ratos, o próprio tornar-se vampiro como metáfora para uma conversão da saúde para a doença, etc).
Talvez essa infinidade de releituras, ou até uma quase-necessidade de revisitar o mito de Drácula de tempos em tempos, seja um sintoma da nossa profunda identificação com a história, ou talvez demonstre a importância desse mito como expressão de características centrais do nosso "estado de espírito", desde pelo menos a modernidade do século XIX.
As nuanças sexuais são, na seleção de filmes acima, mais exploradas por Paul Morrisey/Andy Warhol. Na imagem ao lado vemos o herói do filme, ao lado de uma das "heroínas", enquanto o mesmo discursa sobre a superioridade da democracia e da sexualidade proletárias, em contraste com a decadência da nobreza. Foi uma (grata) surpresa me deparar com esse tipo de associação entre sexo, política e vampiros, ainda que de uma forma um tanto mal-resolvida. Daria pra pensar em algum tipo de diálogo com o tempo no qual o filme foi feito, talvez os filmes de Pasolini e os tantos filmes de Bo Derek, por exemplo. Sexo como política e como ética de existência parece ser um elemento central para os filmes de Morrisey, o que valeria pelo menos uma análise mais detalhada e embasada, impossível aqui. Voltemos ao vampiresco.
O Drácula de Morrisey é decadente, praticamente patético: passa o filme buscando uma única refeição que lhe garanta a continuidade da vida, algo que ele tem poucas esperanças ( e quase um desinteresse) de conseguir. A refeição precisa ser do sangue de uma virgem, e daí a graça em se pensar a mistura da estética vampiresca com a liberação sexual daquele tempo. As cenas de sofrimento de Drácula ao ingerir o sangue das meninas pouco castas da Itália são bastante interessantes. Morrisey estica e remodela a figura de Drácula tornando-a quase irreconhecível; desde a primeira seqüência, quando vemos o Conde maquiando-se pesadamente, encarnado num ator magro e de feições andróginas. Longe de ser uma estética fashion, penso eu, Morrisey dá vazão ao desvio e ao carnal de uma forma mais importante do que os outros dois filmes mencionados acima, algo que me interessa mais.
Mario Bava também não faz uma leitura ortodoxa da história de Drácula, mas abre frentes de sentido interessantes ao centrar sua narrativa em lendas pouco comuns. As bruxas e demônios eram marcados, na Idade Média, segundo narra o filme, por uma máscara martelada em sua face. A máscara, desenhada na forma de um demônio, expressava a suposta verdadeira face da pessoa morta, a face do mal. Essa imagem foi para mim o aspecto mais interessante do filme; desde a idéia de cravar a máscara no rosto da pessoa como forma de mostrar a sua verdadeira face, até a cena em si, com a martelada mortal que destrói a cabeça da bruxa ao mesmo tempo em que fixa a máscara. Os vampiros de Bava não são mortos com uma estaca no coração, mas com a mesma atravessando o olho esquerdo. Aliás, daria um ótimo estudo tentar levantar as ortodoxias e heterodoxias nas formas de matar e criar vampiros, presentes nas milhões de versões da história. Não há tantas aberturas sexuais nesse filme, mas sim a história de uma maldição que atravessa gerações: uma bruxa, queimada pelos seus pecados, lança uma praga contra todos da vila e retorna pelas mãos do destino para recuperar sua forma humana. Não sou nenhum especialista em Bava, nem teria nada de profundo a dizer a respeito de alguma conexão deste filme com o resto da sua obra, então prefiro ficar por aqui no meu comentário.
