Especulações livres

18 de set. de 2005

Pensando Nova Orleans


[publicado no site www.salon.com; clique na imagem para ampliar]


Na falta de reflexões maiores, e na correria do dia-a-dia, queria deixar aqui marcada minha perplexidade com os acontecimentos em Nova Orleans. Mais do que a tragédia das mortes, e da destruição de um dos berços da cultura norte-americana, o que mais ficou martelando a minha mente foram as notícias da desagregação da ordem e da desumanização ocorridas nos dias posteriores ao furacão. Se ventos, chuva, alagamentos não fossem o suficiente, os habitantes daquela cidade foram submetidos a um dos episódios mais cruéis de que se tem notícia, dignos de qualquer noticiário da idade média. Sem nenhuma rede de proteção estatal, ou mesmo particular, que oferecesse um mínimo de condições para que os habitantes da cidade pudessem se proteger, e abandonados à própria sorte durante aproximadamente 5 dias, passando sede e fome, a população regrediu a um "estado da natureza" hobbesiano apavorante. Creio que todos ficaram sabendo dos detalhes sórdidos, e me abstenho de ficar aqui relatando-os. Mas são eventos assim que nos fazem lembrar a fragilidade dos laços de civilidade que nos unem. Talvez em lugares onde a condição humana é menos valorizada, onde a pobreza e a violência são partes tão marcantes do cotidiano, como no Brasil, tenhamos mais cuidado em manter viva a chama da sociabilidade. Talvez lá, certos de que estavam imunes a tamanho caos, o cuidado com isso foi menor, e a explosão da desordem foi mais exuberante. Como no episódio do canibal alemão, do qual sempre falo, eu preferiria não ter que pensar, não ter que lidar com episódios como esse. Pois eles colocam à prova todas as nossas convicções de que o ser humano ainda vive por alguma coisa além de si mesmo, de que há ideiais e uma moral que paira acima da luta de todos contra todos, ou acima do mero prazer e da satisfação mais pura das nossas pulsões. Infelizmente, precisamos sim pensar esses episódios como alertas, como chamados a uma constantes renovação de um mínimo de solidariedade e de preocupação com o próximo. Talvez eu seja um romântico idiota e ingênuo, e por isso fique chocado com algumas coisas, coisas que colocam em questão a própria possibilidade de se ter algum tipo de romantismo. Ainda não desisti de pensar assim, e creio que há muito o que ser dito ainda em prol de algum tipo de romantismo, num sentido mais amplo, menos individual.

6 de set. de 2005

Sobre a "crise"



A idéia para esse post me veio antes de ver a charge (publicada ontem, dia 05/09/2005, na Folha de S.Paulo), mas creio que ela ilustra de maneira interessante as coisas que andei pensando. Eu parei de comentar sobre esse assunto aqui, devido a uma dificuldade de assimilar e de digerir tanta informação, vinda de todos os lados, acrescida de uma incredulidade geral com o que estava acontecendo. Via meus amigos, outrora petistas apaixonados, fazendo discursos anti-PT dignos de qualquer tucano. Eu ficava sempre intrigado, pois nunca compartilhei de um certo sentimento de abandono da política que insiste em contaminar a todos com quem tento conversar sobre esse tipo de assunto. Ou melhor: eu tentava, a todo tempo, negar esse sentimento, ou lutar contra ele, afinal minhas primeiras experiências intelectuais sempre foram pensando a política, especialmente a transição democrática a partir de 1979. Enfim, pensar política, conversar de política, ler sobre política, para mim era sempre um exercício de otimismo, de construção de coisas novas e melhores, de pensar novos rumos para a sociedade em que vivemos.
Com a derrocada do petismo romântico, havia o papo do "silêncio dos intelectuais", tão adeptos da defesa de Lula e do seu potencial. Hoje, poucos negariam a verdade expressa na charge acima, de que Lula, enquanto símbolo, perdeu o bonde dos acontecimentos. O que eu me recuso a fazer é tomar isso como um fim da política, ou um fim da história do Brasil. Como se Lula, o último a ter o potencial de salvar a nação, levasse com o seu fracasso toda a possibilidade de política no país. Só nos restaria louvar a Jefferson, ACM e sua turma, paladinos da ética, na luta para destruir um governo de "ineptos e amadores". Termos tão difundidos pela mídia, afoita em enterrar toda a experiência do governo atual.
O que venho percebendo é que, com a confirmação de que a população em geral perdeu a confiança em Lula, o ímpeto dos oposicionistas arrefeceu. Debate-se agora se Serra ou Alckmin serão empossados, levados pelo clamor popular pela ética. Triste conclusão de um processo histórico tão importante: os tucanos aclamados como salvadores da pátria, e os petistas desmoralizados. O que não podemos é comprar a novela tal qual ela nos é apresentada pela TV, por mais difícil que isso seja. Não existem mocinhos e bandidos, e a política não acabou. Essa "crise", por vezes, me parece nada menos do que o pleno funcionamento da democracia, coisa tão rara e exótica por essas terras, que nomeamos isso de catástrofe política.
O fim dos messianismos é bom para a sociedade brasileira. O fim do romantismo que elegeu Lula salvador da pátria é um ganho, e não uma perda. A eleição de Lula desencadeou, a meu ver, uma série de eventos que culmina no processo que vivemos hoje, de luta aberta pelo poder. A intensificação dessa luta expõe a pobreza das nossas instituições, quando deputados renunciam para fugir à cassação, e quando Severino é réu e juiz de seu próprio processo investigativo. Deveríamos estar pensando e discutindo os rumos a tomar para frente, no curto e médio prazo, no sentido de intensificar a democracia, facilitar processos de investigação, e não perder meses e meses com análises e libelos anti-petistas. Só quem foi ingênuo de achar que o PT era virgem e incapaz de erro sente-se traído a ponto de perder a crença na política. A política existe independente disso tudo, e governantes continurão a se eleger (deus queira! Antes isso do que tomarem o poder por outras vias), quero queiramos, quer não.
Uma lição valiosa que precisamos aprender é a de que democracia envolve disputas de poder. Essas precisam ser regradas, aperfeiçoadas, e não abafadas ou desestimuladas, como algumas propostas de reforma política parecem querer promover. A eleição de Lula e da esquerda brasileira não é somente a prova da incapacidade desse grupo de governar: isso é simplista, e serve para legitimar uma continuidade perigosa e danosa para a sociedade. Pois foi somente por que houve a eleição de um grupo diferente que foi possível ocorrerem brigas, que levaram ao processo purgatório pelo qual passamos. Uma democracia saudável saberá explorar essas brigas para promover o bem-estar e o acesso da demos à pólis.

