Especulações livres

14 de abr. de 2006

Eu queria dizer algo, mas não sei o quê

Eu queria que as pessoas não se intimidassem tanto comigo... Fraco. Queria que não se escondessem por trás de máscaras. Ou, se não querem aparecer, que não dizessem para os outros que são abertas. Eu queria dizer algo para alguém hoje, mas não sei quem é esta pessoa, nem do que se trata isto que eu gostaria de ter dito. Confusão. De alguma forma estou aliviado: no escuro, não tenho mais a falsa certeza de que sabia por onde andava. As minhas certezas me trouxeram até aqui, mas me fizeram tropeçar. Caí, quebrei alguns dentes, arranhei minha testa, esfolei meu joelho. Me perdi da manada, desconheço o caminho a seguir. São várias estradas, de todos os tipos. Há uma de terra, com grama crescendo nas beiradas; há uma de pedra, imitando uma antiga estrada romana. Há uma toda asfaltada, por onde passam carros em grande velocidade. Como naquele dia, o fatídico dia em que fui deixado, eu e mais três companheiros, na beira da estrada, de madrugada. A qualquer momento poderíamos ter sido atropelados por um desses carros velozes! Conseguimos atravessar o barro e chegar a um ponto de táxi. Ali dois rapazes cheiravam o que me pareceu ser cocaína (afinal como saber?), fiquei com medo. Chamamos um táxi, mas conseguimos uma carona antes. Totalmente expostos, ainda que tivéssemos um ao outro. Eu não conhecia nenhum dos três: voltavam de um show. Santana? Não me agrada muito, não sou fã de músicas como essas, e nem gosto de ir a shows. Um deles, o mais bonito, era-me muito familiar. Havíamos feito a mesma faculdade. Ele era filósofo, eu descobri ali, enquanto conversáva-mos no escuro. Um escuro gostoso, no último banco do decadente ônibus da Cometa. Ele tinha síndrome do pânico, vivia medicado. Ainda assim, estava namorando, e estava num show, e havia perdido o último ônibus para casa; assim como eu, que nunca tive nada, que sempre fora "normal" e responsável, mas que ainda assim permanecia sozinho e raivoso. Raivoso, por que sozinho? Ou sozinho, por que raivoso? Adorava essa espécie de auto-flagelo com joguinhos mentais inúteis. E ainda criticava o outro por tomar anti-depressivos. E ainda sentia medo dessa pessoa. Medo de quê? E ainda assim, foi ele que me fez companhia nesse dia, até chegarmos na nossa cidade. E ainda assim, foi a sua namorada/esposa quem me deixou a poucos metros da minha casa. Ainda há pouco, eu estava desesperado, na rodoviária, pois tinha perdido o último ônibus. Ainda há pouco, eu estava na beira da rodovia, andando, totalmente perdido. Anjos existem? Anjos são sempre caídos? Ele me levou, mas eu corria muito perigo. Perigo que eu mesmo busquei. Quando percebi o que estava acontecendo, ele me disse: quero dormir na sua casa. Eu disse que não. Tinha visitas. Não haveria sexo fácil para ele hoje, e nem para mim. Sexo é sempre fácil... Ainda que você não o queira. Quando percebi o que tinha acontecido, ele me contou: comprei cocaína. De novo. De novo eu estou aqui, nessa situação. Você se parece demais com ele, tive que lhe dizer hoje ao telefone. Eu gostava de você por que você era diferente; mas aqui está você, cheirando cocaína escondido, assim como ele fazia. Aqui você está, colocando-me em perigo. Aqui estou eu me jogando no perigo, deixando que outros me levem, abrindo mão das minhas escolhas. O oposto do autoritarismo é a falta de personalidade? Para descansar da repressão a que me submeto, para conseguir descansar das leis que eu mesmo construí para mim, eu desligo meu poder de decisão... e depois reclamo! Pura hipocrisia! Se você não toma responsabilidade por aquilo que faz, se você se deixa levar por esse tipo de situação, então a culpa é sua também. Dizem por aí que a culpa é para os tolos, os fracos, etc. Eu sinto culpa, eu me culpo, eu me tranquilizo culpando os outros pelos meus problemas. E daí se sou fraco!! Quem é você para me julgar?

