Especulações livres

29 de dez. de 2006

Sinner's Blood at the Alamo



Ontem a noite, gracas a um fortuito telefonema, pude sentir novamente as emocoes de assistir a um filme inusitado, numa das instituicoes mais interessantes dessa cidade: os cinemas Alamo. O conceito e simples e brilhante: cinemas em varios bairros da cidade, com mesas em todas as fileiras. Antes dos filmes, os espectadores podem pedir comidas e bebidas (geralmente hamburgueres, cerveja e "chicken strips"), enquanto assistem a clipes absurdos, ligados ou nao ao filme em cartaz. Vinhetas dos anos 50 e 60, filmes caseiros, filmes classicos redublados de forma engracada, etc. Toda quinta-feira, descobri ontem, passam filmes de terror de graca, a meia-noite. Chego no cinema e me deparo com tipos saidos das saudosas sessoes comodoro. Antes do filme, uma breve apresentacao, sorteio de vale-DVDs na locadora cult local, e o filme comeca. Sinner's Blood (81 min., USA, 1969) nao e brilhante em nenhum aspecto. A historia e mal ajambrada, e comeca com duas meninas que perderam a mae, sendo forcadas a abandonar sua Chicago natal para morar com parentes numa cidade generica do interior. La encontram garotos ligados a gangue de motoqueiros locais, entre outras situacoes bizarras. Para mim, foi a chance de finalmente ver um exemplar dos drug movies dos anos 60; as cenas em que um dos motoqueiros toma LSD sao impagaveis. Varios tipos de subversao da moral fazem pequenas aparicoes, inclusive sexo entre parentes, sexo livre em geral, homossexualismo, maconha, LSD, sangue e tortura. Ainda assim, o filme parece pudico perto de producoes mainstream de Hollywood hoje em dia, um sinal dos tempos. Para mim, alem da experiencia de estar vendo filmes trash (esse sim e trash, distante dos noitoes paulistanos geralmente povoados por filmes de arte e altamente sofisticados, como Cannibal Holocaust) a meia noite, algo que me traz boas lembrancas, tive a chance de ver algo unico na minha experiencia cinefila: o revide do homossexual vitima da homofobia da camera. Duvido que esse filme seja o unico exemplo disso, mas que fique documentado que foi a minha primeira vez. Fui levado, por conta disso, a torcer contra a mocinha e me sentir emocionado com uma cena de sadismo explicito, algo um tanto questionavel, mas que nao deixou sequelas maiores: afinal, a causa era mais do que justa. Explico: dois dos motoqueiros da gangue, numa cena de orgia (fantastica alias, suja, improvisada), saem juntos e sao posteriormente pegos em "caricias homoeroticas", ou cometendo pederastia, ou sei la como se dizia isso em 1969. A "mocinha" do filme, que havia tido um encontro sexual com um dos caras, ficou abalada em ver a cena, irritou-se, e planejou vingar-se, numa atitude demasiadamente humana que levaria, posteriormente, a morte do rapaz. O amante dele (pelo menos na tal cena), indignado, protagoniza cenas de tortura e misoginia que seria horriveis em qualquer outro contexto, mas ali me pareceram um tanto revolucionarias. Sei que cometo inumeros pecados aqui, mas e uma leitura bastante pessoal e interessada do filme. Pois o filme, ainda que se atenha ao canone ridiculo de punir com a morte qualquer personagem que se atreva a fazer sexo com outro homem, consegue dar voz ao amante indignado, punido a mulher que causou a morte do seu parceiro. Se pensarmos que tal revide e imensamente raro, senti-me vingado por um filme de 1969, apos ter que assistir calado inumeros personagens queers, gays, etc etc serem trucidados sem nenhuma explicacao nas telas do cinema. Nao que a tortura da moca seja um alivio: o alivio e perceber que houve na tela um resquicio de voz contraria, de indignacao, de resposta a algo que parece tao inevitavel a ponto de estar naturalizado na maior parte dos filmes.

21 de dez. de 2006

Passado e futuro


Eu tinha uma mania muito esquisita antigamente (uso esse termo por que o ano passado, hoje em dia, me parece que aconteceu ha 10 anos atras): quando batia uma carencia, eu ligava para todos os meus ex amores, ficantes, etc. Olhando para tras, penso que deveria ser algum tipo de ritual de expiacao: eu confrontava todos os meus erros e acertos talvez, ou ficava me culpando por todas as pessoas que acabei deixando para tras (isso na epoca que eu dava os pes-na-bunda), ou ficava tentando entender "o que eu tenho de errado?", quando o pe era dele e a bunda era minha. Estranhamente, depois de tirar umas boas ferias do mercado de paqueras (entre outros, mas isso nao e papo para o blog), ja nao consigo ver utilidade em ficar olhando para tras. Ficou muito para tras tudo o que aconteceu, por melhor que tenha sido uma ou outra experiencia. Mas por que, o ceus, esse papo agora, Sr. K.? Ora, leitor entediado, por que existe uma infima vontade em mim de testar as aguas novamente, por mais frias e profundas que parecam. Se nunca tive medo de nadar, por que me apavoro tao facil ultimamente? Por que me parece mais facil ficar preso dentro de mim mesmo do que abrir a guarda, um pouco que seja? E essa vontade me deu vontade de rever o que me levou ao ponto em que cheguei, ainda que seja somente para constatar que esse ponto ja esta no passado. Novamente, nao sei direito onde estou. Sim, ja soube, mas esses tempos tambem se foram. Ou, quem sabe, estou apenas seguindo a tradicao de escrever textos de final de ano, com analises do que passou no ano que esta por terminar. Olhando para tras, vejo um deserto, muita terra seca, ainda que cortado por uma estrada novinha em folha, recem asfaltada. E continuo andando nessa metaforica estrada, com alguma esperanca de um dia, quem sabe, deixar o deserto para tras e encostar o carro um pouco, ou ate, quem sabe, deixar alguem andar comigo de carona.

9 de dez. de 2006

Apocalypto (EUA, 2006)






Ontem fui ver o filme, ja devidamente informado das injusticas que Mel Gibson e o filme cometiam contra a cultura Maya, contra o povo maya, sobre a violencia extremada e gratuita que perpassa todo o filme, sobre os horrores que se acometeriam sobre mim se eu porventura gostasse mesmo que um pouco do filme, sendo o diretor um cristao fanatico e publicamente anti-semita. No final do filme, ainda abalado com as cenas de extrema violencia (que sao realmente impressionantes), e maravilhado com as imagens de uma cidade Maya decadente e estranhamente familiar (onde politicos e clerigos, ao lado de uma elite sangue-suga, se deleitam nos prazeres da carne e da arte, dando vazao a um sadismo puro de forma extremamente grotesca e livre), posso dizer que gostei sim do filme. Mas como eu achei o ultima versao de King Kong o filme B mais caro da historia, e sempre achei Mojica Marins um cineasta serio, o leitor desconfiado pode achar que eu tenho pouca ou nenhuma autoridade para recomendar um filme como esse. Por isso mesmo aconselho cautela: nao va assitir o filme esperando um drama historico, nem uma historia de amor pura, nem um filme politico, nem qualquer critica velada ao presidente Bush ou ao imperialismo americano.


Tais leituras pseudo intelectuais e CHATAS nao fazem justica ao que eu realmente achei interessante no filme: violencia cuidadosamente pensada e destrinchada em suas inumeras nuances; motivacoes complexas e, por vezes, irracionais; uma estetica quase kitsch, ou para usar o termo que um critico usa para descrever o filme, pornografica, na forma como se deleita por detalhes morbidos dessa dita violencia. O comeco do filme e bem irritante, mostrando os "bons selvagens" integrados com a floresta. Mas logo a coisa toma um rumo macabro, e o filme deslancha. Em alguns momentos me lembrei de Cannibal Holocaust, e outros filmes do genero. Nao pela razao simples da violencia, mas pela forma como a violencia e analisada e tornada concreta. O uso da estetica Maya torna o filme ainda mais exotico e interessante, e espero que este seja o primeiro de muitas reconstrucoes desse contexto cultural.

28 de nov. de 2006

Saudades

A cada dia que passo longe do Brasil, minha saudade aumenta. Saudades nao do Brasil em si, mas daquela ilha poluida e mal planejada que chamamos de Sampa. Ilha sim, por que a cidade, ainda que umbilicalmente ligada ao pais que a deu origem, congrega um desejo coletivo de superar e sublimar os limites impostos por essa origem, numa busca frenetica de alcancar o mundo. Passei meros 4 anos dos meus 31 na Pauliceia, mas foram alguns dos mais intensos da minha vida. Ainda que eu tenha sido forjado enquanto adulto no interior do estado, e ainda que eu tenha sangue mineiro (e jeito de mineiro, e sotaque de mineiro, e manias de mineiro, como tomar cafe com leite), foi em sampa que pude experimentar e vivenciar a pessoa que eu gostaria de ser. Foi em sampa que comecei a desenvolver a minha vida propriamente dita, foi ali que comecei a jogar pra cima meu passado e a fantasiar o meu futuro, e foi ali que vivi com mais intensidade o meu presente. Ainda que eu tente dizer que nao sinta saudade do lado ruim, como a poluicao e as desilusoes que senti, seria dificil imaginar os porques do meus gostar de sampa sem incluir tambem esses elementos na equacao. Pois, se foi em sampa que eu consegui experimentar com mais liberdade os mais bizarros aspectos da minha personalidade, tambem foi nessa cidade que vivenciei algumas das minhas mais drasticas desilusoes. Algumas delas repercutem em mim ate hoje: carrego marcas de um periodo de tristeza e caos que sao dificeis de apagar. Mas e como sempre dizem: nao tem jeito de aprender senao cometendo erros. E meus erros paulistanos foram os mais gostosos de serem cometidos. Eu os cometeria todos novamente, caso tivesse a chance de repeti-los. Sair de Sampa foi um imenso coitus interruptus. Foi um aborto de uma crianca que mal comecava a delinear-se. Talvez por isso eu tenha sentido tanta dor ao sair, tanta decepcao com o fim de um projeto tao sonhado e tao desejado. Mas justica seja feita, sair de la significou o inicio de uma transicao importante que, longe de estar acabada, promete talvez me levar la, exatamente onde eu sempre quis estar. E, quem sabe, esse processo um dia nao me leve para la, de volta nesse lugar que eu aprendi a amar a distancia, que eu aprendi a entender pelo contraste. Senao entender, pelo menos a respeitar. Sampa sempre foi imensa demais para mim, e talvez por isso eu sinta ali tantos projetos inacabados a serem realizados. Talvez eu nunca mais volte, talvez meu destino seja alguma vila remota do Mato Grosso ou a velha Minas Gerais. Mas tudo o que eu sei agora e que a luz no fim do meu tunel parece estar deliciosamente borrada com a garoa e a poluicao dessa cidade que tanto me fez sofrer e que tao calorosamente me abrigou.

