Especulações livres

30 de mar. de 2006

Interatividade radical: a vida é uma mercadoria

Há 10 anos atrás, eu não conhecia a internet.
Hoje, exatamente agora, há 1 minuto atrás, pude ver algo que eu pressentia, mas que achava poderia demorar alguns anos para finalmente acontecer. Vi a dica no Mixbrasil, e fui conhecer um site-catálogo de uma grife de roupas, Shai. Atenção: o site exige conexão boa e Macromedia Flash 8. Bom, o site nada mais é do que um anúncio interativo de roupas, na forma de mini-filmetes pornográficos super bem produzidos, com trilha excelente e estética um pouco mais refinada do que o que se vê nos pornôs normais. O susto maior veio quando passei o mouse para explorar os pontos verdes do vídeo: cada ponto mostra uma janela com a roupa, modelos, tamanhos cores, etc. O futuro da TV está, como fica a cada dia mais óbvio, selado. As mídias digitais tomarão conta de tudo, e esse tipo de interatividade sugere vagamente as coisas que poderemos ver daqui em muito breve. Posso estar chovendo no molhado, mas o espanto vem de perceber a proximidade disso tudo com o nosso cotidiano banal...! Usar o sexo para vender qualquer produto é a coisa mais velha do manual do capitalismo. A propaganda subliminar é talvez a antepassada distante de um anúncio feito efetivamente na forma de um filme pornô, com gozada no final e tudo. Num futuro muito próximo, todas as nossas mídias serão interativas dessa forma, e o computador na sua presente incarnação será peça de museu, assim como a televisão, talvez até o telefone. Vivemos uma transição gigantesca, e não temos nem palavras nem valores para dar conta do processo.
Um processo que ocorre paralelamente é a substituição da divisão online/offline pela completa fusão dos dois ambientes em um só. Vivemos nossa vida de forma interativa, nos comunicamos via email e blogs, e digitalizamos todos os aspectos do nosso cotidiano. Antigamente era uma puta novidade as pessoas se trancarem em casa e disponibilizarem sua vida na internet, através de câmeras. Hoje em dia, todo mundo acaba se anunciando de alguma forma, seja num blog escrito, seja em sites de encontros, seja em video-logs. O sexo parece ser sempre o aspecto mais visado disso tudo: no próprio Mixbrasil, o cidadão comum consegue publicar suas peripécias sexuais, solo ou acompanhado, pela internet. Pequenos trechos de sua pessoa, enquadrados de forma bastante particular: a pessoa é o seu pinto, a sua bunda, ou alguma parte sexualmente interessante. Tal forma já havia se popularizado nos sites de anúncios pessoais, mas toma agora nova forma com a passagem da fotografia para o clipe de vídeo. Consolidou-se um novo gênero de áudio-visual, e o domínio desses elementos (imagem em movimento e som) é cada vez mais parte do nosso vocabulário mais corrente. A disseminação incontrolável de câmeras digitais em diversos formatos contribui para possibilitar essa nova forma de expressão. A mediação tecnológica é cada vez mais inescapável, o processo parece ser inexorável e totalmente sedutor, pois sobre ele paira a aura da liberdade radical.
Seria isso um processo libertário? Gays, por exemplo, foram sempre pioneiros em fazer uso da internet para conseguirem se encontrar, promover encontros sexuais, sociais e políticos, e a sua sexualidade é muito mais tolerada pela internet do que seria normalmente offline. Ainda assim, parece que as piores tendências inerentes à cultura gay urbana contemporânea são estimuladas por esse processo: a transformação do sexo em produto, ou a banalização da sexualidade vivida através de mediações comerciais (seja na prostituição como estilo de vida, seja na disseminação de saunas e sexclubs); a prioridade dada à aparência; a fugacidade e pouca profundidade dos laços emocionais e sociais; a mediação das relações entre pessoas feita por produtos, serviços e marcas. Cada vez mais as pessoas pensam em como vão aparecer na foto, no vídeo, banaliza-se a experiência midiática de formas que Andy Warhol apenas sugeriu. Ele talvez fosse, hoje em dia, apenas mais um fotologger...
A cultura gay, na busca de legitimar-se perante a sociedade, encontrou na cultura de consumo uma brecha importante. O gay-consumidor se impõe como forma mais legítima e de maior alcance, com todas as conseqüências que isso têm para os que não se adequam a esse modelo. Aparentemente, tendências que vêm há alguns anos sendo experimentadas em populações marginais começam a impor-se como hegemônicas para o resto da população, na medida em que o consumismo se impõe como estilo de vida mais desejável para toda a sociedade. A começar pela aparência (alguém lembra do metrossexual?), práticas de consumo ligadas ao sexo e à identidade começam a atrair fatias cada vez maiores da população, ávida em tornar-se fluente nesses novos vocabulários. De que outra forma explicar o sucesso de um programa extremamente banal e ridículo como Queer Eye for the Straight Guy? Mesmo no Brasil, sociedade ainda alheia à maioria dos fluxos do capitalismo globalizado. São Paulo, nossa pequena cidade global, sofre as influência desse fenômeno de forma muito mais direta, mas a natureza da internet é acabar com essas distâncias unindo pessoas em diferentes espaços offline num mesmo espaço online. Eu poderia falar muito mais sobre como penso que os reality shows, por exemplo, são parte dessa pornografização da sociedade, mas são apenas especulações sem muito nexo, por enquanto. Deixo aqui registrado meu susto com a publicidade da Shai...

