Especulações livres

10 de mar. de 2006

Deputados dão uma banana ao país e ao futuro

Depois de muito hesitar, e de escrever textos aqui nesse blog defendendo uma visão menos catastrofista da crise do "mensalão", tenho que reconhecer que, desde ontem, quando foram absolvidos os deputados Roberto Brant (PFL) e Professor Luizinho (PT), não há mais dúvidas: o projeto petista caducou rápido demais, e sua função histórica, a de acabar com a hegemonia de alguns grupos na política representativa, terminou. O que vemos é a adequação do PT ao status quo vigente, ou da palhaçada que reina no Congresso, coisa que muitos falavam antes e eu me recusava a acreditar. Sou assim mesmo, meio cabeça dura, mas contra os fatos e a lógica não há como discutir. Não voto mais no PT. Ainda que a crise atual tenha seu lado positivo, qual seja, a de mostrar a verdadeira face da nossa política, não tenho mais estômago para achar que o PT tenha mais algo a dizer de sério, depois de se aliar ao PFL. E para livrar de punição réus confessos! Qual é a lógica!?! Não há nenhuma justificativa plausível. Que venha o PSOL, ou outro partido mais interessante (por que votar nulo ou em branco, pra mim, ainda não faz nenhum sentido). Muitos comentaristas, como a Lucia Hippolito abaixo, chamam a atenção para o perigo dessa falta de decoro coletiva dos deputados: abre-se cada vez mais um fosso entre o que o governo quer e faz e o resto do país. Uma situação assim dificilmente se sustenta por muito tempo. Resta saber como se resolverá isso: ou moraliza-se a instituição, ou os loucos que querem fechar o congresso ganham de vez a batalha moral. Abaixo alguns textos que marcam esse momento inglório da nossa história recente.

1) Editorial da Folha de S. Paulo de hoje, sexta-feira, 10/03/2006

LIVRES PARA DELINQÜIR
A acintosa decisão da Câmara de absolver dois deputados federais que receberam dinheiro ilegal exige da Casa -para manter a coerência com o despudor que norteou as votações de anteontem- a extinção de seu Conselho de Ética. O órgão deve ser fulminado por colapso de autoridade e de objeto.Na sessão de quarta-feira, a maioria dos parlamentares não se restringiu a livrar da cassação Roberto Brant (PFL-MG) e Professor Luizinho (PT-SP). Foi muito além e produziu uma norma não-escrita: políticos estão liberados para beneficiar-se de esquemas criminosos de captação e distribuição de recursos desde que declarem que o dinheiro foi usado para fins partidários ou eleitorais.Nos três casos em que julgou deputados que assumidamente receberam recursos por intermédio do publicitário Marcos Valério de Souza, o plenário foi reincidente na ignomínia. Afrontou o Conselho de Ética e preservou mandatos e direitos políticos do trio -o primeiro a ser absolvido foi Romeu Queiroz (PTB-MG), em dezembro- que sorveu mais de R$ 500 mil do "valerioduto".Ao liberar a delinqüência -caixa dois é crime financiado por corrupção e outras fraudes-, os deputados expulsaram o que se entende por ética de seus domínios. Indecorosa é por definição a maioria de uma Casa que -ao abrigo do escrutínio público, escudada no anonimato do voto secreto- abona indecorosos. Mas, como não há pena possível para a quebra de decoro de um colegiado, só se pode concluir que os legisladores reescreveram seu código de costumes para aceitar a indecência.Qual a utilidade de seguir com os processos dos outros "mensaleiros"? O plenário já afirmou que o delito que praticaram em furtivas procissões à agência do Banco Rural de Brasília para sacar dinheiro vivo não custa um mandato. É escarnecer ainda mais dos cidadãos manter um Conselho de Ética quando a maior parte dos legisladores atropela a sua essência.A Câmara dos Deputados optou pelo caminho do isolamento corporativo, do acordo espúrio, do cálculo miúdo que não vislumbra um palmo além do nariz. Votou a favor da percepção, cada vez mais difundida na sociedade, de que os políticos seriam todos iguais em venalidade.