Last, but not least, a tediosa releitura do clássico expressionista alemão Nosferatu de Herzog. Nos extras do DVD ele fala de uma nova geração de cineastas alemães, sendo que esse seu filme de 1979 tentaria, segundo ele mesmo, criar uma ponte entre a geração nova e o clássico cinema alemão. De fato, Herzog constrói um filme reverente demais à imagética do antigo filme, recuperando técnicas visuais e de atuação expressionistas sem, no entanto, construir um trabalho interessante em si mesmo (na minha opinião). No elenco estão estrelas como Isabelle Adjani e Klaus Kinski (no papel de Drácula/Nosferatu); mas a animalidade e a sexualidade de um vampiro sugeridas pela atuação de Kinski ficaram esterelizadas e abafadas sob a importância dada ao clima e às imagens.
20 de jul. de 2006
Australopiteco, Neandertal ou Homo Sapiens, acho que todo relacionamento tem suas repetições... Ao mesmo tempo é uma necessidade da natureza (como comer, respirar, beber água), e uma tarefa quase impossível. Como se fosse algo tão difícil a ponto de ser anti-natural. Ainda mais hoje em dia: é tão mais fácil ficar na internet ou alugar um pornô! Ultimamente ando pensando no quão difícil são as coisas simples, como respeitar e confiar no outro... Por que estamos juntos afinal? Parece também que, de tanto pensarmos sobre essas coisas, acabamos matando a espontaneidade e naturalidade de todo processo (acabo sempre propondo uma análise... vícios de linguagem). Se é tão gostoso e "natural", por que não acontece mais vezes? Seria a tal parede que a gente constrói ao nosso redor? É tão difícil assim confiar no outro, a ponto de deixá-lo fazer parte da sua vida? É um processo ou acontece naturalmente, de uma vez só? Será que, depois de anos sozinho, a gente perde a capacidade pra isso? Será que é como andar de bicicleta, no final das contas a gente sempre acaba se lembrando novamente? Essa dinâmica fudida de abrir-se e fechar-se para as pessoas acaba comigo um dia... As pessoas tentam se aproximar quando eu não estou em condições, e daí quando eu estou, elas já desistiram..! Será que a gente vai ficando tão arisco com o tempo que abre mão de se envolver por medo de sofrer? E pessoas que já eram ariscas, ficam impossíveis então!? Será que pensar é sempre o problema da coisa, e o melhor seria "deixar rolar"? Será que a solução é simplesmente fazer que nem todo mundo faz hoje em dia: toma um anciolítico, vai para a academia e toma cerveja conversando sobre o último capítulo da novela? Ou simplesmente faz análise e paga para alguém escutar essas merdas que, pro público em geral, são apenas baboseiras de uma mente atormentada, difícil demais pra valer a pena qualquer tipo de envolvimento? Daí fica tudo lá no consultório; e eu posso continuar saindo na noite e socializar, parecendo o cara mais normal do mundo, feliz e integrado... Ignorando os conflitos de cada dia. Sei lá eu!
17 de jul. de 2006
Oh yeah
Mash-up de Paperback Writer, dos Beatles, e I'm a Believer, dos Monkees. Tenho tara por coisas dos anos 1960. Essa ficou boa pra dançar, contemporânea.
Surf's up, música dos Beach Boys. O clima etéreo, a melancolia, tudo me deixou maravilhado. A parte final da música me arrepia bastante, não sei dizer direito por quê. Como se houvesse ali algo de profundamente melancólico, uma tentativa de dizer algo que, de muito complexo, não consegue ser transmitido facilmente, mas que paira e te leva, te empurra. Como andar num caminho de manhã muito cedo, envolto por uma névoa, muito feliz, mas ainda assim com uma certa tristeza que paira, como se aquela felicidade fosse necessariamente passageira. Como lembrar de um grande amor que se foi, mas que ficou para sempre inscrito na mente e no coração; tristeza e felicidade simbioticamente presas uma na outra. As fotos e filmagens de Brian Wilson quase que sugerem a sua loucura latente, uma genialidade presa numa mente doentia. Nem conheço tanto o trabalho dele, mas li um pouco a respeito.