28 de mar. de 2006

Dica: Cronenberg




Essa veio do meu irmão. É apenas um trecho de uma entrevista maior que saiu publicada numa revista, mas para os fãs, até essa migalha é interessante! Clique aqui para acessar o site.

Abaixo um gostinho:

"The strangest thing about David Cronenberg's films is not the exploding heads, or the car-crash sex, or the VCR in James Woods's stomach. No, the shivers come when you realize they're all about us — about how our bodies determine our identities, and vice versa. The Canadian master of creep-out has long attracted audiences with a taste for body freakery, but his shocks are also among the most cerebral around. Cronenberg's filmography chronicles an ambitious search for new, visceral ways of expressing basic anxieties about the facts of being flesh and blood: maternity in The Brood (1979), aging in The Fly (1986) and desire in Crash (1996), to name but a few. And when that sensibility rubs up against the issues of the day, you get films like Videodrome (1983), eXistenZ (1993) and, most recently, A History of Violence — one of the top-rated films of 2005. The film's centerpiece is a transformation, a man whose past comes alive — and it's perhaps no surprise that Cronenberg has rather a porous sense of his fictions and our reality. "

Manias

Para que fique bem claro: odeio correntes e coisas semelhantes, mas como foi o Rodrigo que me intimou, bom, em respeito ao nosso excelente relacionamento virtual, não sei como recusar.

"Cada bloguista participante tem de enumerar cinco manias suas, hábitos muito pessoais que o diferenciem do comum dos mortais. E, além de dar ao público conhecimento dessas particularidades, tem de escolher cinco outros bloguistas para entrarem, igualmente, no jogo, não se esquecendo de deixar nos respectivos blogs aviso do 'recrutamento'. Ademais, cada participante deve reproduzir este 'regulamento' no seu blog".

1) Eu sou totalmente viciado em tomar café com leite e pão com manteiga em torno das 5 da tarde. Já até arrumei briga por causa disso. Não sei explicar por quê, mas isso me traz uma paz subjetiva que vai além da dose de cafeína;

2) Tenho mania de cutucar feridas alheias. Faço perguntas inadequadas, deixo a pessoa totalmente sem jeito. Já cometi inúmeras gafes dessa forma;

3) Quando estou conversando, começo a levantar o volume da voz quando me empolgo com o assunto. Quem me conhece sabe que esse volume fica beeem alto.

4) Preciso ler emails pelo menos umas 4 vezes por dia, em qualquer situação.

5) Sempre tomo banho, como algo, até leio notícias na internet quando chego bêbado de alguma baladinha. Enquanto o "fogo" não passa, não consigo relaxar.

Ok, finda a sessão confessionário, feita totalmente em deferência ao Sr. Berrando, dou-me ao direito de não passá-la adiante... Não fiquem brabos ok? Nem teria 5 blogueiros inéditos para convocar...

26 de mar. de 2006

Sem título

Se você quer tanto assim me conhecer, por que é incapaz de se mostrar para mim?











[se eu conseguisse pelo menos confiar em alguém...]

23 de mar. de 2006

Enchendo linguiça


Para variar, estou sem inspiração. Nessas fases, eu gosto de postar HQs (que eu acho) legaizinhos. Esse é meio óbvio, mas tem coisas óbvias que eu adoro repetir sempre.

15 de mar. de 2006

Quem manda em quem?

