Especulações livres

13 de nov. de 2005

Marcas da Violência


Ontem finalmente consegui assistir ao último de David Cronenberg, A History of Violence. Achei diferente de tudo que tinha visto dele, mas de uma forma mais interessante do que Spider, que me passou esse mesmo sentimento (mas de uma forma negativa). Calma fãs, eu não quero aqui desmerecer esse título; me considero tão fã do diretor quanto qualquer um. Mas acho que ainda não absorvi o Spider, nem entendi direito. No Marcas da Violência, há talvez uma narrativa mais fácil de ser digerida, há o gore, o sangue; há portanto coisas familiares que ajudam a criar alguma relação com a história. Como ando muito intimista nos últimos meses, o que eu vi no filme é uma belíssima história de desagregação. Não que a desagregação do mundo do protagonista seja ela mesma, de alguma forma, bela; mas a história, da maneira como foi contada, me tocou bastante neste ponto. Claro que essa leitura deriva de minha experiência pessoal recente, e talvez esse tema esteja mais em pauta na minha própria vida do que no filme, mas acho que não erro em dizer que se trata de uma narrativa de perda de referências, de fim de ilusões, de realinhamento de expectativas. A perda de um modo de vida idílico, por conta de uma casualidade totalmente imprevista, talvez coloque a questão da possibilidade mesma de se fugir do passado, de se fugir das trajetórias que construímos para nós mesmos. Podemos apagar erros do passado simplesmente negando tudo? Podemos nos tornar outra pessoa? Não como numa redenção, mas na forma de uma recriação do próprio eu? Enfim, questões quase psicanalíticas, que podem ter a ver com outros filmes do diretor (inclusive Spider, The Brood, etc.). Conversando com um colega meu, que estuda sociologia do cinema, fui lembrado da inevitável leitura política do filme. Ou seja, esse filme seria uma forma de Cronenberg falar da chamada era Bush (supostamente o diretor teria mencionado essa leitura numa entrevista ao Mais!, mas não me recordo agora). Ainda que faça todo o sentido, isso me remeteu a outro comentário que queria fazer, já que estou prestes a ir ver o Manderlay de Lars von Trier: a questão da crítica à sociedade americana no cinema e na crítica cultural em geral. Muitas críticas parecem ver um bom filme somente no fato deste ou aquele diretor estar criticando a truculência ou o imperialismo dos americanos. Sempre fui contra esse tipo de leitura simplista do contexto atual, até por que ele perde de vista o real perigo das doutrinas de Bush. Sobre esse tema venho falando aqui há algum tempo (ver o link Komentarista antigo, para posts sobre isso). Há todo um debate interno nos EUA sobre o fim da sua democracia, em torno de questões como a tortura e a interpretação da Constituição. É fácil querer ver críticas a Bush em tudo, mas pensando em Cronenberg, será que a metáfora faz sentido? Será que o pai é uma figura que representa a truculência, a violência dos EUA? Penso que a figura do protagonista é um personagem complexo, ambíguo, nem herói nem vilão. Seria a violência, disse aquele meu amigo, uma arma válida para manter um status quo qualquer favorável? Poderia haver redenção, ele continua, pela violência? Ou ela marca um processo de multiplicação, proliferação dela mesma?

2 comentários:

Anônimo disse...

Desconfio do cinema do Lars Von Trier

Anônimo disse...

grande Marko, mais um post brilhante... mais uma teoria (risos) para, em relção a Marcar, se aliar as outras no desvelamento da obra em debate: juntamente com a teoria bushiana, já li a teoria do homossexualismo (no blog do Renato Doho) e a teoria do duplo (no blog Palace Hotel) na leitura desse Cronenberg. Tou juntando tudo pra ver se gosto daquele espetáculo cinematográfico que continua fazendo um espetáculo da violência - que, seja em Tarantino ou em Cronenberg, não me comove. Um abraço. Valeu!

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