Especulações livres

31 de out. de 2005

Festival Internacional de Cinema de SP




Bom, mais um daqueles posts sem muito conteúdo, que servem mais para lembrar ao leitor que ainda se dá ao trabalho de vir aqui de que o autor não esqueceu-se de vocês. A velha desculpa esfarrapada: o excesso de trampo anda sugando minhas energias criativas, e não tenho tempo de postar nada interessante. No entanto, queria postar algo antes que o festival de cinema acabe e passe em branco por aqui. Até agora, só vi um filme: Os Primeiros na Lua, do russo Alexei Fedortchenko. Entrei sem saber nada, fugindo dos filmes mais "hypados", pois os Cronenbergs, Von Triers e etcs da vida estão sempre esgotados dias antes da exibição. Mas foi uma gratíssima surpresa. O filme mescla imagens documentais com ficcionalização, criando um ambiente bizarro no qual lenda e história são inseparáveis. Fala de um plano secreto do exército russo para enviar homens à lua, e do bizarro destino dos primeiros cosmonautas dessa missão fracassada. A história, de tão mirabolante, parece impossível, mas o filme consegue convencer o espectador de que até poderia ser verdade. Personagens reais dessa fase heróica e "adolescente" do programa espacial russo são entrevistados, e uma série de pequenos documentários feitos na União Soviética do início do século XX são misturados à narrativa. Fiquei maravilhado com a presença do cinema como instrumento de estado na URSS, tanto no quesito da construção de um imaginário de estado vitorioso (no estilo propaganda mesmo), como na forma de tecnologias de espionagem. Seria maravilhoso poder passar meses assistindo aos rolos e rolos de filmes estocados, e pensar mais sobre o cinema como construção de realidade, mas enfim... uma vida é curta para tantos projetos. Me parece que o filme usou uma técnica que fez de Baile Perfumado um dos meus filmes favoritos de todos os tempos: partiu de um filme real (nesse caso, algumas filmagens de Lampião) para construir uma narrativa semi-ficcional, relendo as imagens documentais e propondo uma interpretação do passado, sem com isso negar a sua condição de parcialidade. No final do filme pode-se ver algumas das imagens que inspiraram as partes mais belas do filme. Na imagem que ilustra o post, uma das cenas mais belas/chocantes, a do macaco "crucificado" em nome do progresso científico. E nessa imagem está o teor do comentário mais profundo que eu gostaria de ter feito: a construção do novo homem pela tecnologia (ciência, cinema, entre outras) acarreta sempre em alguma forma de sacrifício. O macaco, animal simbolicamente próximo do humano, serve de cobaia (pois não é humano) e de lembrete (por ser tão próximo, de que usamos sim humanos, sacrificamo-os assim como aos animais). O filme fala disso de uma maneira sutil e extremamente interessante.

11 de out. de 2005

O começo (micro conto)


E no começo havia isso, somente dúvidas, muitas, de todos os tipos e sabores. Saboreando as dúvidas, eu tentava decifrá-las, mas curti-las também, como petiscos, como pequenos doces, como aquele bolo de morango com creme que eu adoro pedir quando vou à padaria. Uma média, café com leite, clarinha, por favor. E um pão na chapa.

Eu acordei chorando. Soluçando. A destruição havia sido gigantesca, incompreensível. Era isso que mais me amedrontava: a inexorabilidade daquilo tudo. Eu andava pela rua, aquela mesma que havia sido cenário de tantas das minhas fantasias de cidade grande. A mesma pela qual andava sempre, de dia ou de noite; e quando ali andava, ali me sentia em algum lugar. Sentia-me parte de algo maior, interessante, que fazia sentido. Havia sido alguém, chegado a algum lugar, alcançado algum objetivo.

De repente, nada! Os buracos eram enormes, pois o terremoto havia sido devastador. Não foi um terremoto qualquer, que balançou somente a cidade; ele havia destruído grande parte do planeta Terra. Não me perguntem como eu sei, eu simplesmente sei: algo daquela magnitude não poderia ter acontecido somente aqui, deixando todo o resto intacto. Algo daquela magnitude precisaria deslocar tudo o que havia à sua volta, para conseguir causar tamanho estrago. Para destruir São Paulo, havia que se destruir também boa parte do Brasil; da mesma forma como essa destruição deveria causar um caos que se estenderia à toda América do Sul, e depois do Norte, e assim por diante.

