Especulações livres

4 de dez. de 2005

Audio-visual brasileiro

Pedindo desculpas ao pessoal por ter saído sem ter nem falado um tchau, falo agora um pouco dos curtas que acabo de ver no CCBB aqui em São Paulo. Peço desculpas por alguma opinião que possa desagradar aos diretores, mas lembrem-se, é só a minha leitura pessoal!


· Sozinho, André Pagnossin (13', videoficção)

Esse curta conseguiu a proeza de me deixar excitado por um pé, feminino e banhado de sangue. Me pareceu que o sexo era a parte fundamental do filme (ou estaria eu somente interessado nessa parte?), e a cena da menina lambendo o dedão me pareceu o ápice, o orgasmo fundamental da coisa toda. Excelente atuação da atriz.

· Don´t Smoke, André Kapel (3'30'', videoficção)

Final supreendente, com certeza. Efeitos especiais maravilhosos, eu fiquei arrepiado o tempo todo, passei bastante nervoso. Gostei do nihilismo (palavra perigosa, eu sei) da situação, me atrai essa forma de pintar um quadro, uma situação, explorando poucos elementos na sua intensidade e nos seus possíveis sentidos (como fiz no conto abaixo). Se fosse um outro final, daria pra explorar milhões de outras coisas, mas daí seria outro filme..

· 06 tiros, 60ml, André Kapel (17', videoficção)

Já fiz um comentário sobre esse filme num post passado. O filme fez parte do Festival Internacional de Curtas, e foi exibido na sessão Dark Side. Dessa vez consegui captar melhor a história, acho eu. Outro final surpreendente. Continuo fã da cena do elevador, e dos efeitos visuais-sonoros.

· Hotel, André Kapel (14', videoficção)

Uma história bastante bizarra. Gostei da narrativa fragmentada, que aparece também no 06 tiros... Mas nesse filme em particular, parece que Kapel não se preocupa em fechar os fios soltos que deixa pelo caminho, e esses fios soltos compõe como que um quadro também. Estaria ele querendo criar um clima, mais do que contar uma história? Evocar um sentimento? Quase um tipo de cinema-poesia? Alguns elementos em comum nos filmes: a questão dos remédios, dos zumbis, da violência-luta-sangue. Me pergunto se foi uma cameo appearance o personagem lendo o cardápio no botequim ao final do filme. Achei meio estranha a máscara. Não o fato de alguém usar uma, mas a estética da máscara mesmo; não consegui deixar de pensar num Holloween ou coisa parecida.

· Jogos, Eduardo Aguilar (7'06'', videoficção)

Comentei esse filme no blog do Edu (Sonho, Rebeldia e Cinema), num dos seus comments. Dessa vez consegui entender melhor a situação, pois o audio estava melhorzinho. A desconstrução contínua do olhar, que busca enquadrar a situação em estereótipos ou em situações familiares, que se mostram cada vez menos familiares. Não querendo dizer que percam a sua, digamos assim, banalidade, ou condição de ser corriqueiro, ou coisa desse tipo.

· Claustro, Eduardo Aguilar (13'46'', videoficção)

Tive que segurar as lágrimas um pouco no decorrer da história. Eu só consegui ler o filme de forma metafórica, expondo uma certa crueldade, e uma situação de total incapacidade de resposta. Essa incapacidade leva a uma multiplicação de abusos. As frustrações acabam sendo descarregadas em quem menos tem a capacidade de lidar com elas.

· O Quadro, Eduardo Aguilar (6'26'', videoficção)

Não foi o meu preferido, preciso confessar, mas é um belo filme mesmo assim. De novo a força de uma situação tão corriqueira, quanto o fim de um relacionamento.

· Lourdes, um Conto Gótico de Terror, Eduardo Aguilar (11'26'', videoficção)

Me pareceu um filme antigo, com elementos de filme mudo talvez? Adorei a personagem que expressa a dúvida (me pareceu), a dúvida sobre entregar-se, a dúvida quanto à fé, a dúvida quanto aos desejos reprimidos... De novo, me pareceu totalmente metafórico. Gostei bastante.

Para quem me conhece e não entendeu o porquê de eu estar aqui comentando esses filmes, explico: eu conheci todas as pessoas citadas acima, de uma forma ou de outra, por causa do meu primeiro contato com as Sessões Comodoro do Cinesesc, e depois de conhecer o blog Mondo Paura. Através dele conheci o blog do Edu Aguillar, e depois fui conhecendo e me relacionando virtualmente com um número de pessoas interessantíssimas. A sessão de hoje foi parte de um processo, como que um reencontro comigo mesmo. Fazer arte, falar de filmes, buscar projetos, ter paixão pelo que se faz... Muitos sentimentos que foram se perdendo no decorrer da minha pós-graduação, que fiz como que no automático, sem saber conscientemente porquê. Portanto falar desses filmes não é só falar de curtas muito interessantes, mas sim viver (e reviver) prazeres importantes para mim, na fase atual em que estou da minha vida. E um dos maiores prazeres que tive em São Paulo foi o tesão de poder compartilhar o meu interesse por determinado tipo de filme com outras pessoas. Coisa de nerd, talvez, mas que seja!