FOLHA DE S. PAULO, QUARTA-FEIRA, 15 DE MARÇO DE 2006

SEGURANÇA

Militares recuperaram fuzis e pistola no domingo em troca do fim das ações; comando militar diz que informação é absurda

Exército negocia com tráfico e retoma armas

(RAPHAEL GOMIDE DA SUCURSAL DO RIO)

Integrantes do Exército negociaram sigilosamente com a facção criminosa Comando Vermelho a recuperação de dez fuzis e uma pistola roubados de um quartel do Rio, em São Cristóvão (zona norte), no dia 3 de março, segundo relatos feitos à Folha por pessoas envolvidas. As armas já estavam em posse do Exército desde domingo à noite.Elas estão com a numeração raspada em três diferentes lugares. Um comboio de 12 carros descaracterizados, com homens fortemente armados do Exército transportou, no domingo à noite, os fuzis e a pistola até uma unidade da instituição. Militares celebraram o sucesso da operação no mesmo dia.Às 19h40 de ontem, o Exército anunciou oficialmente a recuperação das armas. Informou que foram encontradas em um local em São Conrado, bairro vizinho à Rocinha.Apesar de já estar com o armamento desde domingo, o Exército realizou uma megaoperação ontem na Rocinha. Havia feito o mesmo anteontem na favela do Dendê, na Ilha do Governador, e na Vila dos Pinheiros, na Maré, ambas na zona norte.A operação sigilosa para recuperar as armas, cuja negociação ocorreu entre a sexta-feira, dia 10, e o domingo, 12, envolveu um líder da facção criminosa Comando Vermelho que não está preso.Ele negociou a devolução do material a fim de livrar favelas da facção da operação de asfixia do Exército, que reduziu drasticamente o lucro da venda de drogas nas áreas ocupadas. O negociante da facção assumiu que o Comando Vermelho fez o assalto e manteve as armas escondidas até o fim de semana em uma favela plana (o que não é o caso da Rocinha), na qual a venda de droga está sob seu controle, como a Folha informou no dia 9.O acordoPara devolver as armas ao Exército, o negociador apresentou três pré-condições:1) fim das operações de asfixia das tropas do Exército nas favelas do Rio -o que aconteceu entre domingo e segunda-feira;2) apresentação pública das armas como se tivessem sido apreendidas em uma favela na qual a venda de drogas estivesse sob domínio da facção inimiga, a ADA (Amigos dos Amigos);3) transferência de um líder do CV do presídio Bangu 1 para Bangu 3 ou 4. Essa transferência pode demorar algum tempo para acontecer, para não aparentar ligação com a operação e por depender da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado do Rio.RocinhaOntem, às 10h07 -depois de iniciada no domingo uma fase que o Exército classificou de "seletiva e pontual", sem operações "massivas"-, cerca de 400 soldados ocuparam a favela da Rocinha, a maior do Rio, onde a venda de droga é comandada pela facção criminosa ADA.A Folha soube da operação na noite de anteontem. Às 9h de ontem, quando a reportagem chegou à entrada da Rocinha, era normal o movimento de moradores. Com um radiotransmissor, o jornal acompanhou os diálogos travados por traficantes.A chegada das tropas à Rocinha os surpreendeu. "Olha o comboio do Exército! Tá vindo comboio do Exército, lá na estrada da Gávea! É muito caminhão, tem tanque de guerra! Os caras estão vindo para cá!", começou a gritar muito nervoso, pelo rádio, um vigia do tráfico na favela, que antes fazia brincadeiras com outros colegas.Os traficantes negaram estar com os fuzis. "As armas não estão com a gente, não! Aqui não tem [fuzil] 7.62!", gritou um rapaz, pelo rádio. ""Vai lá buscar no Complexo do Alemão. Está tudo lá. Aqui é o bonde do tesouro. Temos dinheiro para comprar armas, não precisamos roubar", disse outro.AbacateApós o desespero inicial, em que descreviam freneticamente o poderio militar da Força, os traficantes da Rocinha passaram a fazer ameaças por rádio e a negar estar com as armas."Vai entrar na bala geral. Barulha os caras!", disse outro. "Vagabundagem, fica na atividade, subiu o maior bondão de abacate [Exército]!", disse um traficante.Com um potente aparelho de som instalado em um jipe militar estacionado em frente a um dos pontos mais movimentados da favela, o Exército pedia ajuda à população da favela. ""Atenção moradores da comunidade. O Exército brasileiro vai recuperar as armas desviadas. Denuncie os assaltantes. Sua identidade será preservada. Exército brasileiro. Braço forte e mão amiga."Pelos radiotransmissores, os traficantes falavam sobre a conduta surpreendente dos militares. "O periquito [como os traficantes chamam os militares do Exército] em vez de ficar na atividade, fica de costa para vagabundo", disse um deles.