4 de set. de 2005

Videobrasil 15 - Sesc Pompéia - São Paulo


15º FESTIVAL INTERNACIONAL DE ARTE ELETRÔNICA Videobrasil
SESC POMPÉIA - 6 a 25 de setembro

[texto do release do evento]



Com três semanas de duração, um novo formato de mostra competitiva e a maior programação já dedicada à performance no país, começa dia 6 de setembro, no Sesc Pompéia, o 15º Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil, realizado pelo SESC São Paulo e pela Associação Cultural Videobrasil. Com foco na produção do eixo sul das artes, o Festival reúne 130 obras recentes de países da América Latina, África, Sudeste Asiático, Oriente Médio, Europa do Leste e Austrália, além de nove performances ao vivo, dez mostras retrospectivas de vídeo, seis mesas de debate, três noites comandadas por VJs, cinco lançamentos, nove encontros com artistas e um workshop de performance. Por três semanas, ocupa uma estrutura projetada especialmente pelos arquitetos André Vainer e Guilherme Paolilello, com auditório de 190 lugares, Play Gallery (conjunto de espaços expositivos com telões e telas de plasma), midiateca (onde o público terá acesso a programas já exibidos e outros do acervo do Festival), bar e uma Livraria da Vila. Entre artistas, curadores, jornalistas e teóricos, o 15º Videobrasil reúne 196 convidados de mais de 20 países.

Panoramas do Sul
Pela primeira vez, a mostra competitiva do Videobrasil se divide em três segmentos, que serão exibidos cada um em uma semana do Festival. Estado da Arte (6 a 11/09) tem obras de artistas consagrados; Investigações Contemporâneas (13 a 18/09), pesquisas em vídeo; e Novos Vetores (20 a 25/09), trabalhos de jovens realizadores. A divisão reflete a diversificação da arte eletrônica do eixo sul, marcada "pela intenção de produzir sentido, ainda que de formas não-lineares", segundo Solange Farkas, criadora e curadora do Videobrasil. Karim Aïnouz, Kiko Goifman, Marcellvs L., Cao Guimarães, Mania Akbari e o estreante Daniel Lisboa, censurado em festival baiano, estão entre os autores que participam de Panoramas do Sul.

Performances
Gênero de caráter fortemente político, que ressurge com força no cenário contemporâneo, a performance é o tema curatorial do 15º Videobrasil, que reúne ao vivo exemplos de vertentes importantes – da intervenção urbana, marca do coletivo Frente 3 de Fevereiro (6/09) e da artista americana Coco Fusco, às performances que derivam das artes plásticas, como na obra do grupo Chelpa Ferro (20/09), do artista Marco Paulo Rolla (22/09) e da dupla Detanico Lain (17/09). A indonésia Melati Suryodarmo (8/09), discípula de Marina Abramovic, mostra seu ato baseado em autocontrole; a queniana Ingrid Mwangi usa voz e corpo em "My Possession" (15/09). O caminho do vídeo à performance é exemplificado pelo grupo feitoamãos/F.A.Q. (13/09) e por Eder Santos e convidados (24/09).

