Especulações livres

31 de ago. de 2005

O imperativo da realidade



Comecei a pensar sobre isso inspirado, primeiramente, na questão dos manifestos que comentei abaixo, o Dogma 95 e o Cinema de Trincheira. Além disso, houve a entrevista interessantíssima com Lars von Trier no caderno MAIS!, da Folha de S. Paulo do domingo passado, que está falando bastante do Manderlay, próximo filme do diretor, segunda parte da trilogia iniciada por Dogville. A primeira questão é: qual é a necessidade da arte e do pensamento (o cinema sendo apenas uma manifestação entre muitas) de se ater ao real? Qual a relação entre “realidade” e a arte a ser feita? Ou seja, qual o sentido de se instaurar um Dogma no qual a arte do cinema estaria, supostamente, deixando de lado o artificialismo e aproximando-se de uma estética mais “realista”? Ou não é disso que se trata o manifesto? Como se vê, estou aqui mais especulando do que qualquer outra coisa, como forma de aquecimento para o filme, talvez. Mas essa questão não diz respeito a um filme somente, mas ao momento que vivemos, como um todo.
Pensemos o filme Dogville, no qual o diretor Lars von Trier brinca de forma especialmente interessante com o real e a metalinguagem a respeito do real e do cinema: a forma de filmagem coloca em questão o realismo, na medida em que utiliza um cenário imaginado, ausente, composto somente por marcações num palco. O diretor, mesmo nunca tendo pisado em solo americano, se propõe a discorrer sobre uma vila americana, o que muitos leram como crítica aos Estados Unidos (me irrita um pouco esse consenso entre os críticos, já que poderíamos ler o filme de tantas outras maneiras, mas enfim...). O filme tem muito do dramaturgo Bertold Brecht, na medida em que é inspirado em temas morais, e na medida em que faz o jogo entre fantasia e realidade. Em Brecht especificamente, pelo pouco que sei desse autor, esse jogo busca, na forma de interpretação dos atores e na dramaturgia, buscar uma crítica da superestrutura, da ilusão trazida pelo teatro, levando a uma aproximação com a realidade (leia-se luta de classes). Nesse caso há uma concepção clara do que é realidade e do que é ficção (ou superestrutura, ideologia).
No caso de Dogville, há a filiação ao Dogma, há a evocação de Brecht, há o jogo do cenário evocando o teatro (em contraposição ao audiovisual talvez?), há o uso da câmera digital (em contraposição à película, com todos os significados que isso pode ter)... Mas será que existe essa possibilidade, hoje, de evocação da “realidade”? Ainda que utilizemos menos recursos técnicos, menos efeitos especiais, não será a narrativa áudio-visual sempre narrativa, portanto construída? E no caso de Lars, há ainda um outro lado, que me interessa, a questão do político.
Como fazer filmes políticos hoje em dia? Precisamos estar filiados ao marxismo, maoísmo, ou qualquer outro “ismo” postulado pelo cinema engajado? Por que não pensar Lars von Trier como político, ainda que cinema, ainda que narrativa? Não há a necessidade (talvez nem a possibilidade) de uma aproximação com o real para que se faça arte engajada. Se fosse assim, Dogville seria impossível. Dogville é uma construção, ainda que, na sua forma narrativa, o filme faça evocações o tempo todo de aproximações com o real. O real, na sua articulação com a decepção/ilusão, é objeto da narrativa, tanto quanto os dramas de Grace. O interessante, para concluir, é manter viva a possibilidade da especulação como forma de crítica e até de engajamento com a realidade. Críticas utópicas, formulações lingüísticas e artísticas, têm seu valor na dinâmica social e política da sociedade. Somos movidos em boa parte por idéias, e nesse campo sempre há muito que se fazer.

