Especulações livres

4 de out. de 2006

1989

Depois de alguma polêmica e muito bom papo com o André do Palace Hotel, fiquei pensando em dizer algumas palavras sobre como eu encarei os anos 1980, essa década tida como perdida culturalmente, economicamente, politicamente, etc. Para mim, foi realmente um tempo ruim: eu era um adolescente deprimido, solitário e que só ficava lendo (só podia dar merda depois). Minha solidão me levava a uma certa melancolia constante, ainda mais naquela idade em que estamos com sentimentos e hormônios à flor da pele; quem foi nerd e travado na adolescência sabe como é difícil ter que lidar com os amiguinhos sociáveis, bonitos, não-virgens. Parece filme B americano, mas é a triste verdade.

Músicas dessa época, portanto, carregam sempre uma certa carga negativa. Legião Urbana, Pet Shop Boys, The Cure, The Smiths, Rita Lee, Barão Vermelho... Músicas que, para tanta gente, marcou uma época de descobertas, de amores, de felicidades, para mim marcava uma certa incapacidade de sair da concha. Ainda que frequentar a noite Grind (A Lôca, SP) e ter namorado algumas pessoas fãs de grupos dessa época tenha mudado algumas referências, é claro que a melancolia adolescente prevalece como mais marcante. Algumas referências boas ficaram, no entanto, e permanecem até hoje. Uma das primeiras foi a Dance Music. Pump up the Jam foi um marco para muita gente que estava na noite nessa época, ainda que nas matinês. Eu ficava em casa, com vergonha de sair, mas dançava muito sozinho no meu quarto. Quando a música abaixo foi lançada então, eu tive aqueles momentos raros de revelação: havia visto algo maravilhoso e realmente bom.


Não é preciso comentar muito: a música é um clássico indiscutível das pistas. E ainda não é retrô.


Outra coisa que os anos 1980 nos deixaram é o legado do Hip Hop, ou Rap. O clipe abaixo, do Public Enemy, é um dos pontos altos desse primeiro impulso do rap nos EUA.



Era politizado, contestador, e o ritmo (para quem gosta) é irresistível. Essa vertente de rap, a meu ver, ainda não foi superada; hoje em dia, hip hop americano é o nicho dominante do mercado: rappers mostrando dinheiro, diamantes e muita bunda. Esse rap dos anos 1980, no entanto, era musicalmente legal, e politizado (como os Racionais são hoje em dia no Brasil, ou MV Bill).

Até onde eu sei, esse pessoal do rap inventou a nossa cultura dos samplers, e o fazia com uma maestria sem igual. Não sou nenhum especialista em cultura de massas, mas sei por experiência própria que o rap, hoje tão massificado, nessa época era motivo de certo escândalo. Letras explícitas, incitação à violência, críticas ao governo e à violência policial e o próprio escândalo de artistas negros terem sucesso junto a um público branco, num país racista como os EUA. Diferente do Brasil, né minha gente, que aceita a contestação cultural muito melhor (SIC). A demonização do hip hop e do funk no Brasil, hoje, soam familiares ao que ocorria com o rap nessa época.
Claro que eu curtia muita coisa dessa época fora desse padrão: Enjoy the Silence, I Touch Myself, e a eterna Madonna.

Mas só fui ter a minha perestroika pessoal nos anos 1990, que para mim são a verdadeira época de ouro. Até por isso eu curto tanto música eletrônica, com aquela nostalgia gostosa que alguns da minha idade sentem com músicas típicas dos anos 80. Para mim, o 1989, bicentenário da Revolução Francesa e ano em que o muro de Berlim caiu, meramente anunciou o começo das coisas boas na minha vida.

11 comentários:

Anônimo disse...