Não, as televisões não noticiaram nada. E se o fizeram, eu não assisti, pois eu estava na rua no momento em que tudo aconteceu. Sim, estava lá, correndo todos os riscos possíveis. Explosões dos encanamentos de gás subterrâneos, que alimentam a cidade, poderiam ter me queimado todo, me desfigurando. Concreto poderia ter despencado de algum prédio, me esmagando, como a um inseto. Ora, um prédio inteiro poderia ter caído em cima de mim! Mas não, eu sobrevivi, ou algo desse tipo. Estava com Antoine, um amigo meu.

Amigo seria uma maneira polida de referir-me a ele. Quem tem amigos nessa cidade? Sei lá, talvez eu seja muito restrito na minha definição de amizade. Ele me ligava, queria sair comigo, eu nunca entendi o porquê. Acho que ele me usava como complemento às terapias que fazia. Eu nunca entendia o seguinte: se ele fazia terapia, por que continuava com todos aqueles dramas? E por que jogá-los em cima de mim? O que eu tinha a ver com aquilo tudo? E por que tudo o que eu dizia, quando era minha sincera opinião, o irritava profundamente? Por que as pessoas não conseguem simplesmente me deixar falar?

Pois por alguma fatalidade do destino, era com Antoine que eu estava quando o caos aconteceu, quando tudo tremeu, quando tudo caiu por terra. Acho que íamos até a padaria, deve ser isso. Íamos ter outro daqueles papos intermináveis sobre psicologia, antropologia, sociologia, astrologia, psicografia, arte cinética, arte conceitual, o inconsciente, a noite, o vazio, as drogas, o sexo, a falta do sexo, o amor, a impossibilidade do amor, a “des-necessidade” do amor. Era isso uma amizade? Eu só queria estar ali, conversando, aquilo já me bastava para alguma coisa. Ainda que eu não pudesse falar o que pensava, pois minhas palavras detonariam a ira do rapaz. Diria que eu estava sendo cruel, ou grosso, ou míope. Diria que eu não entendia do que ele estava dizendo. Diria que eu precisava me tratar.

Talvez precisasse mesmo, por agüentar a pessoa daquela forma, sem falar nada. Por que não estourar, não sair dali? Por que correr, arrumar-se, esperá-lo na frente do prédio, sorrir, abraçar, dizer que tinha saudades, buscar as palavras certas para cada momento, cuidar para que o ritual não se desfizesse em nenhum momento? Por que manter aquilo? Seria a falta absoluta de algo para fazer? De algum amigo? De alguma forma de amor? De auto-estima?

Acordei com lágrimas nos olhos. Estava tudo destruído. Havia sempre aquele momento, entre o dormir e o acordar, que não era nem um nem outro. Nesses momentos, me parece, é que tomamos consciência do que o sonho foi, do que se passou, e determina-se ali o que levaremos para o nosso dia. Comumente eu levo tudo, cada detalhe, cada porta aberta, cada chave guardada no bolso, cada expressão no rosto, cada sentimento. Principalmente isso: cada sensação, de cada momento. Incredulidade. Terror. Ausência de sentido. Dor. Simples desespero e dor e vontade de chorar por uma tragédia imensa, incomensurável.

10 de out. de 2005

Sobre armas e representação






Fui ver o último filme de Andrew Niccol, O Rei das Armas, em pré-estréia aqui em São Paulo. Enquanto assistia, minha mente fervilhava de questões o tempo todo, algumas das quais queria colocar aqui. Logo de cara fiquei pensando na ironia da História, de nos dar a chance de assistir a um filme sobre o tráfico de armas internacional, ao mesmo tempo em que somos bombardeados pela recente propaganda sobre o plebiscito. E já que falei disso, realmente não sei em qual lado vou votar, pois o jogo de insinuações e de pressões é pobre e maniqueísta de ambos os lados. Afinal, propaganda é propaganda, e sobre isso eu queria pensar aqui um pouco. O que diferencia um filme político de propaganda, no sentido de um discurso simplificado e que visa influenciar opiniões? Será que existe tal diferença, e será que ela é relevante (pelo menos em termos metodológicos)? Acho interessante pensar isso tendo em vista os posts passados, sobre filmes como Yo Soy Cuba, de Kalatozov (e também Viva México, de Eisenstein, ou até Triunfo da Vontade, de Riefenstahl)*. O filme de Niccol apela em alguns momentos para esquemas de filmes de propaganda política, daquela do tipo Duda-Mendonciana, ou pelo menos tive essa impressão. Nada que retire do filme seus méritos, que fique claro.