28 de ago. de 2005

Festival Internacional de Curtas - SP: sobre manifestos




Estava eu aqui querendo começar a escrever sobre a sessão Dark Side do Festival Internacional de Curtas, que está rolando em São Paulo, quando começo a pesquisar imagens para colocar no post. Procurando acabei me perdendo, e me perdendo na rede acabei encontrando o site Cinema de Trincheira [http://cinemadetrincheira.com.br], que contém informações sobre o curta 6 tiros, 60 ml, de André Kapel, exibido na sessão. Encontrei lá também um manifesto que desconhecia, cuja proposta reproduzo abaixo:

O projeto de cinema independente denominado "Cinema de Trincheira" se suporta em um manifesto que atua como proposta de trabalho, procurando resumir a produção cinematográfica ao seu essencial, isolando o set de filmagem e mantendo só o necessário a produção, bem como buscando trabalhar com técnicas que fogem do tradicional. Trabalhar com temas que saiam da mesmice que o cinema nacional se tornou, produzindo um material dedicado a quem vai assisti-lo e evitando egocentrismos desnecessários, ainda que se mantenha uma característica identificável em cada um.

Não conheço muito sobre os detalhes da coisa toda, mas me parece uma proposta influenciada pelo Dogma (tema da segunda metade do post). Eu desconfio, mas ao mesmo tempo sou bastante seduzido por manifestos. Pelas mesmas razões pelas quais sou seduzido pelo que chamo de cinema político, que acho sedutor e perigoso. Pois um manifesto é um chamado à ação, é um estabelecer de regras e propostas, é um ato de vontade sobre as coisas. Isso é sedutor, a meu ver. O perigo que ronda são as simplificações e reduções necessárias para que isso ocorra. Como não sou especialista em cinema, não vou avaliar a pertinência ou não do manifesto, mas sou totalmente a favor da ação, e da busca de alternativas.
Coisa que o filme de André Kapel consegue, na minha opinião, mas talvez não pelas razões que ele expressa conscientemente. Algumas coisas do filme eu não gostei, como alguns tiques à la Tarantino (ou foi só impressão minha?); me parece que ele se dá melhor quando se solta mais. Apreciei demais a seqüência no elevador, e a atriz consegue levar a coisa maravilhosamente, eu achei. Meu amigo tunisiano (que dirigiu o filme Pics, também no festival) puxou papo bem no final do filme e eu acabei não entendendo direito como foi a “explicação”, mas vou cobrar do diretor pessoalmente se puder. Parece que há um longa-metragem feito com base nesse manifesto, Pólvora Negra, mas não diz no site se ele vai ser exibido ou se já foi, fiquei curioso. Dessa sessão, fiquei estarrecido com a simplicidade aterradora do filme Os Dez Degraus, de Brendan Muldowney. Lembrou-me os melhores contos de terror do século XIX, minha primeira escola nesse tipo de história. Adorei também o Organik, ainda que ele seja tão parecido com o Possessão (ver análise de Marcelo Carrard no Mondo Paura). Coagula foi como começar a comer um doce muito gostoso, que de repente me foi tirado da mesa: achei curto demais, queria MUITO mais, enfim... A Porta, de Rita Curvo, achei maravilhoso, na sua estética e na forma como conduz a história, também deveria ter sido muito mais longo.


10 anos de Dogma



Ontem fui, a convite de amigos, assistir à sessão hypada com 3 curtas do movimento Dogma 95. Ansiedade, de Christoffer Boe. Delicioso de assistir, fotografia perfeita, atuações maravilhosas. Me pareceu uma exploração de um relacionamento um tanto neurótico. A forma como a cena de uma peça dá coerência a todo o conjunto me pareceu genial. Fiquei literalmente estupefato com a beleza desse curta, melhor do que a maioria das coisas que ando vendo ultimamente no cinema.
Isso sem falar na emoção de assistir O Menino Que Andava Para Trás, de Thomas Vinterberg. O menino que atua no papel principal é realmente um achado, uma beleza física impressionante. Engraçado como há um clima de nihilismo no ar: meninos de 9 anos desmaiados de bêbados, famílias despedaçadas. A cena na escola me parece antológica: há uma tal falta de laços de intimidade e de sentimento entre as pessoas que leva a uma desconexão total com o mundo. A musiquinha de boas-vindas cantada pelos alunos acentua ainda mais essa dissonância entre o que as coisas deveriam ser e o vazio que elas realmente possuem. Essa desconexão talvez leve o menino a ficar perturbado, ainda mais do que somente a tragédia que acomete a família. Talvez seja essa a premissa do seu outro filme, Festa de Família, mas não saberia dizer em detalhes sem rever o filme. O terceiro curta dessa sessão, Final de semana perdido, não me agradou muito; acho que depois de me identificar demais com os dois primeiros, estava sem fôlego para o terceiro. Bom, fechando em tom mais pessoal, a melhor parte de tudo isso foi poder participar de algo interessante e conhecer pessoas geniais e emocionantes, especialmente na sessão Dark Side. O terror é militância, dizia o cara ensangüentado que apresentou a sessão; o mais legal é compartilhar essas experiências numa cidade cada vez mais alheia a isso tudo.