12 de abr. de 2006

Flesh (Andy Warhol/Paul Morrisey, 1968)


A cada filme que assisto de Andy Warhol (ou por ele produzido) fico mais empolgado e tenho menos palavras para analisar. Tipo quanto mais sei, mais vejo que nada sei mesmo. Fico intimidado nas análises, pois vejo que o material é muito mais rico do que eu supunha de início. Especialmente em se falando de discussões sobre sexualidade, vida urbana, identidades sexuais, coisas que me interessam bastante. O impacto que tenho hoje é muito maior do que tive há muitos anos atrás, quando vi Drácula e Frankestein de Andy Warhol. Mas essas vezes não contam, pois eu era muito novo para saber o que eu estava vendo e, de fato, não me lembro de muita coisa. Só me lembro que era muito bom. Hoje em dia, ao ver esses filmes, o prazer é então não somente estético, mas de uma certa nostalgia de tempos de descoberta mais intensos. Percebi que Flesh, de 1968, escrito e dirigido por Paul Morrisey, foi o primeiro de uma trilogia de filmes produzido pela Factory de Andy Warhol. O segundo filme da série, Trash, eu já comentei abaixo. O terceiro, Heat, está em vias de ser viabilizado para uma sessão.
Como li em uma crítica na internet, Flesh meio que homenageia, ou baseia-se nos filmes experimentais que Andy Warhol estava fazendo desde o início dos anos 60, como Sleep, Blow Job, Hand Job, etc. Alguns deles eu tive o provilégio de assistir em São Paulo, em mostras diversas. Realmente vemos aqui diversas referências a filmes de Andy Warhol. Como na fantástica cena em que nosso herói, Joe Dallessandro, recebe uma mamada de sua ex-namorada (?), uma dançarina e stripper (no filme e na vida real). Não há como distinguir se o fato ocorre de verdade ou não. Enquanto isso, logo ao lado, duas "drag queens" conversam sobre fofocas de Hollywood, enquanto lêem partes de uma revista de cinema. A sobreposição de sentidos aqui é intensa, e são cenas assim que me causam tantas sinapses ao mesmo tempo que eu fico em transe. As passagens lidas pelas duas drags são pérolas, trechos de dicas de maquiagem, comentários sobre os corpos das atrizes, dicas de roupa, expressões coloquiais. O visual das duas é um prazer à parte: pesadamente maquiadas, parecem duas atrizes decadentes de Hollywood, fumando e fazendo fofocas. Uma delas é loira platinada, com vários centímetros de raízes à mostra. A artificialidade das "drags" é comparada com os discursos sobre feminilidade das revistas, causando uma certa confusão (consciente ou não) quanto ao que é real ou artificial. Obsessão com magreza, maquiagem, a importância da moda, o apagamento de fronteiras tradicionais entre masculino/feminino, são todos temas possíveis de serem discutidos ali. Logo depois, finda a sessão de sexo oral, a cena se desloca para conversas entre a stripper e Joe. Ela quer colocar injeções de silicone para aumentar e endurecer seus seios, e os personagens discutem as vantagens e desvantagens disso. Ela olha para uma planta e diz que é natural, enquanto os outros dizem que é artificial. Ela declara, numa voz fanha e com expressão que sugere ingenuidade, que é capaz de perceber entre o que é de verdade e o que é artificial, pelo menos ela acha que pode. De novo, minha descrição rápida da cena não consegue dar conta da riqueza de referências envolvidas ali.
Numa outra cena intrigante, Joe (que é um garoto de programa no filme) conversa com um de seus clientes, um veterano da Guerra da Koréia que exibe uma enorme cicatriz. Em tempos de Brokeback Mountain é interessante ver como a vanguarda de 1968 já fazia debates com os quais ainda lidamos hoje. A cena é cheia de carinho e tesão entre os dois, e ao mesmo tempo é um embate entre o cliente apaixonado e o michê que tenta seduzir o cliente pelo dinheiro. Ambos estão claramente envolvidos numa relação complexa, e tentam o tempo todo jogar com os sentimentos para seus próprios fins. Joe pede 30 dólares, e seu cliente pede que se mude com ele. Num determinado momento esse cliente diz "we're not queers" (não somos viados), ao que Joe responde "sim, mas nem todo mundo entende essa nossa amizade". O filme lida com esse tema o tempo todo, como numa outra cena, na qual Joe dá dicas de como fazer programas para michês iniciantes. Ele diz que ninguém é straight (careta, ou heterossexual), e que não importa o que você faça: você deve fazer o que precisa fazer (no caso, para ganhar dinheiro). O michê iniciante não aceita esse argumento, e diz que ainda se incomoda, ainda que esteja interessado no dinheiro dos clientes.
Em uma outra cena, o michê Joe é levado por um artista, que o usa como modelo. Enquanto Joe faz poses clássicas gregas, simulando jogar o disco ou iniciar uma corrida (com a câmera atenta o tempo todo para as nuanças de seus músculos), o artista discorre sobre o corpo humano representado pela arte. Nessa cena mais teórica talvez temos uma chave interpretativa mais segura para entender algumas das motivaçõesde Paul Morrisey e Andy Warhol. Outros elementos que me intrigam são: a forma como os filmes confundem o realismo, a narrativa, a referencialidade: são fatos reais o que vemos? São cenas ensaiadas? São improvisos? Quanto da realidade aparece ali? Qual é o estatuto dessa realidade, uma vez que não conseguimos perceber esse real sem mediações linguísticas, artísticas, estéticas, etc.? Acho que Andy Warhol é importante para entendermos o tempo em que vivemos, repleto de reality shows, videologs, fotologs, blogs, etc., onde a realidade está o tempo todo "na mídia", e não conseguimos mais perceber a diferença entre as duas (ou essa diferença perdeu o sentido).