PS: O chato é sair do CCBB e ter que fugir correndo de um menino de rua que tentou me assaltar; muito medo de ser pego por ele ou pelos seus outros amigos! Mas cheguei em casa inteiro, apesar de nervoso... Acho que nunca vou me acostumar com essa cidade!

Angústia (conto)

Assisti hoje a vários curtas de André Kapel, André Pagnossim e Edu Aguillar, numa mostra no CCBB, São Paulo. Mas sobre isso escrevo mais num outro post. Vendo os curtas, comecei a lembrar-me de meus contos antigos, de terror (se é que terror é o rótulo adequado para eles). Venho tentando retomar a escrita de contos aqui no blog como exercício, e o último que saiu eu até que gostei (ver post O Começo). O conto que publico abaixo foi o último que escrevi antes de dar um tempo com a escrita literária. Isso já fazem uns 5 anos, no mínimo. Dedico esse post ao curta Claustro, de Edu Aguillar. No curta, é como se o narrador desse meu conto saísse da armadilha e conseguisse ter uma visão panorâmica das coisas, coisa que ainda eu não consigo ter. Bom, o caso é que me identifiquei com esse curta de forma bastante especial; e o conto que segue expõe, à sua maneira, as razões disso.

Angústia


... e caiu na água fazendo bastante barulho, que ecoou pelas paredes metálicas do recinto enquanto se debatia para não afundar. A queda e o contato brusco com a água fria o fizeram retomar a consciência rapidamente, acordando de um estupor. Não saberia dizer quanto tempo esteve fora de si. Seu coração batia intensamente, respirava com ansiedade e ao engolir grandes quantidades de ar para ingerir oxigênio, sentia dores pelo corpo todo, sentia seus ossos e sua pele cada vez mais nítidos com o frio que tomava lentamente conta do seu organismo, sentia como se tivesse sido espancado e seus músculos obrigados a trabalhar intensamente, enfim, sentia-se exausto. Não sabia se por causa do impacto emocional da situação na qual se encontrava, ou por causa de maus tratos que havia sofrido antes de ter sido jogado ali.

Tendo retomado sua consciência e mais calmo, já boiando com mais facilidade, não se debatendo na água como um desesperado, ele pôde colocar seu cérebro em ordem, esse cérebro que parecia não funcionar tão bem quanto um dia já funcionou, sentindo dores apunhalando também sua cabeça, como pequenas agulhas que, encravadas em sua carne, tocavam diferentes nervos devido aos seus movimentos constantes para manter-se acima do nível da água, alastrando inúmeras dores pelo seu crânio. Ponderou se havia batido muito a cabeça pela abertura na qual o jogaram, antes de finalmente cair na água, ou se era o frio o estava incomodando, ou se havia tomado alguma droga que o tivesse posto em estado adormecido; buscava freneticamente algum sentido em meio a um turbilhão de sensações que paulatinamente iam tomando conta de seu ser, à medida em que ele se dava conta de que estava jogado num buraco cheio de água, por razões que, pelo menos naquele momento, ele ignorava completamente.

Como não conseguia sentir o fundo com seus pés, esforçou-se para tentar boiar com o mínimo de esforço possível, dadas as suas dores e incômodos. Queria olhar à sua volta, queria descobrir onde estava, como havia parado ali, porque o haviam jogado em tal recipiente, calabouço, aquário... Seus olhos foram se acostumando à escuridão, e percebeu que pequenos focos de luz acendiam e apagavam lentamente nas paredes. Tinham uma luz fosca, como estrelas ou luzes brilhantes de uma cidade vistas através de um vidro embaçado de automóvel ou de uma janela, num dia frio, recoberta de vapor devido ao respirar morno de alguém. Porque estava lembrando disso agora, ali jogado como um cadáver inútil a apodrecer na água? Estaria ele tendo pequenas lembranças dos momentos que antecederam a sua chegada naquele buraco? Estaria ele apenas sendo enganado por seu cérebro exausto que, em contato com o frio incômodo da água pôs-se a recriar cenas reconfortantes para que ele se acalmasse?