(Colaboraram SERGIO TORRES e MARIO HUGO MONKEN, da Sucursal do Rio)

12 de mar. de 2006

Relacionamentos: o eterno retorno dos mortos-vivos




Do site Mixbrasil:

[http://mixbrasil.uol.com.br/id/psi/ressaca/ressaca.shtm]

[...]De acordo com o psicanalista Júlio Nascimento, mudanças drásticas no padrão de comportamento após o término de uma relação são um sinal de punição. “Se por acaso o Eu se sentir culpado, pois ele acredita que destrói o objeto com seus maus tratos, e que o objeto num ato de vingança o abandonou como forma de retaliação, o Eu se sentirá culpado e o Super Eu, que não tolera erros por parte do Eu, vai tentar puni-lo. Nestes casos o corte de cabelo, por exemplo, pode ser experimentado como uma mutilação, ou a dieta como penitência etc”, explica.[...]

E como ficam pessoas que, como eu, usam de infinitas racionalizações para se proteger de decepções futuras, que nem aconteceram? provavelmente, enterradas em raciocínios cada vez mais elaborados, mal percebem o quanto estão se auto-punindo por "perdas" do passado. Muitos que como eu criticam a lerdeza e apatia alheia acabam por encobrir uma dificuldade enorme de auto-crítica e de caminhar adiante em áreas importantes da vida. De que adianta ficar calculando o Id e o Superego nessas horas? Não vira mais um exercício lógico tão vazio quanto oportunista? Acho que só conseguimos abrir mão do passado quando recuperamos a capacidade de imaginar que há um futuro. As mágoas que já se foram oferecem uma espécie distorcida de segurança, pois representam algo que nos é familiar. Ao mesmo tempo em que reiteramos uma briga passada, uma mágoa distante, revivemos também um pouco do projeto (falido) que, antes de terminar, movimentou nossos desejos e esperanças. O mal-resolvido serve, então, de conforto, como uma forma de dar sentido ao caos. Um sentido passado, morto, como um zumbi: um morto-vivo que come a carne dos vivos, pois ele impede a vítima de lançar-se em novos projetos, de correr riscos, de efetivamente viver. Reviver uma mágoa passada é como um remédio malicioso: Ainda que ele cure, aparentemente, a dor do vazio e da ausência, seus efeitos colaterais são, entre outros, uma sonolência profunda, uma falta de sonhos, e de vontade de ir adiante. Quem se apega ao passado comete o suicídio do futuro.

11 de mar. de 2006

Uma última sobre Brokeback Mountain

Eu nunca gostei muito do Arnaldo Jabor. Sempre achei ele inteligente, mas ainda assim medíocre, falando para um ouvinte/leitor com o qual eu nunca me identifiquei, fazendo comentários bem construídos sobre, muitas vezes, apenas babaquices. o que deveria ser engraçado ou "moderno", nos seus comentários, nunca fizeram sentido para mim. Não conheço sua filmografia pra dizer se presta ou não. No Jornal Nacional, os seus comentários variavam de um senso comum enfeitado(ainda que pobre) a comentários marcantes (e muito raros) sobre os temas "da atualidade". Estatisticamente, os que eu gostava eram menos de 1 em 100, então minha opinião sobre ele continuou inabalada. O texto abaixo, enviado hoje de manhã por um amigo, confirma um pouco das razões por que eu nunca me identifiquei com ele. Os referenciais dele nunca serão os meus; acho que sua inteligência é aquela de um Brasil que já se foi, a do Brasil do final dos anos 70, do período da abertura. Esse Brasil, que está no poder, foi o Brasil de Fernando Henrique e Lula, duas faces de uma mesma moeda cultural-política. É um projeto político-cultural e de valores, um projeto de "civilização", pra ser bem cientista social de buteco. Assim como o projeto político desse pessoal caducou a partir da vitória do Lula e do mensalão, esse projeto cultural de 1979 caducou, e faz muito tempo. O texto abaixo, de autoria de Jabor, expressa bem o assombro desse tipo de brasileiro frente aos desafios do agora, pelo menos em referência à sexualidade. Jabor aqui demonstra ser auto-consciente dos seus limites, e por isso o texto abaixo é, desde já, o meu favorito de sua autoria. O interesse do texto para mim não se limita ao fato de ser mais um comentário sobre Brokeback Mountain; Jabor nos dá aqui pistas para um entendimento da questão da homossexualidade no Brasil, e os desafios que homossexuais e heterossexuais precisam enfrentar daqui para frente. Do lado hetero, a questão de que ser "liberal" implica mais do que aceitar um gueto, implica mais do que dizer "gays podem fazer o que quiserem, mas que façam isso longe de mim, escondidos". Do lado homo (e aqui eu deixo claro um projeto com o qual concordo) a questão é, cada vez mais, a necessidade (mais do que a possibilidade) de sermos pessoa inteiras, seres humanos completos, mais do que uma prática sexual "transgressora". E o trabalho continua...