Dei-me conta que Niccol, em outros filmes, buscava temas que existiam na interseção interessantíssima da ficção científica com a política. Filmes como Simone (que discute as implicações do fim da diferença entre real e virtual), O Show de Truman (que fala de um experimento totalitário-capitalista, fruto de uma necessidade do mercado, um reality show megalomaníaco que se confunde com a nossa própria realidade midiática) e Gattaca (que ainda permanece um dos poucos discursos influentes sobre os dilemas que enfrentamos e enfrentaremos com a disseminação das técnicas de engenharia genética). Em O Senhor das Armas ele faz uma espécie de libelo contra o tráfico internacional de armas, mesclando imagens bastante interessantes (como a seqüência que acompanha os créditos iniciais do filme, mostrando o interior de uma fábrica de munições) com teorias sobre como os fluxos de armas corrompem governos e instituições.

Uma dessas imagens é particularmente irônica: Nicolas Cage, o traficante de armas, encosta-se numa estátua de Lênin caída no chão; em segundo plano, uma seqüência de tanques de guerra alinhados até o infinito. Aliás, há sempre essa questão da ideologia presente no filme. Se na Guerra Fria havia uma motivação ideológica para a corrida armamentista, depois de 1989 há somente o caos mercantilista. O filme baseia-se muito, no que diz respeito à imagem que passa dos traficantes de armas, num senso comum disseminado pela própria mídia, mas eu não saberia dizer em que medida aquelas questões factuais sobre o funcionamento do tráfico de armas são críveis ou não. Há a opinião de Niccol, claro, de que acima das ideologias há o capitalismo, corroendo qualquer outra base de valores que não seja a da acumulação. Há uma certa ironia política a respeito dos EUA também, numa cena “glauberiana” onde o ditador da Libéria diz ao traficante: “Bem-vindos à democracia”. O traficante fica espantado com a associação impossível entre o sistema político da Libéria e a democracia. Mas o ditador explica: depois do episódio da primeira eleição de Bush Jr., qualquer país como o dele poderia se dizer “democrático”.




Pensando armas e representação, pensei logo no filme de Bruce la Bruce, Raspberry Reich, que faz uma paródia pornográfica de filmes políticos da nouvelle vague e documentários soviéticos dos anos 1960. Penso em cenas como as primeiras, na qual a atriz, interpretando a líder de um grupo guerrilheiro, faz sexo explícito num cenário repleto de referências aos anos 1960. Entre outras coisas, vemos brincadeiras ótimas com esse imaginário revolucionário, como os atores praticando felação em revólveres. Apesar de fundamental, esse repensar das ideologias é pouco levado a sério. Mas me leva a especular, deleuzianamente, se um revólver nas mãos de um revolucionário cubano dos anos 1960 é a mesma coisa que o revólver que mata alguém durante um assalto; ou se a metralhadora folheada a ouro do filho do ditador da Libéria é a mesma coisa que a metralhadora folheada a ouro do traficante do morro carioca. Quais os agenciamentos maquínicos mobilizados em cada caso? Seria isso relevante ou não? Ajudaria isso a repensar esses filmes ou não? Os filmes nos ajudam a representar as armas, nos seus agenciamentos ideológicos ou não? Ok, tá parecendo discurso de estudante de filosofia da USP em 1968, termino o post por aqui!



*Ainda não cheguei a nenhuma conclusão sobre o que quero pensar a respeito do cinema político, mas como estou fazendo isso como hobby no blog, não pretendo chegar a nenhuma conclusão muito rapidamente.