9 de abr. de 2006

Novo cinema japonês: Clube do suicídio


Outra dica rápida para fãs do "cinema extremo", filmes de terror, freqüentadores das Sessões Comodoro em São Paulo, ou cinéfilos em geral: assistam assim que puderem ao filme japonês Suicide Club (Jisatsu Sakuru, 2002), escrito e dirigido por Sion Sono. Primeiro filme "convencional" do diretor, cuja carreira está mais ligada a filmes ponográficos gays. Um filme incomum em todos os sentidos, filosófico, aterrorizante, inovador e sensível, ainda que um tanto niilista. Um comentário sobre a vida japonesa contemporânea, e uma história de terror sobre um fenômeno que acontece com certa frequencia: suicídios combinados pela internet.
A história do filme gira em torno desses suicídios, e começa com uma cena macabra na qual 54 meninas com idades em torno de 14 anos se jogam na linha do metrô. A forma como as mortes são mostradas é impressionante, sangrenta, perturbadora. Surge um mistério, que envolve um site misterioso, uma banda pop formada por crianças e policiais atônitos em busca de respostas, enquanto o número de vítimas não para de subir.

Muitas questões podem ser levantadas a partir desse filme, como a falta de sentido na vida desses jovens; a "desconexão" de toda uma geração de jovens dos valores de seus pais e avós; a ausência de valores de uma sociedade na qual cohabitam o extremo da tradição e o extremo do consumismo; e a busca por experiências verdadeiras e que façam sentido para elas. Para terminar um post pouco inspirado, só posso dizer que é um filme que merece ser visto, e que com certeza perturbará a sua paz por alguns momentos, no bom sentido, o de trazer à tona reflexões submersas, pensamentos pouco agradáveis ainda que extremamente necessários.

7 de abr. de 2006

Repassando notícias interessantes

[retirado do site www.mixbrasil.com.br]

7/4/2006 - 14:14

:: Alemães homenageiam homossexuais mortos pelo nazismo

A Câmara Baixa do Parlamento alemão prestou homenagem aos gays vítimas do nazismo com a inauguração de uma exposição sobre a perseguição no III Reich.

Com o título "Perseguição aos homossexuais durante o nacional-socialismo", a exposição estará aberta até o dia 28 de abril no edifício Paul Loebe, onde os deputados despacham e realizam reuniões parlamentares.