‘Brokeback’ é um filme sobre heróis machos
(Arnaldo Jabor, O Globo, 07/03/2006)

Eu não queria ver o filme “Segredo de Brokeback Mountain”. Não queria. Ver filme de viados , eu? (Escrevo viado porque, como disse Millôr, quem escreve “veado” é viado ). Muito bem; eu resistia à ideia, mais ou menos como o Larry David (o roteirista de “Seinfeld”) disse, num artigo engraçadíssimo, que tinha medo de virar gay se ficasse emocionado.
O viado sempre encarnou a ambigüidade de nossos sentimentos. Claro que, hoje, os civilizados todos dizem que “tudo bem, que são contra a homofobia” e todo o bullshit costumeiro. Eu mesmo já fiz filmes em que viados são protagonistas, em que o ator principal escolhe o homosexualismo no final (“Toda nudez será castigada”), já filmei travesti em “Eu te amo” e em “Eu sei que vou te amar”, além da biba louca do “O casamento”, em que o grande ator André Valli dá um show inesquecível. Em todos os meus filmes há uma boneca ativa e digna. E, no entanto, eu não queria ver o tal filme do Ang Lee, apelidado pelos machistas finos de “Chapada dos Viadeiros”.
Minhas razões eram mais discretas, intelectuais: “Ah... porque o Ang Lee é um cineasta mediano, ah... porque será mais um filme politicamente correto, onde o amor de dois caubóis é justificado romanticamente... Vou fazer o que no cinema? Ver mais um panfletinho que ensina que os gays devem ser compreendidos em seu ”desvio“? Não. Não vou”, pensei.
Aliás, eu sou do tempo em que os viados apanhavam na cara em plena rua. Havia pouquíssimos gays declarados no Brasil. No Rio, havia o Murilinho... cantor de fox em boates, havia o Clovis Bornay e poucos outros... O viado passava na rua sob os rosnados dos boçais prontos para lhes tirar sangue. E, no anonimato, enxameavam os pobres “pederastas”, de terno e gravata, pais de família se esgueirando nas esquinas, nas noites escuras, em busca de satisfação.
Mais tarde, com o tempo, surgiram as “bichas loucas”, que se assumiam com um toque de autoflagelação, de autoderrisão, caricaturas da mãe odiada e amada, que berravam e desfilavam nos carnavais num freje humorístico, que até hoje alimenta nossos shows na TV. A “bicha” virou uma personagem clássica do humor, como os palhaços e os bacalhaus de circo. E tudo bem... são engraçados mesmo.
Depois, com os direitos civis dos anos 60, surgiu a gay power , com homossexuais fortes e de bigode, malhados, cheios de orgulho. A viadagem virou um poder político importante, claro, mas até meio sério demais, aspirando a uma “normalidade” que contrariava sua “missão” trangressiva que tanto nos acalmava. Como disse Paulo Francis um dia, sacaneando-os: “Se esses caras querem todos os direitos e deveres dos caretas como nós, qual é então a vantagem de ser viado ?”
Em suma, por mais que “aceitemos” os gays, eles sempre foram uma fonte de angústia, pois atrapalham nosso sossego, nossa identidade “clara”. O gay é duplo, é dois, o viado tem algo de centauro, de ameaçador para a unicidade do desejo. A bicha louca ou o travesti, a biba doida ou o perobo , o boy , o puto, a santa, a tia, a paca, todos eles nos tranqüilizavam com suas caricaturas auto-excludentes. Já o gay sério inquieta. O gay banqueiro, o gay de terno, o gay forte, o gay caubói são muito próximos de nos, a diferença fica mínima.
Por isso, eu não queria ver o tal filme dos caubóis. Como? Caubói de mãos dadas, dando beijos românticos, com tristes rostos diante do impossível? Não. Eu, não. Mas, aí, por falta de programa, “distraidamente”... (aí, hein, santa?...) fui ver o filme. E meu susto foi bem outro. O filme não me pedia aprovação alguma para o homossexualismo, o filme não demandava minha solidariedade. Não. Trata-se de um filme sobre o império profundo do desejo e não uma narração simpática de um amor “desviante”. O filmes se impõe assustadoramente. Os dois caubóis jovens e fortes se amam com um tesão incontido e são tomados por uma paixão que poucas vezes vi num filme, hetero ou não. Foi preciso um chinês culto para fazer isso. Americano não agüentava. Nem europeu, que ia ficar filosofando. “Brokeback” é imperioso, realista, sem frescuras. Eu fiquei chocado dentro do cinema, quando os dois começam a transar subitamente, se beijando na boca com a fome ancestral vinda do fundo do corpo. O filme não demandava a minha compreensão. Eu é que tinha de pedir compreensão aos autores do filme, eu é que tive de me adaptar à enorme coragem da história, do Ang Lee. Eu é que precisava de apoio dentro do cinema, flagrado, ali, desamparado no meu machismo “tolerante”. Eu é que era o careta, eu é que era o viado no cinema, e eles, os machos corajosos, se desejando não como pederastas passivos ou ativos, mas como dois homens sólidos, belos e corajosos, entre os quais um desejo milenar explodiu. Não há no filme nada de gay, no sentido alegre, ou paródico ou humorístico do termo. Ninguém está ali para curtir uma boa perversão. Não. Trata-se de um filme de violento e poderoso amor. É dos mais emocionantes relatos de uma profunda entrega entre dois seres, homos ou heteros. Acaba em tragédia, claro, mas não são “vítimas da sociedade”. Não. Viveram acima de nós todos porque viveram um amor corajosíssimo e profundo. Há qualquer coisa de épico na história, muito mais que romântica. Há um heroísmo épico, grego, como entre Aquiles e Pátroclo na “Ilíada”, algo desse nível. O filme não é importante pela forma, linguagem ou coisas assim. Não. Ele é muito bom por ser uma reflexão sobre a fome que nos move para os outros, sobre a pulsação pura de uma animalidade dominante, que há muito tempo não vemos no cinema e na literatura, nesses tempos de sexo de mercado e de amorezinhos narcisistas.
Merece os Oscars que ganhou. Este filme amplia a visão sobre nossa sexualidade.