15 de nov. de 2006

5 de nov. de 2006

Eleicoes EUA 2006

Como contraponto ao video abaixo, publico tambem um editorial do NY Times de hoje, um exemplo de democracia e liberdade de expressao que demonstra o quanto nos, tupininquins, estamos longe de entender o que e isso de fato. Afinal, quando alguem dos EUA tenta mexer com os "checks and balances", dogma sagrado da democracia daqui que garante o equilibrio e o controle mutuo dos tres poderes, como o faz o Sr. Bush Jr., vemos vozes que se levantam contra isso o tempo todo. O anti-americanismo burro nao consegue perceber o quao intensa e a oposicao e a esquerda norte-americanas. No Brasil, desde que o Imperio inventou o quarto poder moderador do Imperador, vemos os principios republicanos distorcidos para favorecer este ou aquele projeto ou grupo politico. Basta olhar para a nossa atual constituicao para perceber o quanto estamos longe de viver em uma democracia realmente robusta, representativa e equilibrada. Penso que a nossa direita vive hoje um dilema interessante: nao consegue atingir Lula pois passou as ultimas decadas construindo um estado, seja ditatorial, seja democratico, no qual as leis nao favorecem o cumprimento das mesmas pela elite, e no qual o cidadao comum nao te meios eficazes punir os seus governantes. A corrupcao de Lula, portanto, esta protegida pela corrupcao passada da direita. Melhor para nos que a direita esteja momentaneamente fora do poder: quem sabe assim ela aprenda a apreciar um estado onde regras sao seguidas por todos, e onde possamos ter maneiras de investigar e punir aqueles que nos governam, supostamente meros representantes do populus... Abaixo, o editorial e um video que demonstra o quao suja pode ser a campanha norte-americana.

"Editorial
The Difference Two Years Made

Published: November 5, 2006, NYT

On Tuesday, when this page runs the list of people it has endorsed for election, we will include no Republican Congressional candidates for the first time in our memory. Although Times editorials tend to agree with Democrats on national policy, we have proudly and consistently endorsed a long line of moderate Republicans, particularly for the House. Our only political loyalty is to making the two-party system as vital and responsible as possible.
That is why things are different this year.
To begin with, the Republican majority that has run the House — and for the most part, the Senate — during President Bush’s tenure has done a terrible job on the basics. Its tax-cutting-above-all-else has wrecked the budget, hobbled the middle class and endangered the long-term economy. It has refused to face up to global warming and done pathetically little about the country’s dependence on foreign oil.
Republican leaders, particularly in the House, have developed toxic symptoms of an overconfident majority that has been too long in power. They methodically shut the opposition — and even the more moderate members of their own party — out of any role in the legislative process. Their only mission seems to be self-perpetuation.
The current Republican majority managed to achieve that burned-out, brain-dead status in record time, and with a shocking disregard for the most minimal ethical standards. It was bad enough that a party that used to believe in fiscal austerity blew billions on pork-barrel projects. It is worse that many of the most expensive boondoggles were not even directed at their constituents, but at lobbyists who financed their campaigns and high-end lifestyles.
That was already the situation in 2004, and even then this page endorsed Republicans who had shown a high commitment to ethics reform and a willingness to buck their party on important issues like the environment, civil liberties and women’s rights.
For us, the breaking point came over the Republicans’ attempt to undermine the fundamental checks and balances that have safeguarded American democracy since its inception. The fact that the White House, House and Senate are all controlled by one party is not a threat to the balance of powers, as long as everyone understands the roles assigned to each by the Constitution. But over the past two years, the White House has made it clear that it claims sweeping powers that go well beyond any acceptable limits. Rather than doing their duty to curb these excesses, the Congressional Republicans have dedicated themselves to removing restraints on the president’s ability to do whatever he wants. To paraphrase Tom DeLay, the Republicans feel you don’t need to have oversight hearings if your party is in control of everything.
An administration convinced of its own perpetual rightness and a partisan Congress determined to deflect all criticism of the chief executive has been the recipe for what we live with today.
Congress, in particular the House, has failed to ask probing questions about the war in Iraq or hold the president accountable for his catastrophic bungling of the occupation. It also has allowed Mr. Bush to avoid answering any questions about whether his administration cooked the intelligence on weapons of mass destruction. Then, it quietly agreed to close down the one agency that has been riding herd on crooked and inept American contractors who have botched everything from construction work to the security of weapons.
After the revelations about the abuse, torture and illegal detentions in Abu Ghraib, Afghanistan and Guantánamo Bay, Congress shielded the Pentagon from any responsibility for the atrocities its policies allowed to happen. On the eve of the election, and without even a pretense at debate in the House, Congress granted the White House permission to hold hundreds of noncitizens in jail forever, without due process, even though many of them were clearly sent there in error.
In the Senate, the path for this bill was cleared by a handful of Republicans who used their personal prestige and reputation for moderation to paper over the fact that the bill violates the Constitution in fundamental ways. Having acquiesced in the president’s campaign to dilute their own authority, lawmakers used this bill to further Mr. Bush’s goal of stripping the powers of the only remaining independent branch, the judiciary.
This election is indeed about George W. Bush — and the Congressional majority’s insistence on protecting him from the consequences of his mistakes and misdeeds. Mr. Bush lost the popular vote in 2000 and proceeded to govern as if he had an enormous mandate. After he actually beat his opponent in 2004, he announced he now had real political capital and intended to spend it. We have seen the results. It is frightening to contemplate the new excesses he could concoct if he woke up next Wednesday and found that his party had maintained its hold on the House and Senate. "

Tortura a la americana

O video que segue me impressionou demais, afinal venho de um pais onde estamos ainda tentando nos livrar dos resquicios de uma ditadura sangrenta. Aqui, um pais que e democratico ha pelo menos 200 anos ininterruptamente (se concedermos a 1a eleicao de Bush como uma eleicao), parece que ha uma ingenuidade perigosa com relacao a ausencia de algo como a democracia. Pensar que um reporter, numa tentativa clara de demonstrar que a tortura com a agua e algo "seguro e eficiente", ja que o Sr. Bush Jr. legalizou a tortura em alguns casos e acabou com o Habeas Corpus em casos de combatentes inimigos presos pela justica militar, pudesse se prestar a uma reportagem como essa e quase escandaloso. O interessante e que o poder da imagem, ou a intencao da obra, como diria Eco, tende a ser o oposto: o escandalo fica patente, mesmo numa experiencia altamente controlada como a que vemos no video.


22 de out. de 2006

Cansei de ser sexy




Faz pouco tempo que estou aqui, e tive a chance de ver uma banda que tenho achado legal desde que ouvi o som pela internet. Sinceramente, esse tipo de programa eu nao faria caso estivesse no Brasil (ou melhor, dificilmente faria). Afinal, nao sou do tipo que fica pesquisando sons e bandas, e raramente me animo a ir a qualquer show (excessao feita Stereolab, nao me lembro o ano; e ao Daft Punk, que perdi por nao estar em Sampa). CSS, pelo que parece, tem um certo publico gringo que ja conhece o som, e que gritava desesperadamente a cada musica; em constraste com o desanimo da maioria do povo, algo aparentemente normal em qualquer situacao de socializacao ou balada por aqui. Eu estava empolgado em ver uma banda brasileira nos EUA, poder conferir se o som e bom ao vivo mesmo ou se a coisa era somente hype de internet, e poder fazer um programa diferente de ir pro campus e me enfiar em leituras e no computador.

Em resumo, adorei o show. A vocalista segura a onda muito bem, tem carisma, e levanta o publico o tempo todo. Preferi o baterista do que as outras meninas, mas aquela profusao de guitarras e baixos deve ter alguma logica no resultado final que eu nao saberia explicar ou entender agora. Adoro Let's make love and listen death from above (link abaixo), e A la la, minhas favoritas desde antes de ver o show.



Momentos engracados foram quando, enquanto esperavamos o show comecar, o Dj colocou "Eu so quero e ser feliz, viver tranquilamente na favela onde eu nasci..." e alguma musica de forro tirado de algum CD de drag, tipo Silvetty Montilla, que deixou o publico absolutamente confuso e eu rindo muito da bizarrice da situacao, de ouvir aquilo naquele momento. Saldo final da experiencia: vai ser dificil conseguir amigos e socializar com as pessoas aqui, cujos codigos eu ainda to longe de entender. Afinal, como se faz amizade quanto ta todo mundo fazendo cara de blase e parado, ou conversando em rodinhas? Enfim, isso e apenas o comeco...

19 de out. de 2006

31, ou Cronicas texanas numero 0

Nao e o trigesimo primeiro post, mas sim o meu aniversario de 31 anos (ontem)... Sem acento, por que agora eu estou temporariamente baseado em Austin, capital do estado do Texas, Estados Unidos. Estar aqui tem um significado muito maior do que uma boa oportunidade de trabalho, ou estar nos EUA. Significa um reconhecimento depois de tentar umas 5 vezes trabalhar numa boa universidade brasileira, e ficar sempre para tras. Significa ter minhas pesquisas reconhecidas depois de levar muitos "naos" de todo tipo de agencia financiadora e professor universitario. Significa tambem, para mim, voltar ao trabalho que eu amo, depois de 1 ano nada brilhante numa universidade (SIC) do interior paulista. Significa estar vingado dos varios naos que levei de diversas escolas gringas, la nos idos da decada de 90. Significa reascender uma chama que parecia apagada de vez, depois de inumeros baldes de agua fria. Nao significa que meus problemas acabaram, a la Tabajara, ou que ficarei rico, ou que serei famoso, ou qualquer outra bobagem assim. Significa somente 1 ano de muito trabalho e pouco tempo para escrever sempre no blog... Mas isso nao e nada diferente do meu status quo antigo. Na medida do possivel, tentarei manter isso aqui vivo, pois representa um projeto meu muito querido. Fica dificil pensar sobre uma experiencia no momento mesmo em que voce a esta vivenciando, entao a reflexao mesmo sobre essa viagem provavelmente vira bem depois. Enquanto isso, eu conto aqui anetodas dos meus curtos meses na Gringolandia.

4 de out. de 2006

1989

Depois de alguma polêmica e muito bom papo com o André do Palace Hotel, fiquei pensando em dizer algumas palavras sobre como eu encarei os anos 1980, essa década tida como perdida culturalmente, economicamente, politicamente, etc. Para mim, foi realmente um tempo ruim: eu era um adolescente deprimido, solitário e que só ficava lendo (só podia dar merda depois). Minha solidão me levava a uma certa melancolia constante, ainda mais naquela idade em que estamos com sentimentos e hormônios à flor da pele; quem foi nerd e travado na adolescência sabe como é difícil ter que lidar com os amiguinhos sociáveis, bonitos, não-virgens. Parece filme B americano, mas é a triste verdade.

Músicas dessa época, portanto, carregam sempre uma certa carga negativa. Legião Urbana, Pet Shop Boys, The Cure, The Smiths, Rita Lee, Barão Vermelho... Músicas que, para tanta gente, marcou uma época de descobertas, de amores, de felicidades, para mim marcava uma certa incapacidade de sair da concha. Ainda que frequentar a noite Grind (A Lôca, SP) e ter namorado algumas pessoas fãs de grupos dessa época tenha mudado algumas referências, é claro que a melancolia adolescente prevalece como mais marcante. Algumas referências boas ficaram, no entanto, e permanecem até hoje. Uma das primeiras foi a Dance Music. Pump up the Jam foi um marco para muita gente que estava na noite nessa época, ainda que nas matinês. Eu ficava em casa, com vergonha de sair, mas dançava muito sozinho no meu quarto. Quando a música abaixo foi lançada então, eu tive aqueles momentos raros de revelação: havia visto algo maravilhoso e realmente bom.


Não é preciso comentar muito: a música é um clássico indiscutível das pistas. E ainda não é retrô.


Outra coisa que os anos 1980 nos deixaram é o legado do Hip Hop, ou Rap. O clipe abaixo, do Public Enemy, é um dos pontos altos desse primeiro impulso do rap nos EUA.



Era politizado, contestador, e o ritmo (para quem gosta) é irresistível. Essa vertente de rap, a meu ver, ainda não foi superada; hoje em dia, hip hop americano é o nicho dominante do mercado: rappers mostrando dinheiro, diamantes e muita bunda. Esse rap dos anos 1980, no entanto, era musicalmente legal, e politizado (como os Racionais são hoje em dia no Brasil, ou MV Bill).