27 de ago. de 2005

Cinema político, 2005




Enquanto não me inspiro para escrever nada original, repasso essa notícia maravilhosa e bizarra que li hoje na BBC Brasil, no UOL: [http://noticias.uol.com.br/bbc/2005/08/27/ult2363u4196.jhtm]


27/08/2005 - 15h36
Rebeldes indianos fazem filmes pornográficos
da BBC, em Londres


Rebeldes no Estado de Tripura, no nordeste da Índia, estão fazendo filmes pornográficos para levantar dinheiro para sua campanha separatista, de acordo com autoridades.De acordo com a polícia, a informação veio de guerrilheiros da Frente Nacional de Libertação de Tripura (NLFT) que se renderam.Eles dizem que rebeldes estão forcando mulheres e alguns homens de tribos da região a participarem dos filmes.Os filmes são então dublados para serem vendidos na Índia e países vizinhos.

Áreas remotas

Os ex-guerrilheiros da NLFT disseram para a polícia que seus líderes não só abusaram sexualmente de muitas meninas de tribos que foram recrutadas para o exército rebelde, mas também as usaram - e alguns homens da guerrilha - para produzir filmes pornográficos."Os filmes foram encontrados dublados em birmanês, bengali, tailandês e hindi, sugerindo que eles estão sendo vendidos para muitos países da região", disse Ghanshyam Murari Srivastava, chefe da polícia de Tripura.Ele disse que a polícia recuperou uma série de DVDs pornográficos mostrando jovens de várias partes do Estado, inclusive áreas remotas como Amarpur e Gandacherra.DVDs semelhantes também foram confiscados de bases da NLFT em Bangladesh invadidas pelo Exército, de acordo com o chefe da polícia.



Produto final

Investigações em produtoras de vídeo em Trupura confirmaram o que os ex-guerrilheiros disseram."Nós recebemos encomendas para processar filmes pornográficos filmados em áreas tribais remotas de tempos em tempos", disse o proprietário de uma produtora na capital do Estado, Agartala.Ele não quis se identificar."Nós recebemos muito mais dinheiro, muito mais do que nossos preços normais, para processar esses filmes e entregar um bom produto final.""Nós sabemos que os insurgentes estão por trás desses filmes. Quando processamos o estoque inicial, podemos ver meninos com rifles automáticos e revólveres puxando as meninas, mas temos que cortar isso e nos concentrar apenas no sexo", disse o proprietário."O dinheiro é muito bom e nós não achamos que é correto questionar os insurgentes, de qualquer maneira", disse.O mais recente vídeo pornográfico que vem sendo procurado por jovens em Tripura é chamado "Nossas experiências na língua Tripuri".Como em um filme normal, tem heróis e heroínas.Inicialmente parece ser apenas um filme de amor com meninos e meninas de mãos dadas e passeando por lagos e árvores. Mas logo o vídeo começa a mostrar cenas dos atores se despindo e fazendo sexo.Já que os jovens de tribos de Tripura têm feições semelhantes às dos mongóis, os filmes podem se passar por feitos em qualquer lugar do sudeste asiático.

Atrizes

Insurgentes que se renderam dizem que seus líderes sempre abusaram de mulheres tribais, tanto nas vilas quanto das que foram recrutadas para o exército rebelde.Um estudo feito por dois pesquisadores, Meenakshi Sen Bandopadhyay e Jayanta Bhattacharya, documentou em detalhes os abusos sexuais feitos pela NLFT."Os rebeldes da NLFT não permitiram que uma garota tribal do norte de Tripura se casasse porque queriam que seus soldados se aproveitassem dela. Os pais da menina estavam impotentes porque moravam em uma área remota", disse o estudo.Mohman Reang, um dos ex-guerrilheiros, disse: "Uma atriz tribal chamada Anita Reang que fez o papel de heroína em alguns dos filmes precisou fugir de sua vila porque um alto líder da NLFT queria sequestrá-la."Mas enquanto forçar mulheres tribais a fazer sexo ou levá-las para campos rebeldes não é novidade, usá-las para filmes pornográficoa certamente é."Isso parece ter começado há um ou dois anos", disse o jornalista local Manas Paul, que levou o caso às autoridades.