10 de mar. de 2006

Deputados dão uma banana ao país e ao futuro

Depois de muito hesitar, e de escrever textos aqui nesse blog defendendo uma visão menos catastrofista da crise do "mensalão", tenho que reconhecer que, desde ontem, quando foram absolvidos os deputados Roberto Brant (PFL) e Professor Luizinho (PT), não há mais dúvidas: o projeto petista caducou rápido demais, e sua função histórica, a de acabar com a hegemonia de alguns grupos na política representativa, terminou. O que vemos é a adequação do PT ao status quo vigente, ou da palhaçada que reina no Congresso, coisa que muitos falavam antes e eu me recusava a acreditar. Sou assim mesmo, meio cabeça dura, mas contra os fatos e a lógica não há como discutir. Não voto mais no PT. Ainda que a crise atual tenha seu lado positivo, qual seja, a de mostrar a verdadeira face da nossa política, não tenho mais estômago para achar que o PT tenha mais algo a dizer de sério, depois de se aliar ao PFL. E para livrar de punição réus confessos! Qual é a lógica!?! Não há nenhuma justificativa plausível. Que venha o PSOL, ou outro partido mais interessante (por que votar nulo ou em branco, pra mim, ainda não faz nenhum sentido). Muitos comentaristas, como a Lucia Hippolito abaixo, chamam a atenção para o perigo dessa falta de decoro coletiva dos deputados: abre-se cada vez mais um fosso entre o que o governo quer e faz e o resto do país. Uma situação assim dificilmente se sustenta por muito tempo. Resta saber como se resolverá isso: ou moraliza-se a instituição, ou os loucos que querem fechar o congresso ganham de vez a batalha moral. Abaixo alguns textos que marcam esse momento inglório da nossa história recente.