Até onde eu sei, esse pessoal do rap inventou a nossa cultura dos samplers, e o fazia com uma maestria sem igual. Não sou nenhum especialista em cultura de massas, mas sei por experiência própria que o rap, hoje tão massificado, nessa época era motivo de certo escândalo. Letras explícitas, incitação à violência, críticas ao governo e à violência policial e o próprio escândalo de artistas negros terem sucesso junto a um público branco, num país racista como os EUA. Diferente do Brasil, né minha gente, que aceita a contestação cultural muito melhor (SIC). A demonização do hip hop e do funk no Brasil, hoje, soam familiares ao que ocorria com o rap nessa época.
Claro que eu curtia muita coisa dessa época fora desse padrão: Enjoy the Silence, I Touch Myself, e a eterna Madonna.

Mas só fui ter a minha perestroika pessoal nos anos 1990, que para mim são a verdadeira época de ouro. Até por isso eu curto tanto música eletrônica, com aquela nostalgia gostosa que alguns da minha idade sentem com músicas típicas dos anos 80. Para mim, o 1989, bicentenário da Revolução Francesa e ano em que o muro de Berlim caiu, meramente anunciou o começo das coisas boas na minha vida.

2 de out. de 2006

Extra: eleições 2006

Houve várias ironias do destino nessas eleições, e a democracia novamente demonstra que consegue surpreender sempre. Pois é, haverá segundo turno para presidente. O incrível é Lula e o PT perderem uma eleição, praticamente ganha no 1o turno, por causa de um dossiê (a já famosa "operação tabajara"), dando de bandeja o discurso sobre ética ao PSDB e ao PFL. Totalmente sem comentários, por que essas coisas me dão náusea só de pensar. São Paulo, a locomotiva do Brasil, estado que eu adotei como o lugar onde quero morar e crescer, garantiu o 2o turno para presidente. São Paulo elegeu também Maluf como deputado mais votado (posto ocupado por Enéas na eleição passada). Clodovil, a bicha homofóbica, foi o 3o mais votado do estado, da última vez que conferi. Sem comentários também. Pelo menos uma coisa muito boa aconteceu nessa eleição: O candidato do PFL (e do ACM) perdeu na Bahia, para o petista Jaques Wagner. Sobre Alckmin, agora que superou a fama de chuchu e perdedor, será o centro das atenções, colocando Lula na defensiva. A meu ver, apesar de grande parte da mídia ter sido extremamente tendenciosa (como sempre) contra Lula, a derrota maior é mesmo do PT, pela incompetência e pela capacidade de gerar fatos negativos contra si próprio. Caso perca a presidência, será em parte por ausência de mérito mesmo. Quem sabe assim aprende a lidar melhor com o cenário político nacional, e a não ficar fazendo o mesmo jogo da direita. Deus queira que o próximo presidente não nos jogue novamente na mesma merda em que patinamos desde 1994!

29 de set. de 2006

Rupturas

A partir de agora (23:11, sexta feira, 29/09/2006) estou oficialmente desempregado de novo. Pedi demissão (por um ótimo motivo). Mas dá um frio na barriga isso; ano passado, fiquei desempregado e foi traumatizante. Uma experiência horrível, mas com que aprendi muito. Acho que foi uma das piores épocas da minha vida: depressão, desencanto com tudo, perda de ilusões profundas, desilusões amorosas acumuladas, etc etc. Achei que essa fase nunca iria acabar (o tal retorno de saturno, para os esotéricos), mas não é que tô saindo dela finalmente! A reclusão foi boa para me repensar, mas estou longe de ter terminado esse processo. O que vem agora é fundamental, vai redefinir toda a minha trajetória. Estou arriscando tudo, mas acho que vale a pena. Tô tão nervoso que nem consigo escrever um texto trabalhado, vai esse post-diário mesmo! Espero que o próximo seja escrito de lá, para onde estou indo semana que vem.

19 de set. de 2006

Trash 80's

Para pessoas como eu, que nunca acreditaram que a cultura pop-trash dos anos 1980 combinava com balada...



...e tem também a parte 2, ainda mais hilária:

5 de set. de 2006

Fluxos

Acabei de ver, hoje ao acordar, o vídeo acima. Engraçado como alguns gêneros começam a se fixar no Youtube. Dentre os mais interessantes, ressalto esse, o "everyday": as pessoas tiram fotos de si mesmas todo dia, no decorrer de alguns anos, e criam um vídeo a partir da sucessão das imagens. Geralmente, a trilha é bem forte, sentimental, um tanto etérea, reflexiva. A partir desse vídeo, comecei a pensar em alguns elementos que me "pegaram", que me tocaram. Por exemplo, o contraste entre a continuidade (dos olhos, do rosto, da boca) e o fluxo estonteante de locações, iluminação, posições que transcorre em segundo plano. A sucessão rápida das fotografias cria, de fato, uma imagem de um "fluxo da vida": somos levados a sonhar o desenrolar de um pedaço da vida de alguém; buscamos por sinais de envelhecimento, ficamos maravilhados com as mudanças incessantes de estilos de cabelo, ficamos surpresos com a invariabilidade das olheiras. A constância do seu olhar, no contraste com o revoar aparente do seu cabelo ou com a fluidez do mundo que o circunda me pôs a viajar sobre a vida, nas suas constâncias e inconstâncias. Pois, logo depois de ver esse vídeo, enquanto continuava minha viagem pelo ciberespaço, me deparei como fotos de lugares e pessoas do meu passado não muito distante. Como já diria Pierre Lévy, a internet amplia um evento, uma frase ou uma imagem, na medida em que esses elementos permanecem ali, acessíveis (acessados) a qualquer um e a qualquer momento. Um sentimento, publicado num fotolog qualquer, um sorriso furtivo que iluminou uma noite de conversas e bebidas, um som que evoca milhões de emoções contraditórias; tudo isso permanece, de alguma forma, fixado quando, no passado, evaporaria no fluxo da vida, seria esquecido, ou faria parte de um arcabouço de memórias recontadas, sendo talvez enterrados por outras memórias. Nós, dessa geração Internet, ansiosos em celebrar cada minúcia da nossa vida, não interessa o quão insignificante ela seja, vivemos uma espécie de presente constante. Não conseguimos esquecer, pois somos sempre convidados a rever, a relembrar. O exercício de esquecer, de mudar, talvez seja algo mais difícil hoje do que em outros tempos. Amores perdidos permanecem nos assombrando; sensações boas e ruins podem ser recordadas ao toque de uma tecla; emails, MSN e orkut nos aproximam, mesmo quando não o desejamos.

Pensando nisso tudo, pensei no fluxo da minha própria existência, nas coisas que insistem em nunca permanecer, e nas sensações que, contra a minha vontade, recusam-se a me abandonar. Fico pensando na dificuldade em construir estabilidades, e nas ansiedades que vivencio a cada momento que a vida insiste em me jogar para um outro lugar. Se há uma coisa que se repete em minha vida é essa peregrinação constante. Se antes era uma necessidade, hoje em dia me sinto um pouco oprimido por ela. Ainda assim, é complicado abrir mão do nosso destino, quando ele aparentemente se mostra dessa forma! E as coisas permanecem sim. Podemos celebrar e manter vivas as sensações boas e fundamentais, mesmo que a vida se mostre, às vezes, como um rio caudaloso que insiste em dissolver tudo.

24 de ago. de 2006

Músicas que me agradam

Escutei isso hoje e adorei... Hip hop com poesia, com musicalidade, com ritmo e inteligência.



Essa, do mesmo artista, é meio "nerdy hip-hop" (esse termo eu mesmo que inventei agora). Muito bom.

20 de ago. de 2006

Mandioca neles!

Para quem ainda não se deu conta do valor artístico e moral dos programas partidários na TV, aqui vão algumas pérolas. Depois tem gente que ainda acha complicado explicar por que estamos onde estamos!






E tem o eterno Clodovil:

17 de ago. de 2006

"A luta é nóis"

Finalmente alguém postou no Youtube o vídeo que o PCC obrigou a Rede Globo (ousadia!) a transmitir para o Brasil inteiro. Daria pra fazer milhões de comentários sobre isso: sobre como a realidade hoje é midiática, e até o PCC consegue ocupar esse espaço; sobre como o PCC é um fenômeno social novo, dramático e mal-compreendido; sobre a ausência do estado e das instituições no país, permitindo que esses ataques aconteçam da forma como estão acontecendo; sobre o papel da Globo na nossa democracia, ou melhor, sobre o papel da Globo na falência da nossa democracia, desde que foi fundada nos anos 1960, e até sobre ironia da coisa toda. Mas prefiro deixar a coisa falar por si mesma. Interessante é pensar que o manifesto, com certeza, teve ajuda de alguém que conhece a lei em detalhes. Assustador pensar na demanda específica deles, o fim do Regime de Detenção Diferenciado. O negócio deve atrapalhar mesmo a comunicação dos líderes com a tropa. Quem sabe, no próximo vídeo, já poderão pedir abertamente por TV de plasma, celulares e lagosta toda sexta-feira, coisa que já pedem por aí!
Abaixo o vídeo:

13 de ago. de 2006

Só viagem

Explodindo tudo ao som de Pink Floyd... O hippie dentro de mim teve um orgasmo.

