Especulações livres

16 de jul. de 2006

Paranóia delirante



Enquanto eu escuto essa música do Xis, De Esquina, mais ônibus são queimados pelo estado afora. Parece absurdo, mas os canais de TV censuraram a palavra "PCC". Como se a mera menção a esta quadrilha (ou seja lá o que for isso: sindicato do crime? Partido? Organização?) fosse um incentivo às suas ações; e como se essa censura ajudasse em alguma coisa. Tão surreal quanto nosso digníssimo governador, dizendo que está tudo sobre controle. Chega a ser patético assistir a qualquer fala dessas pessoas. Vivemos num país com instituições desorganizadas; ou melhor, inexistentes, fantasiosas. Tentar raciocinar sobre a situação que vivemos é pedir para enlouquecer. Não deve ser à toa que há um silêncio mórbido em torno disso tudo. Ninguém de fato tem palavras ou conceitos para dar conta do estado de falência em que o país se encontra. Falar de corrupção, ineficiência, desarticulação, já não descreve mais o estado de inexistência de instituições básicas como o estado de direito, a polícia, etc. Os contratualistas, quando pensaram sobre a democracia, previam que cabia ao estado o monopólio da força. Diziam que haveria de existir liberdade de expressão, os três poderes, entre outras coisas. Não temos nada disso, somos um país que funciona pela inércia dos nossos costumes, nada democráticos. Depois reclamamos (nós, da elite invejosa e caipira) que não somos a Europa ou os EUA! A parcela que tem dinheiro vive como se estivesse na colônia escravocrata, presa num inferno tropical, quente demais para ser elegante. A imagem prevalece sobre a essência sempre. Se não falamos do PCC na TV, mas sim de "ataques", a quadrilha deixa magicamente de existir. Se ignoramos que somos governados por panacas imbecis, incompetentes e corruptos, e que nem democracia temos, podemos continuar indo ao shopping, ao cinema e ao trabalho em paz. Nada disso é novo, claro, só repito o que se fala desde sempre, desde que pessoas puseram-se a pensar o país de alguma forma. O triste é ver que estamos presos nessa situação, na qual a favela decidiu tomar conta de tudo, mas da pior maneira possível, pondo fogo e matando. Era de se esperar, pois é assim que se trata os pobres aqui desde 1500, à bala e na base da porrada. De tão óbvio, é patético e deprimente. Enquanto isso, quem deveria estar cuidando da situação está preocupado em manter posições de poder via eleições (isso inclui todos os políticos, que fique claro). Num país machista, hierárquico e pouco capitalista como o nosso, coisas como democracia, liberdade e igualdade são tão reais quanto beisebol ou ópera para as massas. Conceitos exóticos de culturas longínquas. O que temos é a lei do mais forte mesmo. E em breve veremos mais e mais dela operando por aí, pois as forças que deveriam ter consolidado a democriacia afundaram num mar de lama sem fundo nem fim.

PS: Escrevi isso de madrugada; acordo e leio o grande Elio Gaspari, de cuja coluna reproduzo um pequeno trecho (da Folha de S. Paulo, 16/07/2006):

"Comam bolo

Vem aí o filme "Maria Antonieta", de Sophia Coppola. Repete a maldita frase atribuída à rainha, recomendando aos franceses que não tinham pão que comessem brioches. Ela nunca disse isso. A patranha deriva de um escrito de Jean Jacques Rousseau, de 1776, no qual ele se referiu a uma "grande princesa". Nessa época, Maria Antonieta tinha 11 anos e vivia em Viena. A frase teria sido dita pela bisavó de Luís 16. Para os registros da história de Pindorama: de volta de Bruxelas no dia em que a bandidagem de São Paulo queimou cem ônibus e matou oito pessoas, o ex-governador Geraldo Alckmin, gripado, fez enorme esforço, mas chegou a tempo na festa de aniversário da mulher, num restaurante. Comeu-se um bolo com a forma e as cores de bandeira brasileira."

4 comentários:

Héber Sales disse...

rapaz, vc viu a entrevista do marcola na comunidade de antropologia social e cultura? o cara é cult!

Anônimo disse...

Bem, a favela sofre tanto ou mais da mesma violência que acontece fora dela. A diferença que isso não vende jornal pelo clássico "eles que são pobres que se matem".
Vale lembrar também que as plantações de coca e afins não estão na Cidade Tiradentes ou na Rocinha...há todo um jogo articulado por trás disso. E as instituições funcionam sim, só que para a atender os interesses do crime. Há uma piada que diz que o crime carioca é paulista, por ser organizado. Acho que o crime paulista está mostrando que também o é.
Agora por trás disso há toda uma rede que se interliga e por isso não acredito na tal expressão "poder paralelo". Na realidade estamos todos interligados nisso tudo.
E o jornal "O Globo" (e outros) há muito tempo evita mencionar o apelido dos bandidos. Há uma estratégia de se chamar pelo nome de batismo, enfim, como se isso resolvesse alguma coisa.
E viva a colônia inferno-tropical (adorei a sua definição).
Abraços!

Ale Lima disse...

É um descalabro essa situação.essa semana foi um inferno pela falta de transporte, se pelo menos estivéssemos nos tempos de Peter Pan , os pobres e os remediados seriam poupados dessa onda de violência. Há quem diga que deveríamos voltar para a época da ditadura e colocar Forças de Segurança nas ruas para ditar as normas. Jé estou ouvindo muita gente dizer isso e tô começando a acreditar na idéia. Excelente texto Marko. Agora, é uma piada o esse governo do PSDB em São Paulo...Outras coisas que tenho ouvido é que a onda de crimes fruto eteitoral , pode ?

Marko disse...

Alê, esse povo que quer a volta da ditadura com certeza nunca conheceu ninguém que foi torturado, deve ter grana, ou então é simplesmente ignorante mesmo. Como eu disse, a gente vive sob a lei do mais forte, e por isso tem gente que quer esse tipo de regime de volta. Acusar o PT de ser o responsável é complicado. Nada é impossível, que fique bem claro; mas vindo do PSDB, que governou SP por 12 anos... Nem preciso comentar.

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