Especulações livres

2 de dez. de 2005

Uma história de violência

Sobre o recente episódio com o ônibus queimado no Rio de Janeiro, fiquei sem palavras. Mas queria comentar, e hoje achei as palavras adequadas numa reportagem da Folha de S. Paulo. Fica parecendo que nós, de outras cidades, estamos melhores, mas isso é ilusório. Talvez as chacinas e arrastões que ocorrem em São Paulo, por exemplo, sejam menos debatidos e divulgados. Ou não atrapalhem a circulação no eixo Rua da Consolação-Avenida Paulista-Rua Augusta, ainda.

Polícia iniciou ciclo violento no Rio com chacinas, diz estudioso

JOÃO PEQUENO, COLABORAÇÃO PARA A FOLHA (02/12/2005)

Foi a própria polícia que começou a escalada da violência que culminou com o incêndio provocado por traficantes no ônibus da linha 350, na terça-feira. A tese é do geógrafo Jailson de Souza e Silva, professor da Universidade Federal Fluminense e coordenador da ONG Observatório de Favelas.Silva explica que ações desse tipo tiveram início no começo da década de 90, com chacinas como a de Vigário Geral, ocorrida em agosto de 1993, quando um grupo de extermínio formado por policiais militares, autodenominado Cavalos Corredores, matou 21 moradores daquela favela, na zona norte do Rio, para vingar a morte de quatro colegas do 9º Batalhão da PM (Rocha Miranda, zona norte do Rio)."O combate irracional da chamada "guerra às drogas" legitimou o uso da violência sob o pretexto do combate à criminalidade. Nessa estratégia -que em mais de 20 anos não teve uma consequência positiva sequer-, os moradores das favelas deixaram de ser cidadãos protegidos pela polícia para serem a população civil do território inimigo, contra a qual soldados cometem crimes de guerra", analisa o geógrafo.Silva prossegue: "Isso passou a valer tanto para policiais da banda podre quanto para traficantes que atacam moradores de áreas dominadas por facções rivais. Ou, como dizem, "do asfalto", em retaliação a ações da polícia, com a qual eles não têm nenhuma ligação, como foi o caso de terça. Mas o que eles fizeram não foi nada diferente dos Cavalos Corredores de Vigário", analisa.O geógrafo cita também as chacinas de Acari (11 mortos, em 1990), da Candelária (sete mortos, em 1993) e, neste ano, a de Nova Iguaçu e Queimados, na Baixada Fluminense (29 mortos).Professor do Laboratório de Análises da Violência da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), o sociólogo Ignácio Cano aponta o caso da Baixada Fluminense e o do ataque ao ônibus como resultados de uma legitimação da violência, que levaria a ações cada vez mais extremas."Na Baixada Fluminense , não houve nem morte de policial, como em Vigário. Eles [os PMs responsáveis pela chacina] protestavam contra o comandante de um batalhão e, apenas por isso, mataram 29 pessoas que nada tinham a ver com o caso deles. E mataram 29 porque matar só duas ou três não chama mais a atenção. No incêndio de terça foi a mesma coisa. Queimar ônibus não choca mais, então os traficantes deixaram os passageiros presos para morrerem e, assim, mostrarem serviço", afirmou Cano.

Um comentário:

Rodrigo disse...

Nossa...

Fazendo um paralelo com os incêndios de Paris, amigos que continuam lá dizem que nem estão sabendo do que está acontecendo. Aí eu tentei pesquisar sobre o assunto e descobri que "banlieu" (=subúrbio) vem da junção de banir e lieu (lugar). Um lugar a ser banido, esquecido. Certos fenômenos são mesmo mundiais.

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