O fim da cordialidade

Um dos mitos de fundação mais presentes no imaginário intelectual brasileiro é o do homem cordial. Termo criado por Sergio Buarque de Holanda, o conceito busca interpretar as formas personalistas de organização da sociedade brasileira, pautadas por relações pessoais e diretas e não pela impessoalidade e racionalidade, características da chamada "modernidade". Essa interpretação é sempre profética, e a cada novo escândalo de corrupção no Brasil, temos a chance de perceber o quanto o nosso estado é apropriado para uso privado, coisa que já falei aqui várias vezes. A modernidade, o estado e o império das leis prevêem cidadãos iguais perante a lei, tratados de forma impessoal, a fim de manter intacta essa diferença entre o público e o privado. Nada mais estranho à organização social do nosso país, como todos sabemos. Se insistimos em falar em modernidade, estado e leis, é mais por inércia ou desejo de alcançar esse padrão de civilização do que numa tentativa de descrever o modus operandi em vigor em Pindorama. Vulgarmente, o termo descreve outro mito presente entre nós: o de que o brasileiro é um povo alegre, hospitaleiro e receptivo, avesso à violência e a mudanças bruscas. Por isso mesmo, rementendo a um post anterior, é que não haveria revolução de nenhum tipo no país. Esse mito, que esconde uma sociedade desigual, violenta e cruel, nos dá um certo sentimento de pertença: somos pobres, mas somos felizes; ou algo desse tipo. Imagens e fatos alheios a essa imagem nos fazem inquietos, ansiosos e nos forçam a perceber que vivemos uma negação imensa. Esse tipo de negação é responsável, por exemplo, pela reação clara e direta, vinda da elite intelectual, contra qualquer projeto de cotas baseadas na raça. Essa negação nos protege do caos interno quando vemos cenas como esta, rapidamente censurada das televisões, talvez pelo seu caráter perturbador. A cena mostra uma reportagem na qual uma câmera escondida flagra um ponto de roubos de carros no centro de Curitiba. A câmera chega a filmar um flanelinha arrombando o carro, e uma dupla de policiais que, após roubar um aparelho de som, fazem a ocorrência da suas próprias vítimas, com a maior cara de pau. No vídeo do Youtube, filmado de uma televisão, podemos ouvir os comentários atônitos dos espectadores. Um deles menciona que o ladrão "nem tem cara de malaco"... Claro, pois é branco e bem vestido. Ainda somos guiados por fantasias absurdas, como a de que bandido é negro, sujo, maltrapilho. Guiamos nossas percepções de realidade por desenhos da Disney e novelas mexicanas, onde o bem e o mal estão claramente demarcados por cores e olhares estereotipados. Nossa sociedade, "cordial", não tem violência nem racismo, diz a lenda. Ficamos orgulhosos, criticando os "gringos" pela sua frieza, e enchemos o peito de orgulho ao comentarmos com todo mundo que, no Brasil, amizade ainda tem lugar, nos importamos com o próximo, e um sem-número de idiotices típica da nossa (coletiva) ignorância.
Comecei a comentar esse conceito de cordialidade, de fato, pois queria pensar uma ligação entre um vídeo de 2004, de um jovem artista baiano, com o vídeo exibido ontem pela Globo, mostrando um manifesto do PCC. Como fica claro pelo texto acima, fico exaltado quando começo com essas críticas todas. Sintoma de um momento pessoal e de desagregação social; mas que é apenas aparente. O que estamos vivendo é apenas um olhar no espelho, olhando a sociedade brasileira por aquilo que ela é; e isso é doloroso. O vídeo baiano em questão chama-se "O fim do homem cordial", e foi bastante badalado no circuito das artes, tendo participado do festival Videobrasil de 2004. Mostra um grupo de pseudo-terroristas que sequestram um empresário e fazem críticas sociais enquanto humilham o mesmo. Com panos cobrindo seus rostos, os atores evocam os presos e toda a imagética do PCC, de clipes de rap e de documentários sobre o Carandiru (um ganho, aliás, na nossa cultura visual e política). Evocam também os vídeos exibidos pela TV árabe Al-Jazeera, que se tornaram ítem célebre de um imaginário mauricinho de esquerda, anti-Bush e anti-americano (de shopping). Ontem, a coisa foi de verdade, e o silêncio predomina. A Globo, que insiste em censurar a sigla PCC (denial), pelo menos até onde pude perceber, parou de mencionar o fato. A Globo"news" (sic), no seu "em cima da hora" das 02:00 de hoje, poucas horas depois da primeira transmissão do vídeo do PCC, noticiou somente a guerra no Líbano. Será que a ditadura ainda não acabou? Será que a nossa mídia não se acostuma com a liberdade de imprensa, ou isso é coisa de gringo também? No vídeo, ao qual não tive acesso, e que não está no Youtube infelizmente, um personagem encapuzado, lê um manifesto. A Globo, encurralada pelo crime, exibiu o vídeo como condição para a soltura de um dos seus profissionais, seqüestrado na noite de sábado. E eu, estupefato, não consigo nem articular um comentário decente, por me sentir um louco, que adoraria acordar desse pesadelo. Talvez essa situação, por tornar claro o conflito, leve a sociedade, a classe política, a elite, quem quer que seja, a tentar algum tipo de auto-crítica. Infelizmente, não sou otimista com relação a isso. Nos faltam heróis, ídolos, crenças e objetivos. E como uma pessoa perdida e cansada, nós levamos a vida, do jeito que dá.
Abaixo a transcrição do vídeo do PCC:
"Como integrante do Primeiro Comando da Capital, o PCC, venho pelo único meio encontrado por nós para transmitir um comunicado para a sociedade e os governantes.A introdução do Regime Disciplinar Diferenciado [RDD] pela Lei 10.792/2003, no interior da fase de execução penal, inverte a lógica da execução penal. E coerente com a perspectiva de eliminação e inabilitação dos setores sociais redundantes, leia-se 'a clientela do sistema penal', a nova punição disciplinar inaugura novos métodos de custódia e controle da massa carcerária, conferindo à pena de prisão o nítido caráter de castigo cruel.O Regime Disciplinar Diferenciado agride o primado da ressocialização do sentenciado vigente na consciência mundial desde o ilusionismo [sic] e pedra angular do sistema penitenciário, a LEP.Já em seu primeiro artigo, traça como objetivo do cumprimento da pena a reintegração social do condenado, a qual é indissociável da efetivação da sanção penal. Portanto, qualquer modalidade de cumprimento de pena em que não haja constância dos dois objetivos legais --castigo e a reintegração social--, com observância apenas do primeiro, mostra-se ilegal, em contradição à Constituição Federal.Queremos um sistema carcerário com condições humanas, não um sistema falido, desumano, no qual sofremos inúmeras humilhações e espancamentos.Não estamos pedindo nada mais do que está dentro da lei. Se nossos governantes, juízes, desembargadores, senadores, deputados e ministros trabalham em cima da lei, que se faça justiça em cima da injustiça que é o sistema carcerário, sem assistência médica, sem assistência jurídica, sem trabalho, sem escola, enfim, sem nada.Pedimos aos representantes da lei que se faça um mutirão judicial, pois existem muitos sentenciados com situação processual favorável, dentro do princípio da dignidade humana.O sistema penal brasileiro é, na verdade, um verdadeiro depósito humano, onde lá se jogam seres humanos como se fossem animais.O Regime Disciplinar Diferenciado é inconstitucional. O Estado Democrático de Direito tem a obrigação e o dever de dar o mínimo de condições de sobrevivência para os sentenciados. Queremos que a lei seja cumprida na sua totalidade. Não queremos obter nenhuma vantagem.Apenas não queremos e não podemos sermos [sic] massacrados e oprimidos. Queremos que, um, as providência sejam tomadas, pois não vamos aceitar e não ficaremos de braços cruzados pelo que está acontecendo no sistema carcerário.Deixamos bem claro que nossa luta é contra os governantes e os policiais. E que não mexam com nossas famílias que não mexeremos com as de vocês. A luta é nós e vocês."

10 de ago. de 2006

Fotos


Finalmente eu tomo coragem, rasgo o papel e olho para aquele quadro. Não faz sentido aquilo, aquela coisa encostada na parede, meses a fio. Não suporto (mais) essa característica, de guardar-se: para quê? Para quando? Quando é a hora certa?? Não há, não existe. A vida é agora, tanta gente já disse.
Esse quadro é algo que eu mesmo montei, junto com meu irmão, numa brincadeira babaca de um dia desses de férias, cheio de horas inúteis, num momento de inspiração espontânea. Olhei as fotos: 1973. Sonhos que nasciam, projetos que começavam, sorrisos plenos de realização, esfuziantes, a própria esperança no futuro. As fotos, coladas num papel branco, começam a amarelar. As beiradas estão retorcidas, a cola já não funciona muito bem. As imagens estão velhas, escurecidas. Vê-las assim, perto uma da outra, sugere algo que já não existe mais: essa narrativa é a do passado. Seja na sua forma original, seja na sua releitura; uma história que eu mesmo criei. Na parede a coisa toda parece seca, estática, melancólica. Nada melhor para exprimir o que sobrou de tudo que aquilo poderia ter sido.
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Mas sem melancolias, pois aquilo tudo, o que poderia ter sido, foi, desabrochou, deu frutos. Eu sou parte disso, e isso é parte de mim. Folhas secam e caem, flores murcham. Mas a beleza que ali existia não morre da mesma forma. Transmuta-se; revive em mim, em nós.

6 de ago. de 2006

Elio Gaspari para presidente

Estive pensando em escrever algo sobre a recente pseudo-polêmica em torno de uma constituinte exclusiva para a reforma política; mas fui poupado desse trabalho pelo excelentíssimo senhor Elio Gaspari que, na sua coluna de hoje da Folha de S. Paulo, resumiu tudo o que eu penso sobre essa questão de forma brilhante, como é de seu costume. Reproduzo o trecho específico sobre esse tema:
ELIO GASPARI
A Constituinte é um golpe parlamentar

Getúlio e Brizola namoraram idéia de Constituinte. Deram-se mal, para a satisfação dos seus adversários políticos

A PROPOSTA de convocação de uma eleição para formar uma Assembléia Constituinte depois de outubro é golpista, dissimulada, velha e suicida. É golpista porque pretende obter de um Congresso desmoralizado uma emenda constitucional que eleja e instale uma Constituinte alavancada pelo resultado presidencial de outubro. A idéia foi endossada por Nosso Guia e pelo comissário Tarso ("Fora FHC") Genro.Em tese, seria uma Constituinte para fazer a reforma política. Trata-se de matéria que não precisa desse remédio e que não prosperou nos últimos anos porque o governo preferiu manter aberto o guichê pagador da corrupção política. O que se busca é a afirmação autoritária do Poder Executivo.O governo tem hoje uma bancada sólida de 250 votos num Congresso de 594 cadeiras. Na próxima eleição o PT poderá perder pelo menos 20 de seus 81 deputados. Estimando-se que os outros partidos de mensaleiros e sanguessugas percam outras 20 cadeiras, avizinha-se um Congresso onde Lula, reeleito com pelo menos 50 milhões de votos, terá vida dura. A Constituinte será um videoteipe editado. Algo que permita mostrar Roberto Carlos tirando o passe de Zidani do caminho de Henry. Quando Lula diz que os deputados e senadores deste Congresso não podem fazer uma reforma política porque "estão legislando em causa própria", ofende a inteligência da escumalha: De onde virão os constituintes? Do sistema político brasileiro ou de Marte? Vedando aos eleitos de outubro o direito de concorrer à Constituinte, os çábios inventarão o poder da ponta de estoque, com uma bela bancada de refugados.A proposta é golpista porque pretende modificar o curso das instituições nacionais. Isso já foi feito duas vezes. Em 1840 o Parlamento golpeou a Regência declarando a maioridade de D. Pedro 2º aos 14 anos. Em 1961, noutro golpe, instalou-se um regime parlamentarista para mutilar os poderes de João Goulart, presidente constitucional do país.A proposta é dissimulada porque irá além do pretexto da reforma política. Gerará uma situação parecida com a da Venezuela de Hugo Chávez, a Bolívia de Evo Morales e a Argentina das últimas reformas de Néstor Kirchner.Ficando-se no varejo partidário, pretende-se revogar os efeitos das cláusulas de desempenho, que afastam da bolsa da Viúva os partidos sem votos. Isso e mais o voto de lista, pelo qual a patuléia não escolherá mais os deputados. Ele virão empacotados pelas cúpula$ partidária$.A Constituinte de Nosso Guia será um fator de instabilidade política sem paralelo nas últimas décadas. Para gosto de seus mais radicais adversários, recolocará o tema da legalidade no pano verde da política nacional.O truque da Constituinte como gazua presidencial já foi usado duas vezes. Em 1945, Getúlio Vargas empurrou com mão de gato a campanha da "Constituinte com Getúlio". Em março de 1964, Leonel Brizola defendeu a eleição de uma Constituinte, a partir do fechamento do Congresso (coisa que Lula jamais sugeriu). Deposto, o Pai do Pobres foi para São Borja. Exilado, Brizola foi para o Uruguai. Nos dois casos, a manobra serviu muito bem aos adversários.
Elio Gaspari, que escreveu extensamente sobre a ditadura, vem alertando há tempos sobre como o jogo político em torno da corrupção e da ética na política costuma, no Brazil, ser usado em prol dos interesses anti-democráticos e autoritários. Mas como não saiu no Fantástico, isso não repercute quase nada, não é minha gente?! O que eu acrescentaria à análise é que esse golpe branco de uma reforma, que busca impor mudanças na Constituição a partir de voto de maioria simples (50% mais 1) e não de dois terços, é que ela faz Lula se aproximar do seu antecessor FHC, que praticou o mesmo golpe ao aprovar a reeleição para si próprio, num processo cercado de indícios de corrupção e compra de votos. Não quero que isso pareça uma análise "lulista" que insiste em trazer o passado para justificar os erros do presente; estou aqui é deixando claro que ambos são cada vez mais semelhantes em suas táticas, e representam, infelizmente alguns dos piores traços da nossa cultura política. O nosso congresso nacional, por mais fajuto que seja, é legítimo, foi eleito com o voto popular, e representa de alguma forma o estado de coisas em que nos encontramos. Nossas leis prevêem formas de punição para os congressistas bandidos, mas essas punições simplesmente não são aplicadas, seja por que quem julga também teme ser pego, seja por que pensamos que seja normal que a elite faça uso privado da coisa pública, aproximando cada vez mais a res publica da privada (no sentido chulo). Qualquer constituinte seria composta pela mesma classe política que povoa Brasília hoje, fruto de um país inexplicavelmente desigual e pobre. Como me disse um colega antropólogo, as leis do nosso país são para inglês ver: o que funciona, de fato, é o costume, o jeitinho e, nesse sentido, o nosso país segue as regras como nenhum outro. Até por isso mesmo o escândalo do mensalão não deu em nada, assim como não darão em nada as investigações sobre os chamados sangue-sugas. Acho ingênuo achar que "choques éticos" ou "revoluções pela educação" adiantarão de algo: precisamos é fazer funcionar a democracia existente, promovendo o acesso das parcelas excluídas, votando em forças políticas comprometidas com projetos de mudança. Enquanto o PCC não toma o poder, é o que pode ser feito, já que da nossa elite não se pode esperar nada. Vivemos num eterno ancien régime, e a revolução não aconteceu: mas é por que o povo não quis mesmo; este preferiu sambar, ver a copa do mundo e comentar a novela das 8; achou mais produtivo rezar pelos Mamonas Assassinas e fazer vigília no túmulo do Ayrton Senna, tomar água abençoada pelo pastor da televisão, fazer carteirinha de estudante falsa pra pagar meia entrada, votar no Maluf e no ACM e fazer piadinha de preto e pobre. Enfim, é isso aí Brasil! E que venha o horário político!