Mostras
Dez programas de vídeo, que se espalham pelas três semanas do Festival, compõem a maior retrospectiva de perfomance já exibida no Brasil. As mostras atestam a força da obra da artista Marina Abramovic, referência no gênero; da produção do centro de difusão nova-iorquino The Kitchen, que abrigou performances de Laurie Anderson, Robert Wilson e grupo Fluxus, entre outros; e do próprio Videobrasil, que reúne 18 performances que comissionou ou exibiu desde a década de 80, incluindo trabalhos de Waly Salomão, na Antologia Videobrasil de Performances, que também é lançada em DVD.

Zona de Reflexão
Atividades que atravessam toda a programação tentam adensar a reflexão no evento. Artistas e pequisadores discutem mecanismos de intercâmbio e outros tópicos no Ciclo de Debates; as VJ Nights reúnem artistas de nacionalidades diversas em sessões de live-image; o artista Marco Paulo Rolla e o professor Marcos Hill, do CEIA (Centro de Experimentação e Informação de Arte), comandam um workshop de performance; e laboratórios introduzem ao conteúdo do recém-lançado banco de dados Videobrasil On-Line. Esse eixo inclui ainda o lançamento do "Caderno Videobrasil", publicação dedicada à reflexão sobre arte contemporânea.

Realizadores
O 15º Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil é um projeto da Associação Cultural Videobrasil realizado pelo SESC São Paulo. Principal centro de referência de arte eletrônica do Brasil, a ACV (www.videobrasil.org.br) produz, além do evento bienal, mostras e curadorias nacionais e internacionais de vídeo e arte eletrônica, como a recente Mostra Pan-Africana de Arte Contemporânea, no MAM da Bahia; o projeto FF Dossier, que perfila artistas emergentes na Internet; e a série anual de documentários VCA, sobre artistas do circuito sul. Mantém um acervo de quase quatro mil títulos, desenvolve pesquisas e atividades educacionais e está lançando o Videobrasil On-Line, extensivo banco de dados sobre a arte eletrônica do circuito sul. A ACV tem o apoio do Prince Claus Fund, fundo holandês que financia e apóia projetos culturais e de desenvolvimento em vários países.
Solange Oliveira Farkas é uma das articuladoras mais ativas da produção de arte eletrônica do circuito sul. Diretora e curadora do Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil, que criou em 1983, preside a Associação Cultural Videobrasil, que realiza, além do Festival, documentários, publicações, projetos e curadorias de arte eletrônica exibidas pelos principais festivais do gênero no mundo. Integra o júri do Nam June Paik Award, o conselho para o programa de atividades do Prince Claus Fund, da Holanda, e os conselhos curatoriais do Paço das Artes e do Centro Cultural São Paulo. Em 2004 recebeu o Prêmio Cultural Sérgio Motta, em São Paulo, pela contibuição à arte eletrônica brasileira. Em 2005, realizou como curadora a Mostra Pan-Africana de Arte Contemporânea em Salvador (BA), lançou o banco de dados Videobrasil On-Line, e dirige o 15º Videobrasil e o quinto documentário da série VCA, dedicado à artista Coco Fusco.
O SESC São Paulo vem apoiando projetos da Associação Cultural Videobrasil desde 1992, tendo viabilizado, entre outros, a série Videobrasil Coleção de Autores e o banco de dados Videobrasil On-Line. "Há vinte e três anos, o Videobrasil tem sido pioneiro na valorização de novas mídias e no potencial por elas sustentado na leitura e interpretação das múltiplas faces da sociedade contemporânea", diz Danilo Santos de Miranda, diretor regional do SESC São Paulo. "Esses são princípios caros ao SESC São Paulo, seja por incitarem o debate, seja por contribuírem para a construção contínua do conhecimento. O 15º Videobrasil é uma iniciativa marcada pelo vínculo arte-tecnologia que, a cada dia, encontra-se mais e mais inserido no cotidiano das pessoas. Daí sua relevância em incentivar novas percepções, ativar novas sensibilidades e estimular a melhor compreensão da arte contemporânea."

Serviço

O 15° Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil acontece de 06 a 25 de setembro de 2005 no SESC Pompéia (Rua Clélia, 93, tel: + 55 11 3871-7700, São Paulo).
O SESC Pompéia funciona de terça a domingo, das 10h às 22h. As atividades do Festival acontecem de terça a domingo, nos seguintes horários: 10h às 21h (exposições, encontros, debates, mostras de vídeo, livraria e bar); a partir de 21h (performances); e 22h (VJ Nights). Toda a programação do Festival é gratuita, mas os ingressos para as performances e VJ Nights devem ser retirados com antecedência nas bilheterias da Rede Sesc. A disponibilidade está sujeita à lotação dos espaços (Auditório: 191 lugares; Choperia: 800 lugares; Teatro: 330 lugares; Play Gallery: 120 pessoas)
Atendimento à Imprensa:
FCF Comunicação
Luciana Gomide - tel (11) 3032.3057 e (11) 9181.4024 ou fcfcom@uol.com.br

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