1) Editorial da Folha de S. Paulo de hoje, sexta-feira, 10/03/2006

LIVRES PARA DELINQÜIR
A acintosa decisão da Câmara de absolver dois deputados federais que receberam dinheiro ilegal exige da Casa -para manter a coerência com o despudor que norteou as votações de anteontem- a extinção de seu Conselho de Ética. O órgão deve ser fulminado por colapso de autoridade e de objeto.Na sessão de quarta-feira, a maioria dos parlamentares não se restringiu a livrar da cassação Roberto Brant (PFL-MG) e Professor Luizinho (PT-SP). Foi muito além e produziu uma norma não-escrita: políticos estão liberados para beneficiar-se de esquemas criminosos de captação e distribuição de recursos desde que declarem que o dinheiro foi usado para fins partidários ou eleitorais.Nos três casos em que julgou deputados que assumidamente receberam recursos por intermédio do publicitário Marcos Valério de Souza, o plenário foi reincidente na ignomínia. Afrontou o Conselho de Ética e preservou mandatos e direitos políticos do trio -o primeiro a ser absolvido foi Romeu Queiroz (PTB-MG), em dezembro- que sorveu mais de R$ 500 mil do "valerioduto".Ao liberar a delinqüência -caixa dois é crime financiado por corrupção e outras fraudes-, os deputados expulsaram o que se entende por ética de seus domínios. Indecorosa é por definição a maioria de uma Casa que -ao abrigo do escrutínio público, escudada no anonimato do voto secreto- abona indecorosos. Mas, como não há pena possível para a quebra de decoro de um colegiado, só se pode concluir que os legisladores reescreveram seu código de costumes para aceitar a indecência.Qual a utilidade de seguir com os processos dos outros "mensaleiros"? O plenário já afirmou que o delito que praticaram em furtivas procissões à agência do Banco Rural de Brasília para sacar dinheiro vivo não custa um mandato. É escarnecer ainda mais dos cidadãos manter um Conselho de Ética quando a maior parte dos legisladores atropela a sua essência.A Câmara dos Deputados optou pelo caminho do isolamento corporativo, do acordo espúrio, do cálculo miúdo que não vislumbra um palmo além do nariz. Votou a favor da percepção, cada vez mais difundida na sociedade, de que os políticos seriam todos iguais em venalidade.


2) Opinião de Lúcia Hippolito, no UOL News

09/03/2006 - 21h00
Câmara deu uma "banana" para o eleitor bem informado
Veja a entrevista em vídeo

[Da Redação]
A cientista política Lucia Hippolito está indignada com a absolvição dos deputados Roberto Brant (PFL-MG) e Professor Luizinho (PT-SP), ontem, no plenário da Câmara. Em conversa com a jornalista Lillian Witte Fibe, âncora do UOL News, a colunista desabafou: "achei uma vergonha, um deboche. Tem de fechar esse Conselho de Ética que não presta para nada, que foi desmoralizado."Para ela, os parlamentares estão privilegiando o atraso. "A Câmara está dando uma 'banana' para o eleitor bem informado, crítico, rigoroso, que quer um comportamento rigoroso dos seus representados. Está dizendo para o Brasil inteiro o seguinte: queremos o voto dos desinformados, dos desassistidos, o voto clientelista, de cabresto. É inclusive desrespeitoso com essas populações, que realmente trocam o voto por um emprego, porque são despossuídas de tudo."Segundo a colunista, é muito confortável "para nós da cidade grande, que temos três refeições por dia, falar mal do voto de cabresto." E continuou: "a Câmara está dizendo que prefere aquele voto porque é manipulável. Não quer o voto da opinião pública esclarecida, quer do analfabeto, para manter aquela gente naquele estado de semi-servidão. Essas pessoas não estão percebendo o fosso que está se abrindo. Estão brigando com fogo. Ontem ficou muito claro: a Câmara deu uma banana para o futuro, o moderno, a opinião pública, o voto esclarecido." Voto secretoLucia Hippolito lembrou que há duas correntes que tratam do voto secreto em situações desse tipo: uma que apóia e outra que rejeita. A que apóia argumenta que, num julgamento, a decisão final vem do júri e não de cada juiz. Já os que defendem a abertura do voto acham que, como o deputado está ali cassando ou absolvendo, funciona como uma espécie de juiz; portanto, a decisão deve ser pública."Mas tem diferença entre aberto e secreto? O que é isso? Então quer dizer que se fosse aberto o deputado ia votar diferente, por conveniência? A verdade é que 80% não leram o relatório do Conselho de Ética. Votaram do jeito que quiseram."PT = PFL?A cientista política também ficou abismada com o acordo entre PFL e PT. "Foi uma vergonha. O PT aliou-se ao PFL da forma mais desabrida." Segundo ela, outro absurdo foi "o grito de guerra" do deputado Brant "conclamando a Câmara a desafiar a opinião pública." Democracia em frangalhosQuestionada se o país está piorando em plena democracia, Lucia Hippolito foi categórica: "muito! Ontem nós regredimos décadas em matéria de aperfeiçoamento democrático. Não foi apenas a absolvição de dois réus confessos que receberam caixa 2, que usaram caixa 2. A maior parte da Câmara declarou: 'está legalizado sim o uso de caixa 2. E daí?´"Ela lembrou que no discurso de defesa no Conselho de Ética, o deputado Roberto Brant havia dito: "quem nunca usou recurso de caixa 2 que atire a primeira pedra". "Faltou pedra", disse a colunista.RadicalismoO pior de tudo, afirmou a cientista política, é que acontecimentos dessa natureza abrem brechas para o aparecimento de radicais. "Eu falei de fechar o Conselho de Ética, mas daqui a pouco vai ter gente mandando fechar o Congresso. Vão dizer: 'para que serve o Congresso? Só para gastar nosso dinheiro e nos afrontar dessa maneira?'" E, segundo Lucia Hippolito, o que não falta é "maluco".