4 de ago. de 2006

Ainda sobre vampiros: Akai

Recebi hoje uma mensagem no meu email, daquelas que eu adoro: uma pessoa, identificada apenas como 'alguém', me mandou um link para o Youtube. Vejo então o trailer de um curta do cineasta Carlos Gananian, intitulado Akai. Se não me engano, tive a oportunidade de ver o filme Coagula, desse mesmo cineasta, no Festival Internacional de Curtas de 2005. O trailer, extremamente sugestivo, não passa de uma cena de um aparente ataque de um suposto vampiro. Digo "suposto" pois tudo parece problemático ali. A trilha, evocando gritos, sugere uma dúvida ou algo fora de lugar. A princípio, achei que fosse apenas a presença do vampiro, mas depois me pareceu, pela expressão do mesmo, que fica sugerida a possibilidade de ser apenas um alguém extremamente confuso e doente. A trilha de sangue me pareceu bastante realista e macabra, e a visão do vampiro é das mais inspiradoras. Adoraria ver o trabalho inteiro! Veja o trailer você mesmo, clicando abaixo:

27 de jul. de 2006

Três vezes vampiro


Comentários inspirado nos filmes:
Nosferatu: Phantom der Nacht (Werner Herzog; Alemanha Ocidental/França, 1979, 107 min) ;
Blood for Dracula (Paul Morrisey; Itália/França, 1974, 103 min) ;
La Maschera del demonio (Mario Bava; Itália, 1960, 87 min) ;

Fiquei ruminando um post sobre vampiros desde que assiti, no computador mesmo, a Blood for Dracula, a.k.a. Andy Warhol's Dracula, entre outros nomes. Aliás, rumino uma história sobre vampiros desde que fiquei sabendo que eles existiam na imaginação das pessoas. A temática do vampiro é incrivelmente rica, flexível, aberta a infinitas leituras; e a cada nova história de vampiro que leio ou assisto, fico mais intrigado com a força e a permanência dessa imagética e de algumas associações constantes relacionadas a essas criaturas, algo que escapa a minha compreensão. Adoraria saber, se alguém tem esse conhecimento, se foi o livro Drácula de Bram Stoker de fato a primeira história moderna sobre vampiros, ou se ele apenas deu continuidade (ou releu) algum tipo de tradição. O que imagino é que, a partir de Bram Stoker, algumas associações se repetem: sexo e sangue, primordialmente; mas, também, temas como os de modernização (a viagem de Drácula da Romênia a Londres, por exemplo, sendo metaforicamente o transporte da lenda para a cidade moderna, a mistura do tradicional com o novo, do mito com o racional); e a doença (a praga trazida por ratos, o próprio tornar-se vampiro como metáfora para uma conversão da saúde para a doença, etc).
Talvez essa infinidade de releituras, ou até uma quase-necessidade de revisitar o mito de Drácula de tempos em tempos, seja um sintoma da nossa profunda identificação com a história, ou talvez demonstre a importância desse mito como expressão de características centrais do nosso "estado de espírito", desde pelo menos a modernidade do século XIX.
As nuanças sexuais são, na seleção de filmes acima, mais exploradas por Paul Morrisey/Andy Warhol. Na imagem ao lado vemos o herói do filme, ao lado de uma das "heroínas", enquanto o mesmo discursa sobre a superioridade da democracia e da sexualidade proletárias, em contraste com a decadência da nobreza. Foi uma (grata) surpresa me deparar com esse tipo de associação entre sexo, política e vampiros, ainda que de uma forma um tanto mal-resolvida. Daria pra pensar em algum tipo de diálogo com o tempo no qual o filme foi feito, talvez os filmes de Pasolini e os tantos filmes de Bo Derek, por exemplo. Sexo como política e como ética de existência parece ser um elemento central para os filmes de Morrisey, o que valeria pelo menos uma análise mais detalhada e embasada, impossível aqui. Voltemos ao vampiresco.
O Drácula de Morrisey é decadente, praticamente patético: passa o filme buscando uma única refeição que lhe garanta a continuidade da vida, algo que ele tem poucas esperanças ( e quase um desinteresse) de conseguir. A refeição precisa ser do sangue de uma virgem, e daí a graça em se pensar a mistura da estética vampiresca com a liberação sexual daquele tempo. As cenas de sofrimento de Drácula ao ingerir o sangue das meninas pouco castas da Itália são bastante interessantes. Morrisey estica e remodela a figura de Drácula tornando-a quase irreconhecível; desde a primeira seqüência, quando vemos o Conde maquiando-se pesadamente, encarnado num ator magro e de feições andróginas. Longe de ser uma estética fashion, penso eu, Morrisey dá vazão ao desvio e ao carnal de uma forma mais importante do que os outros dois filmes mencionados acima, algo que me interessa mais.
Mario Bava também não faz uma leitura ortodoxa da história de Drácula, mas abre frentes de sentido interessantes ao centrar sua narrativa em lendas pouco comuns. As bruxas e demônios eram marcados, na Idade Média, segundo narra o filme, por uma máscara martelada em sua face. A máscara, desenhada na forma de um demônio, expressava a suposta verdadeira face da pessoa morta, a face do mal. Essa imagem foi para mim o aspecto mais interessante do filme; desde a idéia de cravar a máscara no rosto da pessoa como forma de mostrar a sua verdadeira face, até a cena em si, com a martelada mortal que destrói a cabeça da bruxa ao mesmo tempo em que fixa a máscara. Os vampiros de Bava não são mortos com uma estaca no coração, mas com a mesma atravessando o olho esquerdo. Aliás, daria um ótimo estudo tentar levantar as ortodoxias e heterodoxias nas formas de matar e criar vampiros, presentes nas milhões de versões da história. Não há tantas aberturas sexuais nesse filme, mas sim a história de uma maldição que atravessa gerações: uma bruxa, queimada pelos seus pecados, lança uma praga contra todos da vila e retorna pelas mãos do destino para recuperar sua forma humana. Não sou nenhum especialista em Bava, nem teria nada de profundo a dizer a respeito de alguma conexão deste filme com o resto da sua obra, então prefiro ficar por aqui no meu comentário.
Last, but not least, a tediosa releitura do clássico expressionista alemão Nosferatu de Herzog. Nos extras do DVD ele fala de uma nova geração de cineastas alemães, sendo que esse seu filme de 1979 tentaria, segundo ele mesmo, criar uma ponte entre a geração nova e o clássico cinema alemão. De fato, Herzog constrói um filme reverente demais à imagética do antigo filme, recuperando técnicas visuais e de atuação expressionistas sem, no entanto, construir um trabalho interessante em si mesmo (na minha opinião). No elenco estão estrelas como Isabelle Adjani e Klaus Kinski (no papel de Drácula/Nosferatu); mas a animalidade e a sexualidade de um vampiro sugeridas pela atuação de Kinski ficaram esterelizadas e abafadas sob a importância dada ao clima e às imagens.
O sangue como substância que cria/destrói a vida é talvez uma imagética e uma associação de sentido bastante forte na nossa cultura "ocidental". O sangue é o tesão e a vontade de viver do vampiro, assim como a nossa própria. Diversos filmes brincam com o fascínio exercido pelos vampiros sobre os mortais: o vampiro como figura quase heróica, que se deixa levar pela animalidade, que possui poderes e uma sexualidade livre. Esse mesmo sangue é a morte da forma humana e o início de uma vida degradada, quase como o zumbi. O sangue mata e ao mesmo tempo cria; e essa "vampiridade" é tão emocionante e sedutora quanto é perigosa. Sempre me fascinei por personagens que se deixam morder, seja por curiosidade, amor ou aventura. No filme de Herzog, Adjani se sacrifica para salvar a vila toda e destruir Nosferatu, mas existem obras menos canônicas que brincam com o vampiro como rebelde, transgressor e aventureiro. Talvez Lost Boys, filme dos anos 1980, seja um exemplo interessante que me vem à memória. Dos contemporâneos, penso que Dracula de Francis Ford Coppola (1992) talvez seja a versão mais definitiva do mito. Coppola brinca com a sexualidade ambígua dos vampiros, e traz elementos maravilhosos como o contexto técnico científico da época, a virada do século 19 para o século 20, como parte da própria narrativa. O processo de tornar-se vampiro é quase como um gozo, e a cena de Gary Oldman lambendo a lâmina com sangue do protagonista é, para mim, clássica. A meu ver, essa versão deve muito (talvez demais) à versão de Herzog, mas continua tendo vários méritos em si que a tornam mais interessante.

20 de jul. de 2006


Australopiteco, Neandertal ou Homo Sapiens, acho que todo relacionamento tem suas repetições... Ao mesmo tempo é uma necessidade da natureza (como comer, respirar, beber água), e uma tarefa quase impossível. Como se fosse algo tão difícil a ponto de ser anti-natural. Ainda mais hoje em dia: é tão mais fácil ficar na internet ou alugar um pornô! Ultimamente ando pensando no quão difícil são as coisas simples, como respeitar e confiar no outro... Por que estamos juntos afinal? Parece também que, de tanto pensarmos sobre essas coisas, acabamos matando a espontaneidade e naturalidade de todo processo (acabo sempre propondo uma análise... vícios de linguagem). Se é tão gostoso e "natural", por que não acontece mais vezes? Seria a tal parede que a gente constrói ao nosso redor? É tão difícil assim confiar no outro, a ponto de deixá-lo fazer parte da sua vida? É um processo ou acontece naturalmente, de uma vez só? Será que, depois de anos sozinho, a gente perde a capacidade pra isso? Será que é como andar de bicicleta, no final das contas a gente sempre acaba se lembrando novamente? Essa dinâmica fudida de abrir-se e fechar-se para as pessoas acaba comigo um dia... As pessoas tentam se aproximar quando eu não estou em condições, e daí quando eu estou, elas já desistiram..! Será que a gente vai ficando tão arisco com o tempo que abre mão de se envolver por medo de sofrer? E pessoas que já eram ariscas, ficam impossíveis então!? Será que pensar é sempre o problema da coisa, e o melhor seria "deixar rolar"? Será que a solução é simplesmente fazer que nem todo mundo faz hoje em dia: toma um anciolítico, vai para a academia e toma cerveja conversando sobre o último capítulo da novela? Ou simplesmente faz análise e paga para alguém escutar essas merdas que, pro público em geral, são apenas baboseiras de uma mente atormentada, difícil demais pra valer a pena qualquer tipo de envolvimento? Daí fica tudo lá no consultório; e eu posso continuar saindo na noite e socializar, parecendo o cara mais normal do mundo, feliz e integrado... Ignorando os conflitos de cada dia. Sei lá eu!

