Blood for Dracula (Paul Morrisey; Itália/França, 1974, 103 min) ;
La Maschera del demonio (Mario Bava; Itália, 1960, 87 min) ;
Fiquei ruminando um post sobre vampiros desde que assiti, no computador mesmo, a Blood for Dracula, a.k.a. Andy Warhol's Dracula, entre outros nomes. Aliás, rumino uma história sobre vampiros desde que fiquei sabendo que eles existiam na imaginação das pessoas. A temática do vampiro é incrivelmente rica, flexível, aberta a infinitas leituras; e a cada nova história de vampiro que leio ou assisto, fico mais intrigado com a força e a permanência dessa imagética e de algumas associações constantes relacionadas a essas criaturas, algo que escapa a minha compreensão. Adoraria saber, se alguém tem esse conhecimento, se foi o livro Drácula de Bram Stoker de fato a primeira história moderna sobre vampiros, ou se ele apenas deu continuidade (ou releu) algum tipo de tradição. O que imagino é que, a partir de Bram Stoker, algumas associações se repetem: sexo e sangue, primordialmente; mas, também, temas como os de modernização (a viagem de Drácula da Romênia a Londres, por exemplo, sendo metaforicamente o transporte da lenda para a cidade moderna, a mistura do tradicional com o novo, do mito com o racional); e a doença (a praga trazida por ratos, o próprio tornar-se vampiro como metáfora para uma conversão da saúde para a doença, etc).
Talvez essa infinidade de releituras, ou até uma quase-necessidade de revisitar o mito de Drácula de tempos em tempos, seja um sintoma da nossa profunda identificação com a história, ou talvez demonstre a importância desse mito como expressão de características centrais do nosso "estado de espírito", desde pelo menos a modernidade do século XIX.
As nuanças sexuais são, na seleção de filmes acima, mais exploradas por Paul Morrisey/Andy Warhol. Na imagem ao lado vemos o herói do filme, ao lado de uma das "heroínas", enquanto o mesmo discursa sobre a superioridade da democracia e da sexualidade proletárias, em contraste com a decadência da nobreza. Foi uma (grata) surpresa me deparar com esse tipo de associação entre sexo, política e vampiros, ainda que de uma forma um tanto mal-resolvida. Daria pra pensar em algum tipo de diálogo com o tempo no qual o filme foi feito, talvez os filmes de Pasolini e os tantos filmes de Bo Derek, por exemplo. Sexo como política e como ética de existência parece ser um elemento central para os filmes de Morrisey, o que valeria pelo menos uma análise mais detalhada e embasada, impossível aqui. Voltemos ao vampiresco.
O Drácula de Morrisey é decadente, praticamente patético: passa o filme buscando uma única refeição que lhe garanta a continuidade da vida, algo que ele tem poucas esperanças ( e quase um desinteresse) de conseguir. A refeição precisa ser do sangue de uma virgem, e daí a graça em se pensar a mistura da estética vampiresca com a liberação sexual daquele tempo. As cenas de sofrimento de Drácula ao ingerir o sangue das meninas pouco castas da Itália são bastante interessantes. Morrisey estica e remodela a figura de Drácula tornando-a quase irreconhecível; desde a primeira seqüência, quando vemos o Conde maquiando-se pesadamente, encarnado num ator magro e de feições andróginas. Longe de ser uma estética fashion, penso eu, Morrisey dá vazão ao desvio e ao carnal de uma forma mais importante do que os outros dois filmes mencionados acima, algo que me interessa mais.
Mario Bava também não faz uma leitura ortodoxa da história de Drácula, mas abre frentes de sentido interessantes ao centrar sua narrativa em lendas pouco comuns. As bruxas e demônios eram marcados, na Idade Média, segundo narra o filme, por uma máscara martelada em sua face. A máscara, desenhada na forma de um demônio, expressava a suposta verdadeira face da pessoa morta, a face do mal. Essa imagem foi para mim o aspecto mais interessante do filme; desde a idéia de cravar a máscara no rosto da pessoa como forma de mostrar a sua verdadeira face, até a cena em si, com a martelada mortal que destrói a cabeça da bruxa ao mesmo tempo em que fixa a máscara. Os vampiros de Bava não são mortos com uma estaca no coração, mas com a mesma atravessando o olho esquerdo. Aliás, daria um ótimo estudo tentar levantar as ortodoxias e heterodoxias nas formas de matar e criar vampiros, presentes nas milhões de versões da história. Não há tantas aberturas sexuais nesse filme, mas sim a história de uma maldição que atravessa gerações: uma bruxa, queimada pelos seus pecados, lança uma praga contra todos da vila e retorna pelas mãos do destino para recuperar sua forma humana. Não sou nenhum especialista em Bava, nem teria nada de profundo a dizer a respeito de alguma conexão deste filme com o resto da sua obra, então prefiro ficar por aqui no meu comentário.
Last, but not least, a tediosa releitura do clássico expressionista alemão Nosferatu de Herzog. Nos extras do DVD ele fala de uma nova geração de cineastas alemães, sendo que esse seu filme de 1979 tentaria, segundo ele mesmo, criar uma ponte entre a geração nova e o clássico cinema alemão. De fato, Herzog constrói um filme reverente demais à imagética do antigo filme, recuperando técnicas visuais e de atuação expressionistas sem, no entanto, construir um trabalho interessante em si mesmo (na minha opinião). No elenco estão estrelas como Isabelle Adjani e Klaus Kinski (no papel de Drácula/Nosferatu); mas a animalidade e a sexualidade de um vampiro sugeridas pela atuação de Kinski ficaram esterelizadas e abafadas sob a importância dada ao clima e às imagens.