Especulações livres

30 de mar. de 2006

Interatividade radical: a vida é uma mercadoria

Há 10 anos atrás, eu não conhecia a internet.
Hoje, exatamente agora, há 1 minuto atrás, pude ver algo que eu pressentia, mas que achava poderia demorar alguns anos para finalmente acontecer. Vi a dica no Mixbrasil, e fui conhecer um site-catálogo de uma grife de roupas, Shai. Atenção: o site exige conexão boa e Macromedia Flash 8. Bom, o site nada mais é do que um anúncio interativo de roupas, na forma de mini-filmetes pornográficos super bem produzidos, com trilha excelente e estética um pouco mais refinada do que o que se vê nos pornôs normais. O susto maior veio quando passei o mouse para explorar os pontos verdes do vídeo: cada ponto mostra uma janela com a roupa, modelos, tamanhos cores, etc. O futuro da TV está, como fica a cada dia mais óbvio, selado. As mídias digitais tomarão conta de tudo, e esse tipo de interatividade sugere vagamente as coisas que poderemos ver daqui em muito breve. Posso estar chovendo no molhado, mas o espanto vem de perceber a proximidade disso tudo com o nosso cotidiano banal...! Usar o sexo para vender qualquer produto é a coisa mais velha do manual do capitalismo. A propaganda subliminar é talvez a antepassada distante de um anúncio feito efetivamente na forma de um filme pornô, com gozada no final e tudo. Num futuro muito próximo, todas as nossas mídias serão interativas dessa forma, e o computador na sua presente incarnação será peça de museu, assim como a televisão, talvez até o telefone. Vivemos uma transição gigantesca, e não temos nem palavras nem valores para dar conta do processo.
Um processo que ocorre paralelamente é a substituição da divisão online/offline pela completa fusão dos dois ambientes em um só. Vivemos nossa vida de forma interativa, nos comunicamos via email e blogs, e digitalizamos todos os aspectos do nosso cotidiano. Antigamente era uma puta novidade as pessoas se trancarem em casa e disponibilizarem sua vida na internet, através de câmeras. Hoje em dia, todo mundo acaba se anunciando de alguma forma, seja num blog escrito, seja em sites de encontros, seja em video-logs. O sexo parece ser sempre o aspecto mais visado disso tudo: no próprio Mixbrasil, o cidadão comum consegue publicar suas peripécias sexuais, solo ou acompanhado, pela internet. Pequenos trechos de sua pessoa, enquadrados de forma bastante particular: a pessoa é o seu pinto, a sua bunda, ou alguma parte sexualmente interessante. Tal forma já havia se popularizado nos sites de anúncios pessoais, mas toma agora nova forma com a passagem da fotografia para o clipe de vídeo. Consolidou-se um novo gênero de áudio-visual, e o domínio desses elementos (imagem em movimento e som) é cada vez mais parte do nosso vocabulário mais corrente. A disseminação incontrolável de câmeras digitais em diversos formatos contribui para possibilitar essa nova forma de expressão. A mediação tecnológica é cada vez mais inescapável, o processo parece ser inexorável e totalmente sedutor, pois sobre ele paira a aura da liberdade radical.
Seria isso um processo libertário? Gays, por exemplo, foram sempre pioneiros em fazer uso da internet para conseguirem se encontrar, promover encontros sexuais, sociais e políticos, e a sua sexualidade é muito mais tolerada pela internet do que seria normalmente offline. Ainda assim, parece que as piores tendências inerentes à cultura gay urbana contemporânea são estimuladas por esse processo: a transformação do sexo em produto, ou a banalização da sexualidade vivida através de mediações comerciais (seja na prostituição como estilo de vida, seja na disseminação de saunas e sexclubs); a prioridade dada à aparência; a fugacidade e pouca profundidade dos laços emocionais e sociais; a mediação das relações entre pessoas feita por produtos, serviços e marcas. Cada vez mais as pessoas pensam em como vão aparecer na foto, no vídeo, banaliza-se a experiência midiática de formas que Andy Warhol apenas sugeriu. Ele talvez fosse, hoje em dia, apenas mais um fotologger...
A cultura gay, na busca de legitimar-se perante a sociedade, encontrou na cultura de consumo uma brecha importante. O gay-consumidor se impõe como forma mais legítima e de maior alcance, com todas as conseqüências que isso têm para os que não se adequam a esse modelo. Aparentemente, tendências que vêm há alguns anos sendo experimentadas em populações marginais começam a impor-se como hegemônicas para o resto da população, na medida em que o consumismo se impõe como estilo de vida mais desejável para toda a sociedade. A começar pela aparência (alguém lembra do metrossexual?), práticas de consumo ligadas ao sexo e à identidade começam a atrair fatias cada vez maiores da população, ávida em tornar-se fluente nesses novos vocabulários. De que outra forma explicar o sucesso de um programa extremamente banal e ridículo como Queer Eye for the Straight Guy? Mesmo no Brasil, sociedade ainda alheia à maioria dos fluxos do capitalismo globalizado. São Paulo, nossa pequena cidade global, sofre as influência desse fenômeno de forma muito mais direta, mas a natureza da internet é acabar com essas distâncias unindo pessoas em diferentes espaços offline num mesmo espaço online. Eu poderia falar muito mais sobre como penso que os reality shows, por exemplo, são parte dessa pornografização da sociedade, mas são apenas especulações sem muito nexo, por enquanto. Deixo aqui registrado meu susto com a publicidade da Shai...

5 comentários:

Anônimo disse...

Eu também achava que internet era coisa de ET há 10 anos. Hoje, não vivo sem!
Com relação ao site indicado... O bom é que, ao mesmo tempo em que você escolhe uma roupa bacanuda, pode bater uma punhetinha.
Inovador, mesmo!

Homem, Homossexual e Pai disse...

è meu amigo Campineiro! esta convergência de midias, de interatividade, de possibilidades deixa qualquer um assustado. Eu,quando criança, nem imaginaria algo como um celular! Um Palm então!
QUanto a tudo convergir para o sexo, isto faz parte do voyarismo da sociedade contemporanea não é? A vida dos outros sempre parece mais interessante que a nossa (memso porque mantemos a nossa em segredo), dai este boom de big brothers mundo afora!
Todo mundo gosta de dar "uma olhadinha" como diz o Pedro Miau!
abs

Rodrigo disse...

Andy Warhol é *TUDO*

Anônimo disse...

O seu comentário parece-me um pouco hiperbólico, rude e mal escrito. Serve só para poluir a internet.

BURAKA SOM SYSTEMa

Anônimo disse...

Sim, provavelmente por isso e

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