3 de out. de 2005

Extra: The Boys From Brazil (Franklin Schaffner, EUA, 1978)




Acabo de ver esse filme, a respeito de um projeto para clonar Adolf Hitler e recriar o Reich a partir de um dos meninos... Fiquei espantado com a atualidade do debate ali feito: as técnicas de clonagem que conhecemos hoje funcionam da mesma forma como descrito no filme, numa seqüência assustadora. Um óvulo é retirado de uma doadora, e seu núcleo é destruído. Dentro desse óvulo implanta-se o material genético retirado de uma célula do organismo a ser clonado. Esse óvulo é então reimplantado na doadora, e se desenvolve até tornar-se uma cópia genética idêntica do doador da célula. As técnicas usadas para se criar a ovelha Dolly foram as mesmas: implantou-se o material genético de uma ovelha doadora adulta no óvulo de outra ovelha. Esse óvulo desenvolveu-se num clone da ovelha doadora do material genético.

Fascinante o cuidado com os detalhes no filme: havia uma amostra de 94 mães hospedeiras, todas inseridas em contextos familiares parecidos com aquele no qual cresceu Hitler. Mães amorosas, muito mais jovens que os pais; esses dominadores e sádicos. Isso tudo para que houvesse a maior probabilidade possível de que alguns desses Hitlers-mirins "vingasse" e adquirisse, além da composição genética do original, os seus traços de personalidade.

Outro fato interessante é a presença, no filme, de grupos judeus radicais, que são criticados pelo protagonista, um caçador de nazistas solitário, quase quixotesco. Esse personagem critica a adoção, por parte desses grupos, de táticas de terror, como uma aproximação entre eles e os nazistas. Ou seja, um filme futurista tanto na sua discussão científica, quanto nas crítics políticas.

De novo aquele meu tema recorrente: corpos e política. O cientista, explicando as técnicas de clonagem para o caçador de nazista, fica extasiado com a possibilidade de que alguém esteja clonando seres humanos. Imagine, diz ele, um mundo povoado por Mozarts, Picassos, gênios e artistas! Mas quem é clonado é Hitler, num programa secreto de ressureição. Fica a sugestão do anti-cristo, um Damien biotecnológico, tema recorrente em tantas análises do projeto Genoma. Recorrente na forma da crítica da imitação da criação por parte do Homem. que direito teríamos em brincar com a "criação"? Filmes como Gattaca, Código 64, e até alguns do Cronenberg, colocam essa questão filosófica, e cada vez mais prática: como regrar, imaginar, expressar, pensar o corpo manipulável? Ou a natureza manipulável? A quem cabe coordenar e ditar a ética desse novo mundo?

2 de out. de 2005

I tre volti della paura (Mario Bava, 1963)




Depois de tanto tempo, precisava vir aqui e tirar o atraso. A minha vida ultimamente anda agitada demais, e não ando tendo tanto tempo para reflexões maiores quanto antes, por isso não ando publicando nada. Mas acabei de ver um filme que queria deixar comentado, nem que seja para tirar a poeira do blog. Eu já havia gostado muito de Cães Raivosos, do Bava, quando o vi na Sessão Comodoro, e até escrevi um micro-conto por causa do filme. Dessa vez tive a chance de ver um filme delicioso, I tre volti della paura (ou Black Sabbath), baseado em três contos clássicos de terror. Além de ser um filme de Mario Bava, e de ser baseado em contos do tipo que eu mais adoro, o filme tem como argumento tratar de como o amor pode ter um componente aterrorizante. Ou, dito de outra forma, e já interpretando mais: como, por vezes, destruímos aquelas coisas que mais amamos.

Essa questão aparece de forma brilhante na primeira história, O Telefone, que me deixou nervoso do começo ao fim. Uma moça atende telefonemas macabros de um suposto ex-amante, que lhe ameaça matar, deixando claro que ele está observando cada passo da moça. Esta, assustada, liga para uma "amiga", após ler a notícia de que um ex-amante seu havia fugido da prisão. Ficamos sabendo que essa amizade havia sido interrompida pela moça, por alguma razão, e também logo vemos que há ali um triângulo amoroso bizarro: a moça assustada, a amiga rechaçada e o amante fugitivo. A amiga era (penso), na verdade, apaixonada pela moça, e parece que foi por isso mesmo que a moça afastou-se dela. Essa amiga, com ódio da rejeição, arma o esquema dos telefonemas, exatamente para conseguir uma reaproximação. A moça, ainda que não goste tanto de mulheres sexualmente, estava envolvida pela relação, que incluía um elemento de proteção. Quando ela se viu em perigo, logo esqueceu o rompimento e ligou para a sua amiga. Quando o desejo dessa amiga de rever a moça é satisfeito, e ela consegue consolar a moça, cuidar dela, e voltar a entrar em sua casa, ela confessa em carta a armação dos telefonemas. Mas tarde demais, pois o amante fugitivo aparece para acertar contas...