16 de jul. de 2006
Paranóia delirante
Enquanto eu escuto essa música do Xis, De Esquina, mais ônibus são queimados pelo estado afora. Parece absurdo, mas os canais de TV censuraram a palavra "PCC". Como se a mera menção a esta quadrilha (ou seja lá o que for isso: sindicato do crime? Partido? Organização?) fosse um incentivo às suas ações; e como se essa censura ajudasse em alguma coisa. Tão surreal quanto nosso digníssimo governador, dizendo que está tudo sobre controle. Chega a ser patético assistir a qualquer fala dessas pessoas. Vivemos num país com instituições desorganizadas; ou melhor, inexistentes, fantasiosas. Tentar raciocinar sobre a situação que vivemos é pedir para enlouquecer. Não deve ser à toa que há um silêncio mórbido em torno disso tudo. Ninguém de fato tem palavras ou conceitos para dar conta do estado de falência em que o país se encontra. Falar de corrupção, ineficiência, desarticulação, já não descreve mais o estado de inexistência de instituições básicas como o estado de direito, a polícia, etc. Os contratualistas, quando pensaram sobre a democracia, previam que cabia ao estado o monopólio da força. Diziam que haveria de existir liberdade de expressão, os três poderes, entre outras coisas. Não temos nada disso, somos um país que funciona pela inércia dos nossos costumes, nada democráticos. Depois reclamamos (nós, da elite invejosa e caipira) que não somos a Europa ou os EUA! A parcela que tem dinheiro vive como se estivesse na colônia escravocrata, presa num inferno tropical, quente demais para ser elegante. A imagem prevalece sobre a essência sempre. Se não falamos do PCC na TV, mas sim de "ataques", a quadrilha deixa magicamente de existir. Se ignoramos que somos governados por panacas imbecis, incompetentes e corruptos, e que nem democracia temos, podemos continuar indo ao shopping, ao cinema e ao trabalho em paz. Nada disso é novo, claro, só repito o que se fala desde sempre, desde que pessoas puseram-se a pensar o país de alguma forma. O triste é ver que estamos presos nessa situação, na qual a favela decidiu tomar conta de tudo, mas da pior maneira possível, pondo fogo e matando. Era de se esperar, pois é assim que se trata os pobres aqui desde 1500, à bala e na base da porrada. De tão óbvio, é patético e deprimente. Enquanto isso, quem deveria estar cuidando da situação está preocupado em manter posições de poder via eleições (isso inclui todos os políticos, que fique claro). Num país machista, hierárquico e pouco capitalista como o nosso, coisas como democracia, liberdade e igualdade são tão reais quanto beisebol ou ópera para as massas. Conceitos exóticos de culturas longínquas. O que temos é a lei do mais forte mesmo. E em breve veremos mais e mais dela operando por aí, pois as forças que deveriam ter consolidado a democriacia afundaram num mar de lama sem fundo nem fim.
PS: Escrevi isso de madrugada; acordo e leio o grande Elio Gaspari, de cuja coluna reproduzo um pequeno trecho (da Folha de S. Paulo, 16/07/2006):
"Comam bolo
Vem aí o filme "Maria Antonieta", de Sophia Coppola. Repete a maldita frase atribuída à rainha, recomendando aos franceses que não tinham pão que comessem brioches. Ela nunca disse isso. A patranha deriva de um escrito de Jean Jacques Rousseau, de 1776, no qual ele se referiu a uma "grande princesa". Nessa época, Maria Antonieta tinha 11 anos e vivia em Viena. A frase teria sido dita pela bisavó de Luís 16. Para os registros da história de Pindorama: de volta de Bruxelas no dia em que a bandidagem de São Paulo queimou cem ônibus e matou oito pessoas, o ex-governador Geraldo Alckmin, gripado, fez enorme esforço, mas chegou a tempo na festa de aniversário da mulher, num restaurante. Comeu-se um bolo com a forma e as cores de bandeira brasileira."
