Especulações livres

4 de dez. de 2005

Angústia (conto)

Assisti hoje a vários curtas de André Kapel, André Pagnossim e Edu Aguillar, numa mostra no CCBB, São Paulo. Mas sobre isso escrevo mais num outro post. Vendo os curtas, comecei a lembrar-me de meus contos antigos, de terror (se é que terror é o rótulo adequado para eles). Venho tentando retomar a escrita de contos aqui no blog como exercício, e o último que saiu eu até que gostei (ver post O Começo). O conto que publico abaixo foi o último que escrevi antes de dar um tempo com a escrita literária. Isso já fazem uns 5 anos, no mínimo. Dedico esse post ao curta Claustro, de Edu Aguillar. No curta, é como se o narrador desse meu conto saísse da armadilha e conseguisse ter uma visão panorâmica das coisas, coisa que ainda eu não consigo ter. Bom, o caso é que me identifiquei com esse curta de forma bastante especial; e o conto que segue expõe, à sua maneira, as razões disso.

Angústia


... e caiu na água fazendo bastante barulho, que ecoou pelas paredes metálicas do recinto enquanto se debatia para não afundar. A queda e o contato brusco com a água fria o fizeram retomar a consciência rapidamente, acordando de um estupor. Não saberia dizer quanto tempo esteve fora de si. Seu coração batia intensamente, respirava com ansiedade e ao engolir grandes quantidades de ar para ingerir oxigênio, sentia dores pelo corpo todo, sentia seus ossos e sua pele cada vez mais nítidos com o frio que tomava lentamente conta do seu organismo, sentia como se tivesse sido espancado e seus músculos obrigados a trabalhar intensamente, enfim, sentia-se exausto. Não sabia se por causa do impacto emocional da situação na qual se encontrava, ou por causa de maus tratos que havia sofrido antes de ter sido jogado ali.

Tendo retomado sua consciência e mais calmo, já boiando com mais facilidade, não se debatendo na água como um desesperado, ele pôde colocar seu cérebro em ordem, esse cérebro que parecia não funcionar tão bem quanto um dia já funcionou, sentindo dores apunhalando também sua cabeça, como pequenas agulhas que, encravadas em sua carne, tocavam diferentes nervos devido aos seus movimentos constantes para manter-se acima do nível da água, alastrando inúmeras dores pelo seu crânio. Ponderou se havia batido muito a cabeça pela abertura na qual o jogaram, antes de finalmente cair na água, ou se era o frio o estava incomodando, ou se havia tomado alguma droga que o tivesse posto em estado adormecido; buscava freneticamente algum sentido em meio a um turbilhão de sensações que paulatinamente iam tomando conta de seu ser, à medida em que ele se dava conta de que estava jogado num buraco cheio de água, por razões que, pelo menos naquele momento, ele ignorava completamente.

Como não conseguia sentir o fundo com seus pés, esforçou-se para tentar boiar com o mínimo de esforço possível, dadas as suas dores e incômodos. Queria olhar à sua volta, queria descobrir onde estava, como havia parado ali, porque o haviam jogado em tal recipiente, calabouço, aquário... Seus olhos foram se acostumando à escuridão, e percebeu que pequenos focos de luz acendiam e apagavam lentamente nas paredes. Tinham uma luz fosca, como estrelas ou luzes brilhantes de uma cidade vistas através de um vidro embaçado de automóvel ou de uma janela, num dia frio, recoberta de vapor devido ao respirar morno de alguém. Porque estava lembrando disso agora, ali jogado como um cadáver inútil a apodrecer na água? Estaria ele tendo pequenas lembranças dos momentos que antecederam a sua chegada naquele buraco? Estaria ele apenas sendo enganado por seu cérebro exausto que, em contato com o frio incômodo da água pôs-se a recriar cenas reconfortantes para que ele se acalmasse?

Quanto mais ele buscava esquadrinhar sua mente mais ela doía, reclamava do esforço, e se negava a responder. As luzes, ele percebeu, pareciam embaçadas por causa da água em seus olhos. Faziam poucos segundos apenas que ele havia caído ali, e até se acalmar (o que ocorria devagar) ele estava quase a afogar-se, havia engolido um pouco de água e seus olhos, além de cansados, estavam encharcados.

As fontes de luz, ele pôde perceber com o passar dos minutos, realmente vinham das paredes. A julgar pelos sons que a água fazia ao bater contra elas, lhes pareciam feitas de metal. Olhou com mais atenção e percebeu que havia, na verdade, pequenos buracos nas paredes, que abriam e fechavam, num ritmo que se assemelhava a uma respiração lenta e pausada. Ficou intrigado pelo mecanismo, que levava paredes de metal a respirar, e imaginou de onde viria a luz que atravessava dos cômodos vizinhos aos dele e lhe iluminavam a desventura. Estariam os cômodos também cheios de água? Teriam eles outros “prisioneiros” guardados, estocados por alguma razão esdrúxula?

“Socorro!” Tem alguém aí?” ele gritou um pouco desesperado, um pouco curioso.
“Alguém está me escutando aí? Tem gente aí do lado?” Sua voz ecoava pelas paredes mas o eco não revelava nada mais do que seu pequeno cômodo particular. Ninguém o respondia, as luzes não mudaram de intensidade, a respiração do quarto permanecia lenta e pausada, como se ali não estivesse(fim)

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito embasbacado pela força do conto e muito honrado pela dedicatória. Obrigado!!!

Anônimo disse...

Em tempo: relendo o conto, ele me fez pensar em "Oldboy", é realmente brilhante!!

Feliz 2006!!!

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