17 de jul. de 2006

Oh yeah

Mash-up de Paperback Writer, dos Beatles, e I'm a Believer, dos Monkees. Tenho tara por coisas dos anos 1960. Essa ficou boa pra dançar, contemporânea.


Surf's up, música dos Beach Boys. O clima etéreo, a melancolia, tudo me deixou maravilhado. A parte final da música me arrepia bastante, não sei dizer direito por quê. Como se houvesse ali algo de profundamente melancólico, uma tentativa de dizer algo que, de muito complexo, não consegue ser transmitido facilmente, mas que paira e te leva, te empurra. Como andar num caminho de manhã muito cedo, envolto por uma névoa, muito feliz, mas ainda assim com uma certa tristeza que paira, como se aquela felicidade fosse necessariamente passageira. Como lembrar de um grande amor que se foi, mas que ficou para sempre inscrito na mente e no coração; tristeza e felicidade simbioticamente presas uma na outra. As fotos e filmagens de Brian Wilson quase que sugerem a sua loucura latente, uma genialidade presa numa mente doentia. Nem conheço tanto o trabalho dele, mas li um pouco a respeito.

16 de jul. de 2006

Paranóia delirante



Enquanto eu escuto essa música do Xis, De Esquina, mais ônibus são queimados pelo estado afora. Parece absurdo, mas os canais de TV censuraram a palavra "PCC". Como se a mera menção a esta quadrilha (ou seja lá o que for isso: sindicato do crime? Partido? Organização?) fosse um incentivo às suas ações; e como se essa censura ajudasse em alguma coisa. Tão surreal quanto nosso digníssimo governador, dizendo que está tudo sobre controle. Chega a ser patético assistir a qualquer fala dessas pessoas. Vivemos num país com instituições desorganizadas; ou melhor, inexistentes, fantasiosas. Tentar raciocinar sobre a situação que vivemos é pedir para enlouquecer. Não deve ser à toa que há um silêncio mórbido em torno disso tudo. Ninguém de fato tem palavras ou conceitos para dar conta do estado de falência em que o país se encontra. Falar de corrupção, ineficiência, desarticulação, já não descreve mais o estado de inexistência de instituições básicas como o estado de direito, a polícia, etc. Os contratualistas, quando pensaram sobre a democracia, previam que cabia ao estado o monopólio da força. Diziam que haveria de existir liberdade de expressão, os três poderes, entre outras coisas. Não temos nada disso, somos um país que funciona pela inércia dos nossos costumes, nada democráticos. Depois reclamamos (nós, da elite invejosa e caipira) que não somos a Europa ou os EUA! A parcela que tem dinheiro vive como se estivesse na colônia escravocrata, presa num inferno tropical, quente demais para ser elegante. A imagem prevalece sobre a essência sempre. Se não falamos do PCC na TV, mas sim de "ataques", a quadrilha deixa magicamente de existir. Se ignoramos que somos governados por panacas imbecis, incompetentes e corruptos, e que nem democracia temos, podemos continuar indo ao shopping, ao cinema e ao trabalho em paz. Nada disso é novo, claro, só repito o que se fala desde sempre, desde que pessoas puseram-se a pensar o país de alguma forma. O triste é ver que estamos presos nessa situação, na qual a favela decidiu tomar conta de tudo, mas da pior maneira possível, pondo fogo e matando. Era de se esperar, pois é assim que se trata os pobres aqui desde 1500, à bala e na base da porrada. De tão óbvio, é patético e deprimente. Enquanto isso, quem deveria estar cuidando da situação está preocupado em manter posições de poder via eleições (isso inclui todos os políticos, que fique claro). Num país machista, hierárquico e pouco capitalista como o nosso, coisas como democracia, liberdade e igualdade são tão reais quanto beisebol ou ópera para as massas. Conceitos exóticos de culturas longínquas. O que temos é a lei do mais forte mesmo. E em breve veremos mais e mais dela operando por aí, pois as forças que deveriam ter consolidado a democriacia afundaram num mar de lama sem fundo nem fim.

PS: Escrevi isso de madrugada; acordo e leio o grande Elio Gaspari, de cuja coluna reproduzo um pequeno trecho (da Folha de S. Paulo, 16/07/2006):

"Comam bolo

Vem aí o filme "Maria Antonieta", de Sophia Coppola. Repete a maldita frase atribuída à rainha, recomendando aos franceses que não tinham pão que comessem brioches. Ela nunca disse isso. A patranha deriva de um escrito de Jean Jacques Rousseau, de 1776, no qual ele se referiu a uma "grande princesa". Nessa época, Maria Antonieta tinha 11 anos e vivia em Viena. A frase teria sido dita pela bisavó de Luís 16. Para os registros da história de Pindorama: de volta de Bruxelas no dia em que a bandidagem de São Paulo queimou cem ônibus e matou oito pessoas, o ex-governador Geraldo Alckmin, gripado, fez enorme esforço, mas chegou a tempo na festa de aniversário da mulher, num restaurante. Comeu-se um bolo com a forma e as cores de bandeira brasileira."

15 de jul. de 2006

Repetições

Quantas repetições não compõem a nossa psiquê? Canso-me, em dias como hoje, dos meus próprios caminhos sem saída. Andamos por eles, ainda que saibamos o final: sempre uma parede, ou um penhasco, ou algum outro obstáculo intransponível. Leio os posts passados e vejo, constantemente, as mesmas fórmulas batidas, as mesmas tentativas de causar impacto, as mesmas pseudo-revelações sobre a minha intimidade, as mesmas dualidades de sentido, as mesmas brincandeiras com as palavras, as mesmas dissonâncias semânticas, os mesmos gritos por socorro, as mesmas fugas da realidade, as mesmas piadas de sempre, as mesmas obscuridades, as mesmas inseguranças mal-disfarçadas... As nossas construções de sentido, sendo elas assim, sempre as mesmas, repetidas, não indicariam talvez uma incapacidade de driblar alguma construção subjetiva poderosa? Não estaríamos, dessa forma, fadados a repetir os mesmos erros, seja no amor, na amizade, ou na vida profissional? Existe alguma maneira de sair desses loops irritantemente estáveis? Eu já cansei de ficar aqui parado! Outro dia sonhei que, no meio de um cataclisma mundial (repetição), tentava ir ao banheiro/me proteger (não sei de onde saiu essa associação; repetição). Enquanto buscava um abrigo, para assim conseguir dar cabo das minhas funções fisiológicas mais fundamentais em paz (repetição), percebi-me EMPAREDADO (quebra; medo, descontínuo; susto). Não havia a porta do reservado mas uma parede de tijolos, não muito recente. Não havia saída. Ainda no sonho, decidi que me cansei disso, que não preciso mais disso. Será que isso é possível fora do sonho?

A vida é pra rir



(...and on the eighth day, laughter. Frank Rodick, 2004)

14 de jul. de 2006

Medo e conhecimento

Talvez um dos aspectos mais amedrontadores desse inescapável processo de envelhecimento é a tomada de consciência, cada vez mais clara, dos meus limites. Para o leitor desavisado: este que vos escreve é uma pessoa um tanto impetuosa em alguns aspectos da sua vida (ainda que seja, basicamente, um "cagão" para tantas outras coisas). A falta de auto-estima e o excesso de auto-confiaça combinam-se de forma pouco elegante na minha pessoa e, por vezes, pareço mais um adolescente estabanado do que o personagem refinado que tento representar em tantas esferas da vida. Dar cabeçadas, uma professora já me disse muito recentemente, ajuda no processo de aprendizado. Mas como dóem! Como dói ir contra a maré, contra o bom-senso, só para se ver machucado, errado, desacreditado. Ainda que esses impusos sejam fruto de intuições profundas, desejos legítimos, ou mesmo fantasias e sonhos. A fantasia, ou a paixão, me parece, é um ingrediente necessário em qualquer projeto que valha a pena. Há que se ter um certo ideal, muitas vezes vago e pouco concreto, que inspire as pessoas a fazerem alguma coisa, a buscarem algum objetivo. Nem tudo é óbvio, preto no branco, ou passível de planejamento. Mas como descobrir a diferença entre um ideal inspirador e uma fantasia enganadora? Como evitar escorregões, hematomas, traumas e humilhações? Tento sempre me convencer de que as minhas cabeçadas atuais me servem mais do que uma certa passividade e medo de errar tão característicos da minha infância. Mas, com o passar do tempo, tais aventuras ficam mais e mais dolorosas, e os erros têm conseqüências cada vez mais graves. Não se trata de um simples medo de errar, mas de uma maior consciência do que significam esses erros, para mim e para os outros. E assim, em dias como hoje, me vejo aqui, lamentando isto ou aquilo que fiz, palavras que disse, iniciativas que tomei, danos que causei, mágoas que cutuquei, planos que tentei, sem sucesso, realizar. Uma mistura de orgulho próprio, com um olhar retrospectivo disciplinador, sóbrio e um pouco intolerante. Olhar para trás é válido, mas nem sempre, e somente quando ajuda no nosso caminhar adiante (isso eu penso hoje; amanhã já não sei). Ainda assim, neste momento, enquanto escrevo, não consigo deixar de sentir um aperto no coração tremendo, por conta de tantas e tantas merdas feitas, ditas e pensadas.

1 de jul. de 2006

A noite

A noite é como um amigo íntimo, daqueles íntimos demais, daqueles que sabem demais sobre você. Ela é como aqueles amigos que escutam muito, que te conhecem de cabo a rabo, cada fragilidade, cada desejo contido, cada parte obscura, cada segredo. A noite é como aqueles amigos que você adora ter, por que te divertem, te contam piadas, são animados, te tiram do marasmo e da deprê. Mas, às vezes, esses amigos queimam teu filme, falam demais, passam do limite, te ofendem. Você, nessas horas, fica puto da vida, promete nunca mais conversar, mas dali a alguns dias está tudo resolvido. Afinal, é uma paixão, daquelas nas quais o amor se confunde com o ódio vezes demais para voltar a fazer algum sentido separadamente. Por ser tão íntima, a noite escuta, mas cobra seu preço: te leva para programas, muitas vezes furados, por nenhum motivo. Te leva a fazer merdas que você deseja esquecer, mas raramente consegue apagar totalmente da memória. Afinal de contas, essas merdas desenham o seu caminho pelo mundo, junto com todo o resto. Mas mesmo os amigos mais íntimos, de tempos em tempos, ficam distantes, o papo não flui como antes, as coisas ficam menos divertidas. Daí você tem é que achar outras turmas e descansar a cabeça da rotina antiga. Talvez aquele velho amigo volte a ser legal como antes; ou, talvez, você encontre com ele e sinta que algo mudou, irremediavelmente. Talvez o papo nunca mais seja legal, talvez passar tempo com ele seja cada vez mais um tédio. Mas você nunca se esquecerá dos bons tempos que passou ao lado dele, nem das milhões de coisas que aprendeu enquanto ria alto, de madrugada, embriagado, voltando pra casa à pé.