15 de jul. de 2006
Repetições
14 de jul. de 2006
Medo e conhecimento
1 de jul. de 2006
A noite
29 de jun. de 2006
E por falar nisso...
27 de jun. de 2006
Perder-se...
26 de jun. de 2006
Perdido?
23 de jun. de 2006
20 de jun. de 2006
Concretudes
4 de jun. de 2006
Conversando sozinho
18 de mai. de 2006
15 de mai. de 2006
Toque de recolher
Chegando lá, percebo um clima pesado, como se o ar estivesse parado. Entro no prédio, e todos comentam os ataques. "Depois dessa vou me mudar para Bagdá", uma funcionária comenta. Começo a contar sobre o fechamento das lojas, e logo percebo algo errado. "Todas as atividades estão suspensas", a secretária me diz. A reunião das 17 horas, também suspensa, "medida cautelar". Percebo uma calma nervosa entre todos. Uma correria para ir embora. Ligo de volta para a minha amiga, "fica em casa!", mas ela já sabia, nem tinha tomado banho. Finalmente começo a ficar nervoso. O boato é que os ônibus não circularão. Será que consigo sair daqui?
Para meu alívio, a perua que me trouxe estava fazendo seu caminho de volta. Embarco. Um silêncio nervoso também entre os passageiros. Entre uma música e outra, os locutores atualizam as informações: realmente os ônibus não circulam hoje depois das 18h. Celulares não funcionam? Boataria, pânico mesmo. Olho nervoso para a rua, qualquer parada me deixa apreensivo. Percebo um leve engarrafamento, que piora à medida que chegamos próximos do centro. Eu só quero entrar em casa.
Ligo a TV, e o chefe da polícia militar reclama que a mídia é culpada pelo pânico. "Está tudo bem", não existe motivo. "É apenas uma sensação de insegurança", as ocorrências de hoje estão muito menores do que sábado ou domingo. Datena, e eu junto, pergunta pelo presidente da república, pelo governador, pelas autoridades. Ninguém está dando entrevista? Ninguém esclarece nada? Somos então obrigados a circular pelas ruas para provar que a polícia está certa? Caso estivéssemos em um país minimamente civilizado, as autoridades estariam correndo para a mídia, tentando mostrar algum serviço. Em Pindorama, a choldra precisa ouvir que seu pânico é frescura, e que a polícia tem tudo sobre controle. Só falta falar que a população, ignorante, é culpada de tudo, por não respeitar nossos queridos e sensatos governantes. Enquanto isso, nosso governador pefelista se encontra com a cúpula da polícia, mais o ministro da justiça. Enquanto isso, eu estou aqui cagando de medo em casa, tentando fazer algo útil com meu tempo.
O medo não é por hoje: é pela fragilidade da coisa toda. Essa é uma boa hora para lembrar a fábula, e a frase "o rei está nu". Pois a nossa atual situação não é nova; ela perdura há décadas. Há décadas vivemos uma paz nervosa com o crime e com o caos. Há décadas sabemos que a polícia é incompetente e corrupta, e que os poderes constituídos são praticamente inexistentes. Mas a vida sempre continuava: carnaval, copa do mundo... Nem o mensalão era capaz de deter a normalidade.
Bastou algum chefe do PCC fazer ligações pelo celular, DE DENTRO DA CADEIA, para que o estado mais rico e poderoso da Pindorama parasse, em pânico. As pessoas, sabendo que estão indefesas, proclamaram seu próprio toque de recolher. Enquanto o chefe da PM "não entende" o pânico, ninguém quer ficar na rua e pagar para ver. A perda de legitimidade é geral. Onde isso pode nos levar, ninguém sabe.