A minha parte toda em anos 80, por favor. Mas pode ser de 81 até 89, muita coisa boa eu experimentei em tão generosa década. Mas, como sou velho de espírito, a maior saudade é que não existia violência onde eu vivo. Nem trânsito.[tommie]

André disse...

eu também passei minha adolescencia trancado em casa, vendo filmes, ouvindo discos e lendo livros, hoje em dia sei que de certo modo isso foi bom pra mim. Poderia ter sido o contrário e hoje eu ser um pai de familia com filhos, trabalhar numa indústria e ter esse tipo de vida miserável, culturamente falando, que vários colegas de classe que eram os populares da escola têm hoje.

sobre o hip hop no Brasil, eu acho apelação comparar com Public Enemy. Claro que tem a parte contestarória que realmente bate, mas o Public Enemy é TÃO superior, musicalmente e liricamente... e eu acho ridículo o pensamento geral da cultura rapper no Brasil de que "o que importa é a mensagem", pois isso deixa a música em segundo plano, o que é absurdo. Se o Public Enemy não tivesse as batidas do Terminator-X ou as letras inteligentes e sarcásticas do Chuck D, não seriam reconhecidos até hoje como os grandes nomes do estilo. E rapper que fica cuspindo rimas clichês do tipo "o massacre continua" em cima de batidas chupinhadas de vinils vendidos na galeria do rap em são paulo, eu realmente to fora, não me interessa nem um pouco.

Ale Lima disse...

Eu volto um pouco mais no tempo, curto muito os anos 70 e conheço bem o gênero, muito além dos hinos chatos que as rádios e boites costumam tocar, como Dancing Queen e I Will Survive...os anos 80 marcaram a minha infância , o colégio, O Legião Urbana ( que eu nunca decorava as letras ) e o começo da fase da Dance Music ( cara , essa música do Tecnotronic é demais !!), meu irmão e eu ficávamos cantando e dançando essa música e o pessoal da minha rua ficava ensaiando passinhos para dançá-las. A repressão da minha família fez com que eu passasse a adolescência em casa , sem sair o que só me fez sonhar com uma noite mágica que hoje deixou de ter encanto pra mim...

Marko disse...

Ale, eu também passei por esse encantamento e depois a decepção... A noite é só o que a gente faz dela, que nem o resto da vida mesmo. André, tudo bem que a maior parte do rap nacional é xulé, musicalmente falando, mas tem coisas excelentes sim, eu acho os Racionais excelentes em termo de poesia. Música ruim é foda, prolifera mesmo, e essa coisa de falar de cadeia, polícia, etc, virou fórmula no rap daqui. E quando o nosso rap virou pop, virou lixo mesmo. Eu acho que o D2 salva, mas ele é um caso muito à parte. É claro que Public Enemy é MUITO melhor que tudo isso, melhor que a maioria dos raps dos EUA também. Só acho foda um certo preconceito automático que muita gente tem contra músicas nacionais, sem nem pensar que há uma coisa política interessante no próprio fato desses caras existirem (pode xingar, papo de cientista social, mas eu acredito nisso mesmo!). Bom, mas isso sempre dá polêmica, nunca vamos resolver isso facilmente heheh. Legal saber que você foi nerd também, me sinto menos bizarro!

Anônimo disse...

1989, ano regido por Vênus (eu acho) foi o ano em que saí do que os psicanalistas chamam de "período de latência" por conta de um vizinho...

Rodrigo disse...

minha perestroika foi em 92, quando saí da fazendo e fui tentar a vida na cidade-grande.

Râzi disse...

Meu fofo, parecia que vc estava descrevendo a minha adolescência! Só faltou dizer que ficava em casa nos sábados à noite, assistindo "Viva a Noite", sentado do lado de sua mãe! AHauhauauauah!

Beijão!

André disse...

racionais tem coisas legais sim, mas se quer saber qual o melhor "rapper" brasileiro na minha opnião, sem SOMBRA de dúvida, é o grande bnegão, que mescla funk, soul e rock ao hip hop, e ao mesmo tempo consegue passar uma letra sarcástica, ironica e inteligente, tres aspectos que faltam muito no geral do estilo no brasil.

Anônimo disse...

Passei para deixar um beijinho. (`“•.¸(`“•.¸ ¸.•“´) ¸.•“´)
«`“•.¸.♥ Daniela ♥ ¸.•“´»
(¸.•“´(¸.•“´ `“•.¸)`“ •.¸)

Anônimo disse...

Gosto muito do D2, na minha humilde opinião de qm. pouco conhece musicalmente falando, acho q. ele faz uma mescla bem instigante entre o samba e o rap.

Anônimo disse...

Ola , passando para deixar um carinho e te oferecer o Award Perola da Net do Lua em Poemas, esta na lateral de meu blog. Aproveito e dou uma espiadinha por aqui. Bjs e uma boa tarde.

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