Especulações livres

6 de ago. de 2006

Elio Gaspari para presidente

Estive pensando em escrever algo sobre a recente pseudo-polêmica em torno de uma constituinte exclusiva para a reforma política; mas fui poupado desse trabalho pelo excelentíssimo senhor Elio Gaspari que, na sua coluna de hoje da Folha de S. Paulo, resumiu tudo o que eu penso sobre essa questão de forma brilhante, como é de seu costume. Reproduzo o trecho específico sobre esse tema:
ELIO GASPARI
A Constituinte é um golpe parlamentar

Getúlio e Brizola namoraram idéia de Constituinte. Deram-se mal, para a satisfação dos seus adversários políticos

A PROPOSTA de convocação de uma eleição para formar uma Assembléia Constituinte depois de outubro é golpista, dissimulada, velha e suicida. É golpista porque pretende obter de um Congresso desmoralizado uma emenda constitucional que eleja e instale uma Constituinte alavancada pelo resultado presidencial de outubro. A idéia foi endossada por Nosso Guia e pelo comissário Tarso ("Fora FHC") Genro.Em tese, seria uma Constituinte para fazer a reforma política. Trata-se de matéria que não precisa desse remédio e que não prosperou nos últimos anos porque o governo preferiu manter aberto o guichê pagador da corrupção política. O que se busca é a afirmação autoritária do Poder Executivo.O governo tem hoje uma bancada sólida de 250 votos num Congresso de 594 cadeiras. Na próxima eleição o PT poderá perder pelo menos 20 de seus 81 deputados. Estimando-se que os outros partidos de mensaleiros e sanguessugas percam outras 20 cadeiras, avizinha-se um Congresso onde Lula, reeleito com pelo menos 50 milhões de votos, terá vida dura. A Constituinte será um videoteipe editado. Algo que permita mostrar Roberto Carlos tirando o passe de Zidani do caminho de Henry. Quando Lula diz que os deputados e senadores deste Congresso não podem fazer uma reforma política porque "estão legislando em causa própria", ofende a inteligência da escumalha: De onde virão os constituintes? Do sistema político brasileiro ou de Marte? Vedando aos eleitos de outubro o direito de concorrer à Constituinte, os çábios inventarão o poder da ponta de estoque, com uma bela bancada de refugados.A proposta é golpista porque pretende modificar o curso das instituições nacionais. Isso já foi feito duas vezes. Em 1840 o Parlamento golpeou a Regência declarando a maioridade de D. Pedro 2º aos 14 anos. Em 1961, noutro golpe, instalou-se um regime parlamentarista para mutilar os poderes de João Goulart, presidente constitucional do país.A proposta é dissimulada porque irá além do pretexto da reforma política. Gerará uma situação parecida com a da Venezuela de Hugo Chávez, a Bolívia de Evo Morales e a Argentina das últimas reformas de Néstor Kirchner.Ficando-se no varejo partidário, pretende-se revogar os efeitos das cláusulas de desempenho, que afastam da bolsa da Viúva os partidos sem votos. Isso e mais o voto de lista, pelo qual a patuléia não escolherá mais os deputados. Ele virão empacotados pelas cúpula$ partidária$.A Constituinte de Nosso Guia será um fator de instabilidade política sem paralelo nas últimas décadas. Para gosto de seus mais radicais adversários, recolocará o tema da legalidade no pano verde da política nacional.O truque da Constituinte como gazua presidencial já foi usado duas vezes. Em 1945, Getúlio Vargas empurrou com mão de gato a campanha da "Constituinte com Getúlio". Em março de 1964, Leonel Brizola defendeu a eleição de uma Constituinte, a partir do fechamento do Congresso (coisa que Lula jamais sugeriu). Deposto, o Pai do Pobres foi para São Borja. Exilado, Brizola foi para o Uruguai. Nos dois casos, a manobra serviu muito bem aos adversários.
Elio Gaspari, que escreveu extensamente sobre a ditadura, vem alertando há tempos sobre como o jogo político em torno da corrupção e da ética na política costuma, no Brazil, ser usado em prol dos interesses anti-democráticos e autoritários. Mas como não saiu no Fantástico, isso não repercute quase nada, não é minha gente?! O que eu acrescentaria à análise é que esse golpe branco de uma reforma, que busca impor mudanças na Constituição a partir de voto de maioria simples (50% mais 1) e não de dois terços, é que ela faz Lula se aproximar do seu antecessor FHC, que praticou o mesmo golpe ao aprovar a reeleição para si próprio, num processo cercado de indícios de corrupção e compra de votos. Não quero que isso pareça uma análise "lulista" que insiste em trazer o passado para justificar os erros do presente; estou aqui é deixando claro que ambos são cada vez mais semelhantes em suas táticas, e representam, infelizmente alguns dos piores traços da nossa cultura política. O nosso congresso nacional, por mais fajuto que seja, é legítimo, foi eleito com o voto popular, e representa de alguma forma o estado de coisas em que nos encontramos. Nossas leis prevêem formas de punição para os congressistas bandidos, mas essas punições simplesmente não são aplicadas, seja por que quem julga também teme ser pego, seja por que pensamos que seja normal que a elite faça uso privado da coisa pública, aproximando cada vez mais a res publica da privada (no sentido chulo). Qualquer constituinte seria composta pela mesma classe política que povoa Brasília hoje, fruto de um país inexplicavelmente desigual e pobre. Como me disse um colega antropólogo, as leis do nosso país são para inglês ver: o que funciona, de fato, é o costume, o jeitinho e, nesse sentido, o nosso país segue as regras como nenhum outro. Até por isso mesmo o escândalo do mensalão não deu em nada, assim como não darão em nada as investigações sobre os chamados sangue-sugas. Acho ingênuo achar que "choques éticos" ou "revoluções pela educação" adiantarão de algo: precisamos é fazer funcionar a democracia existente, promovendo o acesso das parcelas excluídas, votando em forças políticas comprometidas com projetos de mudança. Enquanto o PCC não toma o poder, é o que pode ser feito, já que da nossa elite não se pode esperar nada. Vivemos num eterno ancien régime, e a revolução não aconteceu: mas é por que o povo não quis mesmo; este preferiu sambar, ver a copa do mundo e comentar a novela das 8; achou mais produtivo rezar pelos Mamonas Assassinas e fazer vigília no túmulo do Ayrton Senna, tomar água abençoada pelo pastor da televisão, fazer carteirinha de estudante falsa pra pagar meia entrada, votar no Maluf e no ACM e fazer piadinha de preto e pobre. Enfim, é isso aí Brasil! E que venha o horário político!

