Especulações livres

8 de abr. de 2007

Grindhouse (Rodriguez/Tarantino, 2007)



O comeco do filme me fez lembrar uma sessao dupla, talvez a unica verdadeira que eu tenha visto (a parte o Comodoro), em Belo Horizonte, em algum ano no inicio desse seculo. Sessao dupla, um cinema podre pertinho da rodoviaria da cidade; primeiro um filme de kung fu, e depois um porno. Sessao quase vazia, local perigoso, cinema sujo, mas a experiencia antropologica era tao unica que nao consegui resistir e assisti ao kung fu e parte do porno (tenho uma tara por porno cinematografico dos anos 1970, mas sobre isso quica escreverei num outro dia). Filme antigo, mofado e riscado, barulheira da maquina de projecao, quedas na projecao constante, cortes absurdos (nao se sabe se do filme ou se dos donos do cinema, que recriaram a obra na pratica de manter em exibicao filmes de 30, 40 anos atras, sem nenhuma conservacao). Talvez por ter tido essa, entre outras, experiencias com filmes dos anos 70, enriquecida pelo acervo comodoriano, e por leituras e curiosidade pessoal, tive uma sensacao de extrema familiaridade com a estetica proposta pelo Grindhouse. Como se algo ali estivesse falando a minha sensibilidade tambem. Nao me interessei tanto pelos comentarios meta-linguisticos possivelmente presentes em Tarantino (uma critica a filmes Hollywoodianos massificados, ou uma recuperacao de artes perdidas por causa da revolucao digital), ou pelas piadinhas um tanto sem graca do filme de Rodriguez. Fiquei sim extasiado ao ver um sofisticado filme de terror, dividido em duas partes, cada uma com um valor proprio. Senti-me inebriado de lembrancas e antigos prazeres, renovados pela releitura dos diretores. Embora o filme de Rodriguez seja absurdamente delicioso de assistir, por causa da diversidade de tipos bizarros a la John Waters, entre outros, citando um sem numero de filmes de terror ruins e bons, o de Tarantino, a meu ver, chega a ser 10 vezes melhor. Penso que com esse filme, Tarantino atinge um novo patamar na sua arte, quando consegue se aproximar de obras acabadas como Caes Raivosos de Mario Bava (calma puristas, eu sei que nao tenho como comparar ambos, mas aos iniciantes como eu faz algum sentido). Eu sempre o achei interessante, novidadeiro, mas somente "bom". Dessa vez, o achei excelente. O filme trabalha bastante com o ritmo. Lento, detalhista, microscopico, intercalado de uma intensidade unica num filme americano. Talvez uma leitura somente de Bava, mas com certeza com temas proprios de Tarantino. Ah, o desejo de vinganca! A delicia da perseguicao! A adrenalina correndo pelas veias, ainda que eu estivesse ali sentado, ha mais de 3 horas! Palmas ao final do filme. Detalhes interessantes sao de que o filme de Tarantino se passa aqui, na cidade de Austin, e presta homenagem a instituicoes da cidade como os cinemas Alamo (os quais ja mencionei aqui), entre outros exemplos da iconografia da cidade. Ao que parece, Austin se tornou um nucleo de producao de filmes importante, exatamente por conta de cineastas locais como Rodriguez (nunca vi nenhum deles permbulando por ai, caso alguem pense isso. Fico trancado em meu escritorio ou em casa, lendo e escrevendo, como bom nerd que sou). A mistura unica de modernidade, saudosismo hippie, fundamentalismo cristao e orgulho texano faz da cidade realmente um polo de coisas bizarras e interessantes digno de nota.
PS: Depois de uma experiencia bastante pessoal com o filme, mais fichas caindo na minha cabeca, relacionadas a eventos na minha vida amorosa, que resuscitou das cinzas. Chegada a inevitavel fase adulta, velhos dilemas me parecem infantis, e coisas que me exasperariam no passado me soam repetitivas e menores. Meus objetivos se ampliaram, tornaram-se mais ambiciosos, na mesma medida em que minha paciencia diminui. Estar com alguem bem mais jovem, ainda que emocionante, me fez repensar a minha propria condicao de adulto. Nesse sentido, talvez fosse algo que eu precisasse experimentar nessa fase da minha vida. Enfrentar novamente alguns medos me fazem lembrar o quao dificil e resolver dilemas pessoais, mesmo depois de 2 anos de reflexao. E talvez o celibato nao seja mesmo a resposta para nada. Ha que se aceitar, talvez, a incerteza da vida, em troca de insegurancas e possiveis perdas. Talvez a maior perda seja nao estar no jogo, ainda que na minha cabeca de adolescente, relacionamentos so podem ser bons quando nao sao jogos (alguem conhece algum que nao seja jogo? Mostre-me, pois so acredito vendo!). Ate onde o jogo e humano, e nao cruel? Ate onde ser discreto e diferente de mentir? Qual e o limite e a diferenca entre "dar corda" e "ir com cuidado"? Questoes que ficam sem respostas.

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