Esta é a primeira vez que o Parlamento alemão se manifesta sobre a perseguição de homossexuais capitaneadas por Hitler. A organização da mostra é da ONG Rosa Winkel (Triângulo Rosa). Segundo os organizadores, gays são as "vítimas esquecidas" do holocausto.

Apesar da homossexualidade ter sido proibida na Alemanha em 1871, com a entrada em vigor do Código Penal do Reich, durante a República de Weimar (1919-1933) a cena gay era muito intensa em Berlim, com 77 locais conhecidos de freqüência forte de homossexuais.

No entanto, a ascensão do nazismo iniciou forte perseguição. Em 1933, 674 homens foram condenados por homossexualidade e, em 1938, 8.177. O assassinato do chefe do grupo paramilitar SA, o homossexual Ernst Roehm, iniciou período de "caça aos gays" por parte dos nazistas.
Em 1936, foi criada a Central do Reich para a Luta contra a Homossexualidade e o Aborto Provocado que funcionava com a supervisão da polícia secreta, SS.

2 de abr. de 2006

Subversões: Spike Lee e Andy Warhol



Tive o imenso prazer de assistir a dois filmes supreendentes nos últimos dias: Trash, de Paul Morrisey (produzido por Andy Warhol, 1970) e Inside Man, de Spike Lee (2006). Não ando com tempo para grandes elocubrações, mas os filmes são inspiradores demais para ficarem de fora deste blog.

O filme de Spike Lee é daqueles que eu gostaria que durassem quatro, cinco horas. Simplesmente um prazer ficar assistindo à história e à forma como tudo se desenrola. Jodie Foster faz um papel pequeno no filme, mas demonstra ser daquelas figuras que brilham por si só, de maneira inexplicável. Pode ser uma análise de fã, mas fico embasbacado com o poder da atriz. A personagem por ela vivida, extremamente interessante, também ajuda. Na pele de uma "faz-tudo" de luxo, ela é paga para resolver problemas, não importa quais. Mas o mais interessante do filme não é ela, e sim a forma com Spike Lee consegue, além de contar uma história mirabolante sobre o assalto que foi sem nunca ter sido, continuar sendo o velho Spike e fazer comentários ácidos o tempo todo sobre a política racial dos Estados Unidos. Em várias cenas a coisa é explícita: ele critica a cultura "gangsta" como corrupção da juventude negra, mostrando um videogame no qual o objetivo é vender crack, assassinar rivais e assaltar. A cena fala por si, e o uso da criança negra é simbólico e poderoso. Uma outra cena que me fez gargalhar sozinho no cinema foi a de Denzel Washington, com um anel de diamantes no dedo médio, mandando o "poder branco", racista e hipócrita, literalmente se fuder; não apenas no filme, mas no mundo inteiro, na indústria cinematográfica, na política. Quase como se Spike Lee estivesse ali encarnado em Denzel, dando um foda-se para o poder do dinheiro sujo e o racismo. Em várias outras cenas, a política de Spike Lee é mais sutil. O cuidado que ele tem em enquadrar atores negros, por exemplo. Ou a forma como os personagens negros aparecem e são construídos. Não via um filme de Spike Lee desde o ultra-politizado Bamboozled (2000), e fiquei impressionado com a continuidade da força de Spike como cineasta militante. Por vezes há uma certa petulância adolescente na forma como o diretor trata dessa questão (especialmente nas cenas finais do filme), mas dado o contexto racista no mundo ocidental, é maravilhoso ver alguém dizendo coisas que vão além do óbvio.

Muito além de qualquer óbvio está Trash (1970), dirigido por Paul Morrisey e produzido por Andy Warhol.