29 de jun. de 2006

E por falar nisso...

... tem sempre aquele papo chato e repetitivo, a porcaria do romantismo. Ó céus, ninguém me ama, ninguém me quer... Ó céus, onde foi que eu errei... Puta coisa chata, esse derrotismo, esse padrão besta que não funciona para todo mundo e só serve pra fazer a gente se sentir mais derrotado ainda! Ninguém pensa mais em fazer alguma coisa da vida, em descobrir alguma coisa, em curtir alguma coisa? Em desbravar um caminho, uma conversa, um sentimento?? Será que esse papo chato de poesia só serve mesmo pra encher linguiça de blogs existencialistas? Tem tanta coisa pra derrotar a gente, pra "provar" que não chegamos lá, e a gente correndo atrás de todas... E tanta gente se iludindo de que vive esse ou aquele ideal, ou que simplesmente acatou a decisão de que a derrota é inevitável. Esses são os piores, pois se derrotaram e querem que você vá pro buraco junto com eles. Destróem qualquer beleza com um ou dois comentários irônicos pseudo-inteligentes (muita gente confunde as duas coisas; ironia e inteligência são diferentes, mesmo quando andam juntas). Mas o mundo é grande o bastante para eles e todo o resto. Acho que por ser quem eu sou é que só consegui ter um namoro, e o dito cujo era alguém com poucos limites. Mas o que me fascinava nele é a mesma coisa que me impede de ser amigo (ou qualquer outra coisa) do próprio. Afinal, não tenho mais 21 anos, nem 28. Ainda assim, acredito que as coisas podem mudar, que a gente deve ir atrás do que sonha, que o mundo é muito maior do que é dado ao primeiro olhar. Engraçado que as porradas da vida me deixam só mais romântico do que eu era... Mas gente, não confundam esse romantismo com coisa de novela das seis da Globo. Casar com o príncipe (ou princesa) é bonitinho, mas só existe na novela. A vida real pode ser complexa E romântica ao mesmo tempo. Pensar que a vida é assim é que a torna, pra mim, tolerável. Ou melhor, maravilhosa.

27 de jun. de 2006

Perder-se...

..., de repente, é algo tão fundamental, positivo, pois libera você de amarras e possibilita que energias criativas sigam um curso impensado, inesperado. A estabilidade pode trazer a sensação de segurança, mas o conseguir perder-se é, talvez, um exercício mais fundamental. Perder-se de referências, de lugares fixos, de coisas queridas, de pessoas, de rotinas. Experimentação sempre foi algo com que me identifiquei bastante. Boa parte da minha vida tem sido um grande experimento existencial, uma forma que eu encontro de tornar a minha curta existência carnal em algo que faça sentido, algum tipo de sentido, para mim. E que esse sentido seja belo de alguma forma, tenha algum tipo de poesia (para repetir algo que andei falando antes). Não que eu fizesse isso de forma consciente: muitas vezes experimentava algo por falta de noção, por falta de opinião própria, ou por fraqueza. Ainda assim, nunca saio de nenhuma situação de mãos vazias: sempre carrego comigo algo, seja uma cicatriz, seja uma nova linguagem, seja a habilidade de tomar cerveja com amigos, etc. etc. Não há perda, então, nesse perder-se... Hoje me perdi vendo o jogo do Brasil. Amanhã quero me perder e só me achar (ou ser achado) no final das férias... E que venham as férias!

26 de jun. de 2006

Perdido?

Hoje queria simplesmente escrever, sem motivo, pelo simples prazer de pressionar as teclas e sentir que consigo fazer isso, passar algum sentido da minha vida aqui em forma de palavras e frases, ainda que mal escritas e nada poéticas. A poesia sempre foi um problema para mim, e no final das contas vivo imerso nela, essa poesia que são os mais banais sentimentos humanos, os mais simples anseios e as mais simplórias preocupações. Tudo isso é tão poético quanto qualquer rima hypada ou cantada. A beleza está em todos esses lugares, de alguma forma. Talvez eu fique assim mais sensível em tempos de dificuldade, ou quanto estou triste, ou quando me sinto fraco por algum motivo, mas na verdade não é nada disso, hoje eu simplesmente queria articular frases, sentir o tesão de ver a seqüência de letras me envolvendo e fazendo sentido de alguma forma. Escrever sempre foi para mim uma válvula de escape, ou uma forma de existir, ou de criar algo belo. Ainda que eu escreva o dia inteiro, nunca me canso de escrever, nunca deixo de querer escrever novamente. Talvez o que me angustia agora é o fato de ter que ir dormir para trabalhar amanhã, ou talvez eu esteja simplesmente escrevendo para me lembrar de coisas que eu fazia num tempo que não existe mais... Mas a busca é a parte mais legal da coisa toda, dizem. Pelo menos continuo buscando, totalmente perdido, mas vivo.

20 de jun. de 2006

Concretudes

Relendo o meu último post e pensando sobre os comentários, ponho-me a pensar. Além de rever todo um período recente da minha vidinha medíocre, começo a achar que estou mudando de ciclo. Penso nos dias e dias vazios que eu tinha em São Paulo, sem ter muito com quem conversar, querendo tanto contato humano, sem ter nenhum "lugar", procurando o que fazer com meu excesso de tempo livre e reclamando disso. Hoje agradeço algumas horas do dia sem ver ninguém, sem conversar com ninguém, sem falar um pouco. Eu pedia para os deuses que me dessem trabalho, pois nada era pior do que ficar sem fazer nada e não ter dinheiro nem perspectiva. Hoje eu só peço a eles um pouco de férias! Não estou reclamando das mudanças, só pensando alto mesmo. Penso como a gente paga a língua em tantas coisas. Esse "pagar a língua", na verdade, pode ser somente a tomada de consciência de uma burrice ou ingenuidade passada, mas continua assim um certo choque. Este blog, em retrospecto, é expressão (como sempre é, em qualquer blog) de um certo período da minha vida. Pesado, denso, complexo, especulativo, sonhador, pessimista, iludido, solitário. Tudo isso são expressões minhas, e de tantas outras pessoas, mas com certeza não exprimem as coisas que vivo hoje. Hoje é a concretude que marca as minhas coisas, as responsabilidades, as lutas concretas por espaço, etc. O engraçado é perceber o quanto eu me protegia do mundo há uns meses atrás, evitando sair, namorar, conhecer pessoas. Hoje, que tenho muito menos tempo e energia, me deixo levar pelo mundo com enorme facilidade. Curtir coisas sem hora para voltar para casa, por exemplo, é sempre algo complicado para nós CDFs, mas hoje consigo ver um certo valor nisso. Engraçado como depois de uns beijos, uma conversa aberta, consigo me ver de novo como uma pessoa sexuada. Apesar da barriga, dos cabelos brancos e das rugas novas. Não, caro leitor, não estou fazendo um daqueles textos "a gente só valoriza o que tinha quando perde", não é isso! Seria mais um texto tentando dizer, mal e porcamente, que hoje sinto que tenho algum tipo de lugar no mundo, coisa que busco há décadas. Claro que eu sempre tive algum lugar, mas ficava sempre difícil me ver encaixado no mundo. Culpa, talvez, da astrologia: excesso de planetas em signos do elemento ar? Excesso de intelectualidade? Falta de conexão com o mundo concreto? Vai saber...! Cortando em míudos, ultimamente estou mais é com vontade de conhecer alguém que me valorize não somente por causa daquilo que eu falo e penso; ou seja, alguém que me trate um pouco como carne, que perceba o quanto eu sou corpo (e não só mente) e que me ajude a descer um pouco das nuvens, por que lá tá muito chato!

4 de jun. de 2006

Conversando sozinho

Anda difícil atualizar esse blog. Chega uma hora que ninguém aguenta ser denso, fica cansado, de saco cheio, sem gás. Ando meio assim, mas pelas melhores razões possíveis. Engordei 10 kilos desde o ano passado, meus cabelos brancos multiplicam-se na minha cabeça, mas eu ainda assim me vejo mais feliz do que nunca. Superei uma fase em que achava ter fracassado em quase tudo. Sim, para uma pessoa dramática como eu, qualquer problema relativamente simples pode se tornar um dilema enorme, existencial e de personalidade. Claro, fruto de inseguranças acumuladas durante anos e anos a fio. Fracassos são comuns, normais, são partes necessárias de qualquer caminhar, certo? Ainda assim, um pequeno deslize nada anormal me levou a questionar tudo, a cair num buraco negro de incerteza e fechamento. O tal "fechado papa balanço" nunca foi tão minucioso. Ainda que eu me sinta melhor a cada dia, capaz de sair de uma concha estranha, vejo que tudo à minha volta mudou. Quem sofreu a metamorfose nesse tempo em que estive enfiado num casulo, o mundo, as pessoas, ou eu mesmo? Rio diferente, penso um pouco diferente, acho eu, sei lá, pode ser também um grande exagero. Mudam as identificações, e pelo menos sou capaz de ver que não fracassei tanto assim, que acertei em muitas coisas, e que investi energia naquilo que me dava prazer. Encarar erros, ou medos, para mim pelo menos, sempre foi bastante complicado. Eu temo, logo existo. É fácil racionalizar tudo, tantas vezes já escrevi isso aqui. Tantas vezes quis, com o poder da minha lógica, balançar o mundo inteiro e fazer com que ele me aceitasse, ou com que as coisas acontecessem exatamente do jeito que eu achava melhor. Para uma pessoa que é insegura, nada pior do que ter que se expor diariamente a centenas de outras pessoas que, a cada deslize seu, real ou imaginário, te questionam e buscam minar a sua autoridade. Pelo menos algumas coisas que aprendi "na rua" me ajudaram a lidar com seres humanos que se relacionam através da rasteira e da facada nas costas. Talvez ainda seja difícil para mim torna-me acessível (paradoxal, não?), mas uma hora, quem sabe, eu acerto o ponto. Um dia eu achei impossível conseguir fazer arroz, e um dia eu consegui aprender a dirigir um carro, ainda que apavorado pela idéia. Ser sozinho pode parecer uma opção fácil ou tranquila, pela segurança, mas talvez seja a opção menos tranquila das que temos disponíveis.