3 comentários:

Râzi disse...

Sinceramente, sou meio apolítico e sei que isso não é o melhor, mas como não vejo o que eu possa fazer, prefiro não ver nada!

É tanta esculhambação que a vontade de ser alienado acaba sendo mais forte...

Fico triste comigo mesmo por causa disso...

Rodrigo disse...

Comprei os dois primeiros volume do Elio Gaspari sobre a ditadura e um dia ainda compro os demais. Minha principal crítica a Nosso Guia é justamente a que vc disse. Uma vez no poder, ele teve a oportunidade de ser diferente, mas fez exatamente o que os anteriores fizeram, tudo em nome do poder. Interessante a parte de falsificar a carteirinha de estudante. O argumento padrão é que o cinema tá caro, mas eles nem se dão conta de que estão se nivelando aos sangue-sugas e aos mensaleiros.

Ale Lima disse...

É curioso essa idéia de formar uma Cosntituinte para promover uma reforma política num momento em que a lama se instalou no Congresso. Seria um momento de refletir a respeito da importância no voto em outubro. Acho que a reforma é importante , principalmente o financiamento público de campanha e a fidelidade partidária , para evitar a cooptação por corrupção. É sábio que independente da situação que o parlamento se encontre , a indole de cada um é principalmente para a credibilidade da instituição. Como se vê , não é assim que funciona. O que me choca é que a impunidade aguça muitos aventureiros a tentarem cargos públicos atrás de seu quinhão. Bjs

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