Tive a chance de assistir a este filme há muito tempo atrás, quando tinha uns 15 anos. Vendo o filme hoje, 15 anos depois, fico surpreso com a quantidade de perversões e subversões que o filme consegue apresentar. Ainda hoje fiquei chocado com algumas cenas de uso de drogas e "corrupção de valores", especialmente ligados ao sexo.
Na foto ao lado vemos Holly, travesti/drag queen que rouba a cena do filme sempre que aparece, especialmente ao lado de Joe Dalessandro, estrela de vários filmes de Andy Warhol. O filme acontece por meio de situações, que aparentemente são criadas a partir de improvisos dos atores. Na maioria delas, Joe Dalessandro está injetando (aparentemente de verdade) heroína. Holly, que no filme é como a amante de Joe, reclama que as drogas o tornaram impotente. Enquanto isso, seduz um garoto menor de idade a tomar heroína. No seu torpor, ela "se aproveita" do garoto. Numa outra cena hilária, desconcertante e complexa, Joe tenta roubar uma casa e é supreendido pela dona, uma figura absurda que aparentemente casou-se com um homem rico pelo dinheiro e é tão ou mais desequilibrada que o casal Joe e Holly. Assim que percebe a beleza física do rapaz, propõe que este a estupre no sofá. Quando seu marido chega e supreende os dois, ela apresenta Joe ao marido como amigo de infância, e lhe dá um banho. No banheiro, propõe que Joe transe com seu marido, ou com o casal, a que Joe responde quase monossilábico de forma negativa. Parece que o rapaz só se interessa mesmo pela heroína. No decorrer da cena, o marido dá a Joe uma seringa e este injeta a droga, sob os olhares histéricos da esposa e seu marido. Enquanto Joe se droga, eles começam a discutir, tornando a situação altamente tensa. Por fim, o marido expulsa um Joe altamente drogado de casa, por medo de que morresse de overdose.
A explicação literal de cada cena não traduz nem de perto o poder do filme. Mais do que uma coleção de situações absurdas, o filme é quase que uma investigação a respeito das razões do ser humano. Vemos críticas ao modo de vida da época, que glamourizava essa subversão como "alternativa", num debate altamente sofisticado a respeito de como uma aparente subversão de valores está, na verdade, muitas vezes presa à repetição das mesmas estruturas. A cena na qual Holly, encenando uma gravidez, conversa com o assistente social para receber ajuda do governo, é extremamente marcante. O assistente, com um broche hippie, se deslumbra com a forma de vida do casal, e sugere que Holly lhe dê seus sapatos em troca de uma recomendação favorável à ajuda mensal. Poderíamos pensar nas motivações de cada lado, na forma como a interação ocorre, no contexto explorado pela cena, nas relações de poder ali encenadas.
PS1: Não posso esquecer de mencionar Mojica Marins, que em seu filme Rituais Sádicos (a. k. a Despertar da Besta, 1970) faz comentários bastante parecidos a respeito das drogas e das revoluções nos costumes na cidade de São Paulo. Mal interpretado como cinema "B" ou "trash", Mojica participa desse debate, ainda que seja improvável que tenha tido contato com Warhol ou com as vanguardas de Nova York. O fato de que achemos um filme como Trash "cult" e um filme como Despertar da Besta "trash" é sintoma da ignorância da nossa inteligência brasileira, marcada por valores coloniais e subservientes. Consumimos a subversão alheia enquanto destruímos a nossa própria. Artistas como Mojica, que conseguiram vivenciar sua arte, produzí-la e dizer algo ao mundo, contra todas as adversidades, mereceriam um tratamento mais digno, ainda que somente nas páginas de críticos e intelectuais.
PS: Subversão é uma palavra ambígua, que encerra uma gama enorme de potenciais significados. Há uma certa banalização da subversão atualmente, talvez invenção dos anos 1960 (comentada pelo filme de Trash), e que deslumbra todo tipo de pessoa que se pensa crítico da sociedade. Não há hoje em dia alternativa aparente a isso: compramos a subversão em shoppings, depois a trocamos pela nova moda da temporada; somos quase que uma geração à deriva, sem ideais nem certezas. Isso pode ser bom, pois não seguimos fórmulas aparentemente fáceis. Mas isso nos tira também a leveza de buscar modos de vida e objetivos próprios, alternativos e que proponham valores que façam sentido para nós. A construção e a vivência de valores novos é algo importante, mas algo mal resolvido na minha cabeça. Oscilo entre um neo-conservadorismo e uma nostalgia hippie desde que me decidi pelas ciências sociais. Ou seja, continuo altamente mal-resolvido! E continuo a busca, pois é ela que interessa.

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