8 de mar. de 2006

Escolhas, opções




As nossas opções nos marcam pelo resto de nossas vidas.

Existe alguma maneira de evitar escolhas? Existe saída para o dilema entre ir atrás de seus objetivos e ficar parado, esperando a vida tomar seu rumo "natural"? Existe tal rumo, tal "destino", do qual não conseguimos escapar? Não optar é, automaticamente, uma opção. Não existe a possibilidade de não optar por algum caminho na vida. E tais opções definem aquilo que somos, o que nos tornamos, e quais portas se abrem e se fecham para nós. Esse lance de fechar portas é o que me amedronta mais. Bom, talvez me amedrontasse mais antigamente... Com o passar dos anos, escutando repetidamente o barulho ensurdecedor de portas sendo batidas na minha cara, acabei por aceitar a inevitabilidade desse fato, quando ele ocorre. Nem sempre eu concordo; por vezes demoro em aceitar que perdi uma grande oportunidade, que fiquei apenas em segundo, terceiro, ou trigésimo lugar, eque não foi o bastante. Mas acabo aceitando. E tomando meu rumo. Em compensação, aprendo cada vez mais a tirar proveito da luz que emana daquelas portas que se abrem repentinamente. E venho aprendendo a tentar perceber pequenas brechas que sempre estiveram ali, ainda que eu não prestasse muita atenção a elas. Falar de perdas e de aceitar perdas parece muito fácil e muito bonito. Há sempre um clichê por trás de cada pensamento, tentando se passar por uma reflexão. Sim, o tempo cura tudo; sim, algumas coisas são inevitáveis... A maturidade, a idade, etc. Mais complicado é tentar entender os meandros dos sentimentos que tomam conta de mim quando percebo caminhos trilhados e caminhos perdidos. Se escolhi, se tomei atitudes, paguei o preço por isso. Se hesitei, idem. Hoje, olhando para trás, começo a perceber que tudo, agora, é mais concreto. Não tenho tempo mais de pensar sobre o "como seria", ou o "como poderá ser". Tudo agora É, concretamente. Tudo o que eu falo tem conseqüências reais. Sou vigiado e questionado o tempo todo. Qualquer deslize e estou fora da jogada. Tudo é mais intenso e mais urgente. Não há mais tempo para pensar sobre inseguranças: elas foram postas à prova, e continuam sendo, a todo momento. Tudo que eu mais temia (e muito do que eu busquei) acabou por acontecer, ainda que de uma forma muito diferente daquela que eu planejei ou imaginei. Enfrentei aqueles medos que, num passado não muito distante, me deixariam em depressão ou calado por meses a fio. E não morri por causa deles! Ainda assim, as perdas foram enormes, irreparáveis. A cada passo, perco um pedaço da minha carne, perco algo de mim mesmo, torno-me alguém diferente do que eu pensava que fosse. Se tenho uma profissão, preciso desistir de quase todas as outras possíveis. Se decido morar em uma cidade, deixo de morar em todas as outras. Se estou com alguém, deixo de conhecer o resto, que talvez me interessasse. Perdas banais, mas que compõem os dramas cotidianos de tanta gente; que alimentam os dilemas existenciais de milhões, bilhões. Corri tanto achando que precisava alcançar alguma coisa que deixei muita gente boa para trás, gente que me faz falta. Alguns correram para outros lados, outros ficaram parados, outros foram andando mesmo. Abandonei muitas lutas, muitas crenças, muitos valores. Ainda que, agora, eu seja obrigado a SER alguém, de fato, o tempo todo.

Talvez aí esteja a minha dificuldade: quem é esse personagem, que de repente é tão concreto? No que deu tamanha correria? O que foi, de fato, alcançado? O que isso importa?

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