15 de mai. de 2006

Toque de recolher

Segunda feira, 15/05/2006, mais ou menos 16 horas: eu saio de casa e dirijo-me ao ponto de ônibus, para completar a minha jornada noturna de aulas. No caminho nem me ligo, mas o comércio começa a fechar suas portas. Escuto piadas e comentários nervosos sobre os ataques do PCC. Pela manhã, como postei abaixo, era visível uma atividade frenética da polícia em vários pontos da cidade. Quando me dou conta do clima de pânico, ligo para uma amiga. "O comércio fechou todo aqui no centro!", eu comento com ela, apreensivo. Ainda assim, consigo pegar uma lotação e vou para o "trampo".
Chegando lá, percebo um clima pesado, como se o ar estivesse parado. Entro no prédio, e todos comentam os ataques. "Depois dessa vou me mudar para Bagdá", uma funcionária comenta. Começo a contar sobre o fechamento das lojas, e logo percebo algo errado. "Todas as atividades estão suspensas", a secretária me diz. A reunião das 17 horas, também suspensa, "medida cautelar". Percebo uma calma nervosa entre todos. Uma correria para ir embora. Ligo de volta para a minha amiga, "fica em casa!", mas ela já sabia, nem tinha tomado banho. Finalmente começo a ficar nervoso. O boato é que os ônibus não circularão. Será que consigo sair daqui?
Para meu alívio, a perua que me trouxe estava fazendo seu caminho de volta. Embarco. Um silêncio nervoso também entre os passageiros. Entre uma música e outra, os locutores atualizam as informações: realmente os ônibus não circulam hoje depois das 18h. Celulares não funcionam? Boataria, pânico mesmo. Olho nervoso para a rua, qualquer parada me deixa apreensivo. Percebo um leve engarrafamento, que piora à medida que chegamos próximos do centro. Eu só quero entrar em casa.
Ligo a TV, e o chefe da polícia militar reclama que a mídia é culpada pelo pânico. "Está tudo bem", não existe motivo. "É apenas uma sensação de insegurança", as ocorrências de hoje estão muito menores do que sábado ou domingo. Datena, e eu junto, pergunta pelo presidente da república, pelo governador, pelas autoridades. Ninguém está dando entrevista? Ninguém esclarece nada? Somos então obrigados a circular pelas ruas para provar que a polícia está certa? Caso estivéssemos em um país minimamente civilizado, as autoridades estariam correndo para a mídia, tentando mostrar algum serviço. Em Pindorama, a choldra precisa ouvir que seu pânico é frescura, e que a polícia tem tudo sobre controle. Só falta falar que a população, ignorante, é culpada de tudo, por não respeitar nossos queridos e sensatos governantes. Enquanto isso, nosso governador pefelista se encontra com a cúpula da polícia, mais o ministro da justiça. Enquanto isso, eu estou aqui cagando de medo em casa, tentando fazer algo útil com meu tempo.
O medo não é por hoje: é pela fragilidade da coisa toda. Essa é uma boa hora para lembrar a fábula, e a frase "o rei está nu". Pois a nossa atual situação não é nova; ela perdura há décadas. Há décadas vivemos uma paz nervosa com o crime e com o caos. Há décadas sabemos que a polícia é incompetente e corrupta, e que os poderes constituídos são praticamente inexistentes. Mas a vida sempre continuava: carnaval, copa do mundo... Nem o mensalão era capaz de deter a normalidade.
Bastou algum chefe do PCC fazer ligações pelo celular, DE DENTRO DA CADEIA, para que o estado mais rico e poderoso da Pindorama parasse, em pânico. As pessoas, sabendo que estão indefesas, proclamaram seu próprio toque de recolher. Enquanto o chefe da PM "não entende" o pânico, ninguém quer ficar na rua e pagar para ver. A perda de legitimidade é geral. Onde isso pode nos levar, ninguém sabe.

Insegurança pública

Ontem fui dormir com a notícia de que o PCC estava articulando ataques a delegacias e a policiais na cidade de São Paulo. Hoje acordo, e vejo viaturas por todo lado, e ouço rumores de vários ônibus queimados pela cidade (Campinas). Chego em casa do trabalho e, enquanto compro leite, vejo a Globo local noticiando as várias rebeliões ocorridas nas penitenciárias do estado. Para quem achava que o Rio de Janeiro era violento, vimos que aquilo é fichinha perto do que se faz aqui em São Paulo. Fico sem forças para comentar, me sinto indefeso e vulnerável, com medo de ter minha lotação ou ônibus atacado. Num país onde nossos líderes não conseguem nem punir criminosos confessos, seus colegas congressistas, é quase de se esperar que a sociedade esteja refém de criminosos organizados (bem mais organizados que as instituições existentes para puní-los, aparentemente). Sem palavras, eu publico as de uma colega de profissão, especialista no assunto.


ENTREVISTA DA 2ª/ALBA ZALUAR
Antropóloga afirma que ações dos grupos em SP são mais organizadas e que têm retórica política
Crime organizado paulista é mais centralizado, vê estudiosa

SERGIO TORRES DA SUCURSAL DO RIO
Uma das mais experientes estudiosas da violência urbana do país, a antropóloga Alba Zaluar afirma que o ataque do PCC (Primeiro Comando da Capital) revela uma faceta até então oculta do crime organizado em São Paulo. "É muito mais centralizado, muito melhor coordenado e tem uma retórica política por trás", afirmou em entrevista à Folha.A antropóloga detecta semelhanças perigosas no discurso de líderes do crime organizado com grupos extremistas de esquerda em atuação na América Latina. "A retórica política de grupos de extrema esquerda da Colômbia, da Bolívia, do Peru etc. está contaminando esse pessoal, que começou a agir em redes, que não são só interestaduais, mas internacionais ou transnacionais, transestaduais e transnacionais."Para ela, o modelo de esquerda defendido por esses grupos já fracassou em vários países da América Latina."Como é que vamos deixar nossa juventude ser conquistada por isso?"Com base em pesquisas acadêmicas realizadas em favelas nas últimas décadas, ela diz que, pelo menos no Rio, o tráfico de drogas financia políticos durante os períodos pré-eleitorais.Professora titular do curso de antropologia da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Zaluar publicou vários livros, entre os quais se destacam "Cidadãos Não Vão ao Paraíso", "A Máquina e a Revolta", "Da Revolta ao Crime S.A.", "Drogas e Cidadania" e "Integração Perversa -Pobreza e Tráfico de Drogas".Ela critica as investigações sobre o tema da criminalidade por parte de acadêmicos radicados em São Paulo."Meus colegas nunca fizeram um estudo aprofundado do crime organizado em São Paulo", lamentou. Isso acaba gerando, segundo ela, uma disputa a seu ver inútil sobre qual é a cidade mais violenta do Brasil, que não resolve nem sequer atenua o problema da criminalidade no país.De acordo com ela, "é muito assustador" o que está acontecendo em São Paulo e nos principais centros urbanos brasileiros."O Brasil está num ponto de sua história nacional tristíssimo, tristíssimo."

Folha - É surpresa para a senhora o que está acontecendo em São Paulo desde sexta-feira?

Alba Zaluar - Você lembra que há três, quatro meses houve a invasão e o roubo de depósito das Forças Armadas [Estabelecimento Central de Transporte do Exército, na zona norte carioca, quando 11 armas foram roubadas por invasores]?Ninguém foi morto, algumas pessoas foram maltratadas. Uma jornalista ligou para a minha casa e a primeira coisa que ela me falou: "Eu acho que o Rio de Janeiro deveria ser lacrado". Aí acontece isso em São Paulo.

Folha - Por que acontece?

Zaluar - Sempre dizem, em São Paulo, que o problema é todo aqui [no Rio]. Meus colegas nunca fizeram um estudo aprofundado do crime organizado em São Paulo. Agora está provado: [o crime em São Paulo] é muito mais centralizado, muito mais bem coordenado e tem uma retórica política por trás disso.

Folha - Qual a retórica?

Zaluar - Você vai ver. Vai aparecer manifesto daqui a pouco. Isso ninguém está percebendo. Hoje eu fiquei pensando. Minha Nossa Senhora, isso é óbvio. Por causa do tráfico de armas e do tráfico de drogas, que é disso que se trata, embora o espectro do crime organizado no Brasil hoje seja amplíssimo: lixo, transporte, café, arroz, contrabando de tudo o que se possa imaginar.Mas o tráfico de drogas e de armas tornaram-se violentíssimos. Isso tem feito com que a retórica política de grupos de extrema esquerda da Colômbia, da Bolívia, do Peru etc. estejam contaminando esse pessoal que começou a agir nessas redes, que não são só interestaduais mas internacionais ou transnacionais, transestaduais e transnacionais.Aí fica essa disputa ridícula para saber qual é a cidade mais violenta do Brasil. Francamente, o que me importa se é Vitória, se é Recife, se é Rio de Janeiro, se é São Paulo?Isso não importa. Importa é que a gente está numa situação gravíssima neste país. Eu estou muito preocupada.

Folha - O que a senhora quis dizer quando falou que seus colegas em São Paulo não estudam o crime organizado?

Zaluar - Acho que está fazendo falta um estudo aprofundado do crime organizado, especialmente aquele que é dirigido desde a prisão.Porque a idéia que se tem é que isso só acontece no Rio de Janeiro, e não é assim. Isso acontece no Brasil inteiro.Está provado agora que ele é muito mais bem coordenado em São Paulo do que no Rio. No Rio, ele consegue botar uma bombinha caseira lá em Copacabana [zona sul], metralhar uns vidrinhos na prefeitura, e foi só. Às vezes, você tem ações localizadas em bairros, eles fecham os bairros, algum comércio em um ou outro bairro. Mas nunca assim tão bem coordenado. Nunca conseguiram. Isso é que assustador, muito assustador. E não é só para São Paulo, não. É para o Brasil inteiro.

Folha - A senhora arriscaria uma previsão de o que pode ainda ocorrer?

Zaluar - Essas coisas são contagiantes. Agora, vão querer fazer o mesmo em outros Estados.
Folha - A senhora poderia comentar um pouco mais a questão da retórica política?Zaluar - Sempre fiquei impressionada com a coincidência das posições. Lendo coisas sobre a Colômbia, me espanta o uso dos mesmos termos. "Não nasci para semente." Eles também falam muito isso, várias coisas.

Folha - Seria, talvez, a transformação de facções essencialmente criminosas em agrupamentos movidos também por ideologia?

Zaluar - Esse ataque radical, geral e vago ao sistema, como se eles estivessem fora do sistema... O tráfico de drogas é um sistema capitalista, o mais selvagem que se tem notícia, porque não tem nenhum limite institucional e moral. O resto do sistema capitalista está sujeito a leis, a regras, a restrições de várias ordens. É claro que tem ilegalidade também [no capitalismo]. O caixa dois é um deles. Mas no tráfico de drogas não tem nem caixa dois porque não tem caixa um.Eles influem, sim, nas eleições. Influem, sim. Eles dão dinheiro para político, sim. Eu fico sabendo nas favelas que a gente estuda.

Folha - O que pode ser feito, na sua opinião?

Zaluar - A situação é muito grave, acho que é preciso pensar. Como eles conseguiram essas granadas? Granada não é de uso exclusivo das Forças Armadas? As Forças Armadas brasileiras têm que fazer um balanço. O que está acontecendo com seus depósitos?Porque desde 1980 eu ouço aqui no Rio de Janeiro menções a armas exclusivas das Forças Armadas na mão de bandidos. Ouço menções a facilidades com que se furta e rouba. Não só nas Forças Armadas, nas polícias também. Os policiais chegam lá [nas favelas] oferecendo armas para bandidos.Isso tudo tem que ter mais controle. A polícia tem que ser mais investigativa nesse sentido. Para a gente ter um conhecimento maior de como essas coisas operam. E ganhar os jovens nas idéias.Não vamos deixar que essas idéias, que essa ideologia... Que no meu entender é atrasadíssima, é antidemocrática, uma esquerda que já mostrou que deu errado em vários países da América Latina. Como é que vamos deixar a nossa juventude ser conquistada por isso?

Folha - Como?

Zaluar - Não pode. Batalhar também nessa área cultural, da ideologia. E não ficar só repetindo, ah! coitadinhos, são pobrezinhos, a desigualdade brasileira.Tem desigualdade, tem. Tem pobreza, tem.Mas então vamos fazer alguma coisa para não deixar esses pobres coitados morrerem feito moscas nessa tragédia que é a violência urbana no Brasil.Isso é muito triste. O Brasil está num ponto de sua história nacional tristíssimo, tristíssimo. E o exemplo tem que vir de cima.

[fonte: Folha de São Paulo, 15/05/2006]

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