Reproduzo abaixo uma pequena resenha que fiz do filme De repente, Califórnia (Shelter, USA, 2007), dirigido por Jonah Markowitz. A resenha sairá no próximo número da revista Mente e Cérebro.
O filme De repente, Califórnia foi uma das melhores surpresas que tive no cinema este ano, por diversos motivos. Sem maiores pretensões, a história consegue comover o espectador interessado numa bela história de amor. Zach, um jovem de classe média baixa dos EUA, vive com sua família e ajuda sua irmã que é mãe solteira. Enquanto luta para sobreviver, vive uma inconstante e morna relação com sua namorada. No seu tempo livre, explora seu talento artístico fazendo graffitti urbano e surfa com os amigos.
Ao conhecer Shaun, irmão de um amigo de infância, começa a descobrir um amor verdadeiro, contra seus mais arraigados preconceitos. A dificuldade em perceber seus sentimentos por outro homem são mostrados de forma sutil e sem caricatura: enquanto Shaun é gay assumido, Zach aprende lentamente a aceitar conscientemente algo que ele próprio não acha “normal”. Ao longo do filme, Zach consegue, ao aceitar sua sexualidade transgressora, reecontrar-se com si mesmo e perseguir seus sonhos de frequentar uma escola de artes.
Além de uma história otimista, na qual o amor consegue vencer as barreiras mais intransponíveis, o filme sugere uma singela lição de moral aos opositores dos relacionamentos homoafetivos e àqueles que ainda não suportam a idéia de legalizar as uniões civis e a adoção por tais casais. No filme, a irmã de Zach, claramente pouco talentosa para a maternidade, demonstra pouca preocupação com a idéia de constituir uma família. Além disso, ela espera do irmão que aceite o fardo de criar seu filho para que ela junte-se ao namorado numa viagem ao norte do país para ganhar dinheiro.
Zach, e também o espectador, ficam surpresos quando ela, ao suspeitar da orientação sexual do irmão, rejeita que seu filho, prestes a ser abandonado pela mãe, seja criado por um homossexual! O dilema é claro e bem atual: é mais importante manter intactas as barreiras culturais, institucionais e legais que separam os homossexuais do resto da sociedade, ou devemos avaliar esses casais de forma semelhante a quaisquer outros, especialmente na questão da sua capacidade de criar e manter uma família? O velho debate entre natureza e cultura é recolocado, em novos termos.
O filme supreende por ser um dos poucos filmes lançados comercialmente no qual o personagem homossexual não morre ou é acometido por uma tragédia no final. A lição moral contida na maior parte dos filmes, como bem revela o documentário O celulóide secreto de 1995, é a de que o personagem gay, lésbico ou não-heterossexual é condenado no final por seu “desvio”. Uma das lições que aprende-se nesses filmes, enquanto espectador, é a de que não existe felicidade possível na homossexualidade. Mesmo o enorme sucesso O segredo de Brokeback Mountain, tão apreciado como uma história de amor moderna, não foge ao padrão de punir com a morte o amor impossível.
Felizmente, essa tendência ensaia mudança, em filmes como De repente Califórnia. Sem ilusões, o filme trata com cuidado as dificuldades de aceitação da sexualidade numa sociedade homofóbica e machista; aborda o desejo crescente de homossexuais nos EUA (e ao redor do mundo) de sair da marginalidade e compor famílias; e sugere ao seu público que é possível, sim, encontrar felicidade no abandono do preconceito e na busca dos nossos sonhos, sejam eles quais forem.
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