Quanto mais ele buscava esquadrinhar sua mente mais ela doía, reclamava do esforço, e se negava a responder. As luzes, ele percebeu, pareciam embaçadas por causa da água em seus olhos. Faziam poucos segundos apenas que ele havia caído ali, e até se acalmar (o que ocorria devagar) ele estava quase a afogar-se, havia engolido um pouco de água e seus olhos, além de cansados, estavam encharcados.

As fontes de luz, ele pôde perceber com o passar dos minutos, realmente vinham das paredes. A julgar pelos sons que a água fazia ao bater contra elas, lhes pareciam feitas de metal. Olhou com mais atenção e percebeu que havia, na verdade, pequenos buracos nas paredes, que abriam e fechavam, num ritmo que se assemelhava a uma respiração lenta e pausada. Ficou intrigado pelo mecanismo, que levava paredes de metal a respirar, e imaginou de onde viria a luz que atravessava dos cômodos vizinhos aos dele e lhe iluminavam a desventura. Estariam os cômodos também cheios de água? Teriam eles outros “prisioneiros” guardados, estocados por alguma razão esdrúxula?

“Socorro!” Tem alguém aí?” ele gritou um pouco desesperado, um pouco curioso.
“Alguém está me escutando aí? Tem gente aí do lado?” Sua voz ecoava pelas paredes mas o eco não revelava nada mais do que seu pequeno cômodo particular. Ninguém o respondia, as luzes não mudaram de intensidade, a respiração do quarto permanecia lenta e pausada, como se ali não estivesse(fim)

2 de dez. de 2005

Uma história de violência

Sobre o recente episódio com o ônibus queimado no Rio de Janeiro, fiquei sem palavras. Mas queria comentar, e hoje achei as palavras adequadas numa reportagem da Folha de S. Paulo. Fica parecendo que nós, de outras cidades, estamos melhores, mas isso é ilusório. Talvez as chacinas e arrastões que ocorrem em São Paulo, por exemplo, sejam menos debatidos e divulgados. Ou não atrapalhem a circulação no eixo Rua da Consolação-Avenida Paulista-Rua Augusta, ainda.

Polícia iniciou ciclo violento no Rio com chacinas, diz estudioso

JOÃO PEQUENO, COLABORAÇÃO PARA A FOLHA (02/12/2005)

Foi a própria polícia que começou a escalada da violência que culminou com o incêndio provocado por traficantes no ônibus da linha 350, na terça-feira. A tese é do geógrafo Jailson de Souza e Silva, professor da Universidade Federal Fluminense e coordenador da ONG Observatório de Favelas.Silva explica que ações desse tipo tiveram início no começo da década de 90, com chacinas como a de Vigário Geral, ocorrida em agosto de 1993, quando um grupo de extermínio formado por policiais militares, autodenominado Cavalos Corredores, matou 21 moradores daquela favela, na zona norte do Rio, para vingar a morte de quatro colegas do 9º Batalhão da PM (Rocha Miranda, zona norte do Rio)."O combate irracional da chamada "guerra às drogas" legitimou o uso da violência sob o pretexto do combate à criminalidade. Nessa estratégia -que em mais de 20 anos não teve uma consequência positiva sequer-, os moradores das favelas deixaram de ser cidadãos protegidos pela polícia para serem a população civil do território inimigo, contra a qual soldados cometem crimes de guerra", analisa o geógrafo.Silva prossegue: "Isso passou a valer tanto para policiais da banda podre quanto para traficantes que atacam moradores de áreas dominadas por facções rivais. Ou, como dizem, "do asfalto", em retaliação a ações da polícia, com a qual eles não têm nenhuma ligação, como foi o caso de terça. Mas o que eles fizeram não foi nada diferente dos Cavalos Corredores de Vigário", analisa.O geógrafo cita também as chacinas de Acari (11 mortos, em 1990), da Candelária (sete mortos, em 1993) e, neste ano, a de Nova Iguaçu e Queimados, na Baixada Fluminense (29 mortos).Professor do Laboratório de Análises da Violência da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), o sociólogo Ignácio Cano aponta o caso da Baixada Fluminense e o do ataque ao ônibus como resultados de uma legitimação da violência, que levaria a ações cada vez mais extremas."Na Baixada Fluminense , não houve nem morte de policial, como em Vigário. Eles [os PMs responsáveis pela chacina] protestavam contra o comandante de um batalhão e, apenas por isso, mataram 29 pessoas que nada tinham a ver com o caso deles. E mataram 29 porque matar só duas ou três não chama mais a atenção. No incêndio de terça foi a mesma coisa. Queimar ônibus não choca mais, então os traficantes deixaram os passageiros presos para morrerem e, assim, mostrarem serviço", afirmou Cano.

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