Insegurança pública
ENTREVISTA DA 2ª/ALBA ZALUAR
Antropóloga afirma que ações dos grupos em SP são mais organizadas e que têm retórica política
Crime organizado paulista é mais centralizado, vê estudiosa
SERGIO TORRES DA SUCURSAL DO RIO
Uma das mais experientes estudiosas da violência urbana do país, a antropóloga Alba Zaluar afirma que o ataque do PCC (Primeiro Comando da Capital) revela uma faceta até então oculta do crime organizado em São Paulo. "É muito mais centralizado, muito melhor coordenado e tem uma retórica política por trás", afirmou em entrevista à Folha.A antropóloga detecta semelhanças perigosas no discurso de líderes do crime organizado com grupos extremistas de esquerda em atuação na América Latina. "A retórica política de grupos de extrema esquerda da Colômbia, da Bolívia, do Peru etc. está contaminando esse pessoal, que começou a agir em redes, que não são só interestaduais, mas internacionais ou transnacionais, transestaduais e transnacionais."Para ela, o modelo de esquerda defendido por esses grupos já fracassou em vários países da América Latina."Como é que vamos deixar nossa juventude ser conquistada por isso?"Com base em pesquisas acadêmicas realizadas em favelas nas últimas décadas, ela diz que, pelo menos no Rio, o tráfico de drogas financia políticos durante os períodos pré-eleitorais.Professora titular do curso de antropologia da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Zaluar publicou vários livros, entre os quais se destacam "Cidadãos Não Vão ao Paraíso", "A Máquina e a Revolta", "Da Revolta ao Crime S.A.", "Drogas e Cidadania" e "Integração Perversa -Pobreza e Tráfico de Drogas".Ela critica as investigações sobre o tema da criminalidade por parte de acadêmicos radicados em São Paulo."Meus colegas nunca fizeram um estudo aprofundado do crime organizado em São Paulo", lamentou. Isso acaba gerando, segundo ela, uma disputa a seu ver inútil sobre qual é a cidade mais violenta do Brasil, que não resolve nem sequer atenua o problema da criminalidade no país.De acordo com ela, "é muito assustador" o que está acontecendo em São Paulo e nos principais centros urbanos brasileiros."O Brasil está num ponto de sua história nacional tristíssimo, tristíssimo."
Folha - É surpresa para a senhora o que está acontecendo em São Paulo desde sexta-feira?
Alba Zaluar - Você lembra que há três, quatro meses houve a invasão e o roubo de depósito das Forças Armadas [Estabelecimento Central de Transporte do Exército, na zona norte carioca, quando 11 armas foram roubadas por invasores]?Ninguém foi morto, algumas pessoas foram maltratadas. Uma jornalista ligou para a minha casa e a primeira coisa que ela me falou: "Eu acho que o Rio de Janeiro deveria ser lacrado". Aí acontece isso em São Paulo.
Folha - Por que acontece?
Zaluar - Sempre dizem, em São Paulo, que o problema é todo aqui [no Rio]. Meus colegas nunca fizeram um estudo aprofundado do crime organizado em São Paulo. Agora está provado: [o crime em São Paulo] é muito mais centralizado, muito mais bem coordenado e tem uma retórica política por trás disso.
Folha - Qual a retórica?
Zaluar - Você vai ver. Vai aparecer manifesto daqui a pouco. Isso ninguém está percebendo. Hoje eu fiquei pensando. Minha Nossa Senhora, isso é óbvio. Por causa do tráfico de armas e do tráfico de drogas, que é disso que se trata, embora o espectro do crime organizado no Brasil hoje seja amplíssimo: lixo, transporte, café, arroz, contrabando de tudo o que se possa imaginar.Mas o tráfico de drogas e de armas tornaram-se violentíssimos. Isso tem feito com que a retórica política de grupos de extrema esquerda da Colômbia, da Bolívia, do Peru etc. estejam contaminando esse pessoal que começou a agir nessas redes, que não são só interestaduais mas internacionais ou transnacionais, transestaduais e transnacionais.Aí fica essa disputa ridícula para saber qual é a cidade mais violenta do Brasil. Francamente, o que me importa se é Vitória, se é Recife, se é Rio de Janeiro, se é São Paulo?Isso não importa. Importa é que a gente está numa situação gravíssima neste país. Eu estou muito preocupada.