Mais corpos e política: a televisão



Ingrid, a 35-year-old accountant from Aurora, CO, is tired of feeling invisible because of her appearance. For years she's been passed up for jobs because of her looks, particularly her bad skin and wild and frizzy hair. Many times employers have scheduled job interviews with her, but once they saw her, they would turn her away and claim they weren't hiring. Ingrid's dream is to own an accounting consulting business. However, before she can help business owners get a handle on their finances, Ingrid wants an extreme makeover to help her get a handle on her overall appearance. *


Estava hoje assistindo a um programa de televisão, Extreme Makeover (exibido no Brasil pelo Canal Sony, e nos EUA pela rede ABC), e percebi que meu argumento sobre como Kalatozov e Cronenberg têm tudo a ver estava sendo encenado ali, diante de meus olhos. Ou seja, o encontro aconteceu, e acontece faz tempo, e está cada vez mais visível e importante. O programa parte de uma premissa bastante simples: algumas pessoas são escolhidas e o programa lhes paga cirurgias plásticas, para que mudem o seu visual, "melhorando" assim sua aparência. Num mundo cada vez mais dominado por imagens, a nossa aparência exterior é cada vez mais um aspecto fundamental da nossa identidade. Quem mora em grandes centros urbanos talvez sinta isso mais de perto, mas o fenômeno ocorre em toda a sociedade, e no mundo inteiro. Política. Quem não tem o visual correto, ou desejado, se vê claramente em desvantagem na sociedade. Prazeres. Muitas pessoas querem simplesmente brincar com seu visual, ou agradar aos seus maridos e esposas. A questão renderia muitos textos, e quero aqui apenas evocá-la, para me conter dentro do espaço limitado de um blog e do seu ritmo de leitura. Não me canso de assistir o programa: ver a emoção das pessoas quando os curativos são retirados é grotesco e, ao mesmo tempo, me toca, pois aquele tipo de felicidade é realmente extrema, a experiência como um todo é extrema, e ao mesmo tempo cada vez mais banal. Quando uma mulher se vê com um novo nariz, ou novos dentes, ou sem aquela barriga flácida, ou com novos seios. Ou aquele cantor falido que, após a sua transformação, se sente capaz de conquistar o mundo. Podemos analisar a visualidade do programa, como quando se apresenta a equipe de cirurgiões plásticos. Me faz lembrar jogos eletrônicos, quando os diferentes personagens são apresentados, ao lado sendo expostos as suas qualidades e super poderes. Ou mesmo propaganda política, quando vemos o rosto sorridente do candidato, ao fundo uma música emocionante. Bizarro ainda é o momento da "revelação" da pessoa transformada aos seus amigos e parentes: a pessoa surge por detrás de uma cortina, num palco ou escadaria, fazendo a típica "entrada triunfal". É o triunfo da imagem sobre o corpo? Do corpo e da imagem sobre a política? Da televisão sobre nossos corpos? Do homem sobre as suas limitações? Valores impressos na carne.


* [fonte do texto e imagens: site oficial do programa Extreme Makeover: http://abc.go.com/primetime/extrememakeover/bios/92366.html]

