Especulações livres

6 de set. de 2005

Sobre a "crise"



A idéia para esse post me veio antes de ver a charge (publicada ontem, dia 05/09/2005, na Folha de S.Paulo), mas creio que ela ilustra de maneira interessante as coisas que andei pensando. Eu parei de comentar sobre esse assunto aqui, devido a uma dificuldade de assimilar e de digerir tanta informação, vinda de todos os lados, acrescida de uma incredulidade geral com o que estava acontecendo. Via meus amigos, outrora petistas apaixonados, fazendo discursos anti-PT dignos de qualquer tucano. Eu ficava sempre intrigado, pois nunca compartilhei de um certo sentimento de abandono da política que insiste em contaminar a todos com quem tento conversar sobre esse tipo de assunto. Ou melhor: eu tentava, a todo tempo, negar esse sentimento, ou lutar contra ele, afinal minhas primeiras experiências intelectuais sempre foram pensando a política, especialmente a transição democrática a partir de 1979. Enfim, pensar política, conversar de política, ler sobre política, para mim era sempre um exercício de otimismo, de construção de coisas novas e melhores, de pensar novos rumos para a sociedade em que vivemos.
Com a derrocada do petismo romântico, havia o papo do "silêncio dos intelectuais", tão adeptos da defesa de Lula e do seu potencial. Hoje, poucos negariam a verdade expressa na charge acima, de que Lula, enquanto símbolo, perdeu o bonde dos acontecimentos. O que eu me recuso a fazer é tomar isso como um fim da política, ou um fim da história do Brasil. Como se Lula, o último a ter o potencial de salvar a nação, levasse com o seu fracasso toda a possibilidade de política no país. Só nos restaria louvar a Jefferson, ACM e sua turma, paladinos da ética, na luta para destruir um governo de "ineptos e amadores". Termos tão difundidos pela mídia, afoita em enterrar toda a experiência do governo atual.
O que venho percebendo é que, com a confirmação de que a população em geral perdeu a confiança em Lula, o ímpeto dos oposicionistas arrefeceu. Debate-se agora se Serra ou Alckmin serão empossados, levados pelo clamor popular pela ética. Triste conclusão de um processo histórico tão importante: os tucanos aclamados como salvadores da pátria, e os petistas desmoralizados. O que não podemos é comprar a novela tal qual ela nos é apresentada pela TV, por mais difícil que isso seja. Não existem mocinhos e bandidos, e a política não acabou. Essa "crise", por vezes, me parece nada menos do que o pleno funcionamento da democracia, coisa tão rara e exótica por essas terras, que nomeamos isso de catástrofe política.
O fim dos messianismos é bom para a sociedade brasileira. O fim do romantismo que elegeu Lula salvador da pátria é um ganho, e não uma perda. A eleição de Lula desencadeou, a meu ver, uma série de eventos que culmina no processo que vivemos hoje, de luta aberta pelo poder. A intensificação dessa luta expõe a pobreza das nossas instituições, quando deputados renunciam para fugir à cassação, e quando Severino é réu e juiz de seu próprio processo investigativo. Deveríamos estar pensando e discutindo os rumos a tomar para frente, no curto e médio prazo, no sentido de intensificar a democracia, facilitar processos de investigação, e não perder meses e meses com análises e libelos anti-petistas. Só quem foi ingênuo de achar que o PT era virgem e incapaz de erro sente-se traído a ponto de perder a crença na política. A política existe independente disso tudo, e governantes continurão a se eleger (deus queira! Antes isso do que tomarem o poder por outras vias), quero queiramos, quer não.
Uma lição valiosa que precisamos aprender é a de que democracia envolve disputas de poder. Essas precisam ser regradas, aperfeiçoadas, e não abafadas ou desestimuladas, como algumas propostas de reforma política parecem querer promover. A eleição de Lula e da esquerda brasileira não é somente a prova da incapacidade desse grupo de governar: isso é simplista, e serve para legitimar uma continuidade perigosa e danosa para a sociedade. Pois foi somente por que houve a eleição de um grupo diferente que foi possível ocorrerem brigas, que levaram ao processo purgatório pelo qual passamos. Uma democracia saudável saberá explorar essas brigas para promover o bem-estar e o acesso da demos à pólis.

3 comentários:

Anônimo disse...

Poxa cara, muito obrigado pelo comment no meu simplório blogo, vou pensar bastante sobre o que me disse a respeito de errar e não ter medo disso, afinal o espaço é livre e as opiniões diversas estão aí para isso, para uma troca contínua, e isso é muito enriquecedor para ambas as partes. O curta é dum extremo caralho, e mesmo com todo aquele ambiente sombrio e sufocante, achei de uma sutileza que nunca tinha visto, até então, em filmes voltados para o horror. Sobre tudo isso que está acontecendo na política, queria não ser tomado pelo sentimento de niilismo, descaso e desprezo pelos nossos governantes, mas isso não aconteceu de imediato, aos poucos fui perdendo meu tesão de discutir política, já fui ávido por isso e lia tudo, ia atrás (até trabalhei para o PT), mas cansei. E não vejo Lula como um "traidor", como todos dizem, e muito menos encaro Roberto Jefferson, tucanos, ACM Neto e cia. como "heróis". Ouço e leio tanto sobre isso na faculdade que chego a ficar zonzo. Talvez, quem sabe, daqui a algum tempo, eu possa mudar de idéia. Um grande abraço.

Anônimo disse...

A charge é, parafraseando Millor Fernandes, flor do lodo: brota nas horas e lugares mais impróprios

Anônimo disse...

teu link tá atualizado no 'Monstro'

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