Especulações livres

23 de jun. de 2008

Desterritorializado


Desci a rua, procurando retomar alguns dos lugares que davam, para mim, sentido àquela cidade. A poluição irritando minhas narinas era-me bastante familiar, ainda que algumas coisas a gente busque sempre esquecer. Não vi ninguém: o burburinho de pessoas bebendo cerveja e conversando, a paquera rolando solta, até a gritaria que incomodava os moradores de classe média-alta do local, todos sumidos. A rua deserta, os bares fechados. Na rua de baixo, a mesma coisa. Ali, numa esquina onde por tantas vezes ficava observando o movimento, pensando na vida, paquerando, escutando conversas alheias, comparando corpos, avaliando o que estava na moda, reencontrando velhos amigos e fazendo novos... Tudo aquilo que compõe o que chamamos de vida. Não era o tipo de vida mais salubre, ou as melhores companhias possíveis, mas não eram as piores. Era o que tínhamos, e era bom saber que ali poderíamos estar, de certa forma, à vontade. Ao me deparar com o vazio, senti esse mesmo vazio dentro de mim. Ao voltar ao meu país, buscando reconectar com algumas das minhas raízes, deparo-me com a ausência. Sinto-me ausente, desconectado, andando por um sonho, no qual não participo, um fantasma. Sinto-me velho, como se eu estivesse fora de moda, ou alheio aos tempos; como se tivesse perdido o bonde. Para onde foi todo mundo? Decerto ainda se encontram, conversam, afinal fazemos isso há milênios... Conversar com algumas pessoas, infelizmente, traz-me o mesmo sentimento de vazio e de perda. Não consigo achar as mesmas coisas interessantes, não consigo rir da mesma forma, das mesmas piadas. Algo aconteceu de muito importante, para além da perda, e eu preciso entender o que é. Isso se quiser retomar algo. O vazio, diria o otimista, é a chance de construir algo novo, quiçá melhor do que o que havia ali antes. O pessimista diria que é a inexorável viagem rumo à morte, o tornar-se obsoleto, ou algo desse tipo. A mim, que não consigo mais saber se sou um ou outro, ou nenhum deles, ficou a impressão de que o tempo passou, e eu não percebi. Como se perdesse algo de central num filme enquanto tivesse ido ao banheiro, ou buscar mais pipoca. Será que esse algo está dentro de mim, ou será que, como num filme de Buñuel, estou numa nova história sem relação nenhuma com a anterior? A pausa é algo de que precisava, mas a impaciência começa a manifestar-se, como sempre.

[imagem: Rua da Consolação, São Paulo]

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