2) Opinião de Lúcia Hippolito, no UOL News

09/03/2006 - 21h00
Câmara deu uma "banana" para o eleitor bem informado
Veja a entrevista em vídeo

[Da Redação]
A cientista política Lucia Hippolito está indignada com a absolvição dos deputados Roberto Brant (PFL-MG) e Professor Luizinho (PT-SP), ontem, no plenário da Câmara. Em conversa com a jornalista Lillian Witte Fibe, âncora do UOL News, a colunista desabafou: "achei uma vergonha, um deboche. Tem de fechar esse Conselho de Ética que não presta para nada, que foi desmoralizado."Para ela, os parlamentares estão privilegiando o atraso. "A Câmara está dando uma 'banana' para o eleitor bem informado, crítico, rigoroso, que quer um comportamento rigoroso dos seus representados. Está dizendo para o Brasil inteiro o seguinte: queremos o voto dos desinformados, dos desassistidos, o voto clientelista, de cabresto. É inclusive desrespeitoso com essas populações, que realmente trocam o voto por um emprego, porque são despossuídas de tudo."Segundo a colunista, é muito confortável "para nós da cidade grande, que temos três refeições por dia, falar mal do voto de cabresto." E continuou: "a Câmara está dizendo que prefere aquele voto porque é manipulável. Não quer o voto da opinião pública esclarecida, quer do analfabeto, para manter aquela gente naquele estado de semi-servidão. Essas pessoas não estão percebendo o fosso que está se abrindo. Estão brigando com fogo. Ontem ficou muito claro: a Câmara deu uma banana para o futuro, o moderno, a opinião pública, o voto esclarecido." Voto secretoLucia Hippolito lembrou que há duas correntes que tratam do voto secreto em situações desse tipo: uma que apóia e outra que rejeita. A que apóia argumenta que, num julgamento, a decisão final vem do júri e não de cada juiz. Já os que defendem a abertura do voto acham que, como o deputado está ali cassando ou absolvendo, funciona como uma espécie de juiz; portanto, a decisão deve ser pública."Mas tem diferença entre aberto e secreto? O que é isso? Então quer dizer que se fosse aberto o deputado ia votar diferente, por conveniência? A verdade é que 80% não leram o relatório do Conselho de Ética. Votaram do jeito que quiseram."PT = PFL?A cientista política também ficou abismada com o acordo entre PFL e PT. "Foi uma vergonha. O PT aliou-se ao PFL da forma mais desabrida." Segundo ela, outro absurdo foi "o grito de guerra" do deputado Brant "conclamando a Câmara a desafiar a opinião pública." Democracia em frangalhosQuestionada se o país está piorando em plena democracia, Lucia Hippolito foi categórica: "muito! Ontem nós regredimos décadas em matéria de aperfeiçoamento democrático. Não foi apenas a absolvição de dois réus confessos que receberam caixa 2, que usaram caixa 2. A maior parte da Câmara declarou: 'está legalizado sim o uso de caixa 2. E daí?´"Ela lembrou que no discurso de defesa no Conselho de Ética, o deputado Roberto Brant havia dito: "quem nunca usou recurso de caixa 2 que atire a primeira pedra". "Faltou pedra", disse a colunista.RadicalismoO pior de tudo, afirmou a cientista política, é que acontecimentos dessa natureza abrem brechas para o aparecimento de radicais. "Eu falei de fechar o Conselho de Ética, mas daqui a pouco vai ter gente mandando fechar o Congresso. Vão dizer: 'para que serve o Congresso? Só para gastar nosso dinheiro e nos afrontar dessa maneira?'" E, segundo Lucia Hippolito, o que não falta é "maluco".

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