Folha - O que a senhora quis dizer quando falou que seus colegas em São Paulo não estudam o crime organizado?
Zaluar - Acho que está fazendo falta um estudo aprofundado do crime organizado, especialmente aquele que é dirigido desde a prisão.Porque a idéia que se tem é que isso só acontece no Rio de Janeiro, e não é assim. Isso acontece no Brasil inteiro.Está provado agora que ele é muito mais bem coordenado em São Paulo do que no Rio. No Rio, ele consegue botar uma bombinha caseira lá em Copacabana [zona sul], metralhar uns vidrinhos na prefeitura, e foi só. Às vezes, você tem ações localizadas em bairros, eles fecham os bairros, algum comércio em um ou outro bairro. Mas nunca assim tão bem coordenado. Nunca conseguiram. Isso é que assustador, muito assustador. E não é só para São Paulo, não. É para o Brasil inteiro.
Folha - A senhora arriscaria uma previsão de o que pode ainda ocorrer?
Zaluar - Essas coisas são contagiantes. Agora, vão querer fazer o mesmo em outros Estados.
Folha - A senhora poderia comentar um pouco mais a questão da retórica política?Zaluar - Sempre fiquei impressionada com a coincidência das posições. Lendo coisas sobre a Colômbia, me espanta o uso dos mesmos termos. "Não nasci para semente." Eles também falam muito isso, várias coisas.
Folha - Seria, talvez, a transformação de facções essencialmente criminosas em agrupamentos movidos também por ideologia?
Zaluar - Esse ataque radical, geral e vago ao sistema, como se eles estivessem fora do sistema... O tráfico de drogas é um sistema capitalista, o mais selvagem que se tem notícia, porque não tem nenhum limite institucional e moral. O resto do sistema capitalista está sujeito a leis, a regras, a restrições de várias ordens. É claro que tem ilegalidade também [no capitalismo]. O caixa dois é um deles. Mas no tráfico de drogas não tem nem caixa dois porque não tem caixa um.Eles influem, sim, nas eleições. Influem, sim. Eles dão dinheiro para político, sim. Eu fico sabendo nas favelas que a gente estuda.
Folha - O que pode ser feito, na sua opinião?
Zaluar - A situação é muito grave, acho que é preciso pensar. Como eles conseguiram essas granadas? Granada não é de uso exclusivo das Forças Armadas? As Forças Armadas brasileiras têm que fazer um balanço. O que está acontecendo com seus depósitos?Porque desde 1980 eu ouço aqui no Rio de Janeiro menções a armas exclusivas das Forças Armadas na mão de bandidos. Ouço menções a facilidades com que se furta e rouba. Não só nas Forças Armadas, nas polícias também. Os policiais chegam lá [nas favelas] oferecendo armas para bandidos.Isso tudo tem que ter mais controle. A polícia tem que ser mais investigativa nesse sentido. Para a gente ter um conhecimento maior de como essas coisas operam. E ganhar os jovens nas idéias.Não vamos deixar que essas idéias, que essa ideologia... Que no meu entender é atrasadíssima, é antidemocrática, uma esquerda que já mostrou que deu errado em vários países da América Latina. Como é que vamos deixar a nossa juventude ser conquistada por isso?
Folha - Como?
Zaluar - Não pode. Batalhar também nessa área cultural, da ideologia. E não ficar só repetindo, ah! coitadinhos, são pobrezinhos, a desigualdade brasileira.Tem desigualdade, tem. Tem pobreza, tem.Mas então vamos fazer alguma coisa para não deixar esses pobres coitados morrerem feito moscas nessa tragédia que é a violência urbana no Brasil.Isso é muito triste. O Brasil está num ponto de sua história nacional tristíssimo, tristíssimo. E o exemplo tem que vir de cima.
[fonte: Folha de São Paulo, 15/05/2006]