O amor como relação de poder, o amor como possessivo e macabro. Nesse conto, a moça é a parte frágil e dependente de um relacionamento doentio com a sua amiga. Ela nega para si, mas depende da outra, que se aproveita disso para satisfazer sua paixão. O amante fugitivo da prisão, e concorrente, odeia essa amiga por causa disso. A amiga da moça, que havia prometido jamais chegar perto dela de novo, não aceita ser rejeitada, e busca impor a sua vontade com uma armação. Lesbo-exploitation?

Pensei no quanto a primeira história me lembrou o Mojica Marins, especialmente no meu filme favorito, O Despertar da Besta. Ali o terror aparece na forma de coisas do contemporâneo, relidas numa narrativa fantástica: o LSD, as perversões sexuais, o desvio social, que nos anos 1960 estavam na ordem do dia dos debates públicos. Numa jogada ótima de meta-linguagem, por exemplo, Mojica filma um programa de televisão do qual fez parte, que o apontava (entre outras coisas) como parte dessa degeneração que tomava conta da cultura. No experimento concebido como argumento do filme, alguns estudiosos levam diversas pessoas das mais variadas origens sociais para experimentar sensasões da cidade. Mojica usa esse artifício para falar da São Paulo do seu tempo: drogas, contra-cultura (na forma de uma peça de Zé Celso), sexualidade e ele próprio, na forma do Zé do Caixão.

Ou seja, o terror, pelo menos em alguns filmes dos anos 1960, não seria mais interessante por tratar de questões como essas de "desvio social", como drogas, homo e bissexualidade, dissolução dos valores familiares tradicionais? Não seria uma forma narrativa de lidar com dilemas psico-sociais, com expressões do desvio e de zonas escuras, proibidas, que ainda assim vinham à tona? Não teriam nascido assim tantos dos nossos estereótipos a respeito do que configura uma boa história de terror? E por não pensarmos o que causa terror nos tempos atuais, por isso mesmo não conseguimos desenvolver nossos próprios gêneros de terror, que não sejam novas digestões de histórias antigas? Allan Poe, por exemplo, falava do seu tempo quando escrevia sobre hipnose, eletricidade e descobertas científicas, como parte do seu arsenal literário.

O segundo conto trata de uma espécie de vampiro, que nessa história são cadáveres que, após a morte, vêm beber o sangue daquele que mais amou. Amor, sangue, posse, morte, sexo, ambigüidade sexual: nada melhor para se fazer um filme! Achei interessante alguns detalhes: por exemplo, para expressar o poder hipnótico que o vampiro tem sobre sua vítima, Bava não recorre a nenhum efeito especial. Mostra o rosto do vampiro, depois corta para a moça levantando, e andando em direção ao seu destino trágico. A falta de explicação que esclareça o porquê dela fazer isso parece sugerir esse poder sobrenatural. O amor aqui aparece como paixão trágica, e a pulsão destruidora aparece na forma do Wurdalak, ou vampiro, e não na forma psicologizante ou "realista" da primeira história.

Mas o mais atraente, para mim, nesses dois filmes de Bava que vi, é a forma como ele aborda esses relacionamentos, sem perder de vista o que traz o espectador ao filme: o suspense, o terror. Os personagens são ricos, complexos, mas tudo isso aparece sem quase nenhuma explicação. Será que eu é que invento histórias mirabolantes para enredos simplistas? Bom, espero que não, acho que não! Mas ainda que fosse tudo mirabolação minha, talvez seja por isso mesmo que eu goste desses filmes: me instigam a pensar, a mirabolar histórias, coisa que eu adoro fazer e nem sempre tenho a oportunidade. Como que para preencher os vazios entre os fotogramas. De qualquer forma, fica confirmado que Bava é um dos meus favoritos...

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