20 de ago. de 2005

Políticas: dois filmes



Tive, há alguns dias atrás, a chance única de ver dois filmes fenomenais num curto espaço de tempo. Estava esperando há muito para vê-los, e aluguei os dois DVDs. Por causa disso, uma casualidade, achei interessante comentar os dois filmes juntos, pois creio que podemos pensar em ligações entre ambos num nível além do prazer que tive em assisti-los próximos um do outro. O primeiro é Eu Sou Cuba (Mikhail Kalatozov, URSS/Cuba, 1964, 140 min). O segundo é Videodrome, (David Cronenberg, EUA, 1983, 81 min.) Ligações em termos de serem dois filmes políticos, mas em diferentes sentidos.
Assistir a Eu Sou Cuba foi como uma revelação. Sempre tive curiosidade a respeito de filmes políticos, e a maioria dos filmes políticos que vi eram de diretores ocidentais idealizando uma revolução que nunca aconteceu. De Glauber a Godard, filmes morais e bastante teóricos/metafóricos sempre me fascinaram. Essa possibilidade da revolução, o idealismo e o otimismo com o homem e a sociedade, essa vontade de promover mudanças que trariam, sim, um mundo melhor e mais justo. Nos tempos pós-petistas em que vivemos, somos obrigados a carregar uma dose saudável de cinismo ao encarar construções de sentido como essas. Ainda assim, a beleza e a poesia desses filmes, a meu ver, permanecem inspiradoras.
Eu Sou Cuba é uma obra de arte inquestionável, pela força da sua visualidade, pela maestria da sua técnica, pela sua poesia. Jamais vi nada tão interessante que, conjugando o imaginário cubano, uma certa lamentação a respeito da condição subdesenvolvida do país, conseguisse falar que a revolução aconteceu, sim. O filme é maniqueísta, e fala com a autoridade de quem tem a superioridade moral dos justos e dos corretos. Mas a poesia dos textos, falados em espanhol e ditos novamente em russo, me parece quase universal, nos sentimentos de tristeza esperançosa que eles exprimem. Essa vontade incessante de acertar, de melhorar a vida. O filme termina antes de Havana ser tomada, e fica-se com aquela evocação de um evento magistral, gigantesco, que não vemos de fato. A revolução hoje tornou-se uma ditadura pobre e agonizante, talvez repleta dos pecados denunciados nesse filme: prostituição, dominação norte-americana, colonização cultural. Mas é incrível imaginar como a rivalidade entre a União Soviética e os Estados Unidos, causadora de milhões de mortes, espremeu pura beleza de um povo localizado em ponto tão estratégico. É um filme que lembra Terra em Transe; mas é como se Glauber tivesse ido a Cuba, tomado anabolizantes e treinado incessantemente para uma competição internacional. Não desmerecendo Glauber, mas parece que há uma escola na qual ele pode talvez ser inserido, deixo isso para os especialistas.

E falando em filmes políticos, tema que adoro, comento Videodrome nesse registro também. Nesse que é talvez um dos melhores e mais poderosos de seus filmes, Cronenberg constrói uma narrativa a respeito da "nova carne", fruto de uma conjugação entre seres humanos e a televisão, que seria quase que a sublimação do corpo, transformado em dados. Se eu fosse comentar o filme seria uma tese, e aliás o filme trata de tudo que gastei 4 anos estudando. O interessante é pensar, de forma especulativa como cabe nesse espaço, em Cronenberg como diretor político. Não no sentido que faz de Glauber ou Kalatozov políticos, mas num sentido diverso, de militar por estéticas diversas, por novas condições do humano diferentes da que vivemos. Em vários filmes o diretor aborda a política como subjacente aos fenômenos tecnológicos em pauta em seus filmes, conseguindo agregar numa unidade quase tudo que me dá tesão intelectualmente. O valor profético de Cronenberg, em franco "comeback", ainda está por ser explorado. Essa dificuldade acontece por que simplesmente nossas tecnologias ainda não fazem, mas estão em vias de realizar as mais insanas fantasias de artistas como Cronenberg. Termino com um trecho de uma ótima e curta resenha sobre Videodrome, encontrada na Internet. Publicada originalmente em 1983, quando do lançamento do filme, foi reescrita e atualizada para o lançamento do DVD:

In Videodrome, Cronenberg riskily goes one step beyond in identifying power structures that are, essentially, invisible. While exalting the awesome dynamics of the body—its sexual energy, its capacity for the extrasensory, its suggestibility—Cronenberg implies that the body is a transient state between individual existence and the creation of a "new flesh" in which the television screen is, literally, the retina of the mind’s eye. In the trancelike, if confounding, universe of Videodrome, the only way to resist eradication is to transform oneself into pure electronic energy. Understand that Videodrome was released sixteen years prior to The Matrix. (Make Mine Cronenberg, de Carrie Rickey, publicado originalmente no Village Voice, janeiro de 1983. Para ler o texto completo, clique em http://www.criterionco.com/asp/release.asp?id=248&eid=371§ion=essay&page=1)

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