Especulações livres

27 de jul. de 2006

Três vezes vampiro


Comentários inspirado nos filmes:
Nosferatu: Phantom der Nacht (Werner Herzog; Alemanha Ocidental/França, 1979, 107 min) ;
Blood for Dracula (Paul Morrisey; Itália/França, 1974, 103 min) ;
La Maschera del demonio (Mario Bava; Itália, 1960, 87 min) ;

Fiquei ruminando um post sobre vampiros desde que assiti, no computador mesmo, a Blood for Dracula, a.k.a. Andy Warhol's Dracula, entre outros nomes. Aliás, rumino uma história sobre vampiros desde que fiquei sabendo que eles existiam na imaginação das pessoas. A temática do vampiro é incrivelmente rica, flexível, aberta a infinitas leituras; e a cada nova história de vampiro que leio ou assisto, fico mais intrigado com a força e a permanência dessa imagética e de algumas associações constantes relacionadas a essas criaturas, algo que escapa a minha compreensão. Adoraria saber, se alguém tem esse conhecimento, se foi o livro Drácula de Bram Stoker de fato a primeira história moderna sobre vampiros, ou se ele apenas deu continuidade (ou releu) algum tipo de tradição. O que imagino é que, a partir de Bram Stoker, algumas associações se repetem: sexo e sangue, primordialmente; mas, também, temas como os de modernização (a viagem de Drácula da Romênia a Londres, por exemplo, sendo metaforicamente o transporte da lenda para a cidade moderna, a mistura do tradicional com o novo, do mito com o racional); e a doença (a praga trazida por ratos, o próprio tornar-se vampiro como metáfora para uma conversão da saúde para a doença, etc).
Talvez essa infinidade de releituras, ou até uma quase-necessidade de revisitar o mito de Drácula de tempos em tempos, seja um sintoma da nossa profunda identificação com a história, ou talvez demonstre a importância desse mito como expressão de características centrais do nosso "estado de espírito", desde pelo menos a modernidade do século XIX.
As nuanças sexuais são, na seleção de filmes acima, mais exploradas por Paul Morrisey/Andy Warhol. Na imagem ao lado vemos o herói do filme, ao lado de uma das "heroínas", enquanto o mesmo discursa sobre a superioridade da democracia e da sexualidade proletárias, em contraste com a decadência da nobreza. Foi uma (grata) surpresa me deparar com esse tipo de associação entre sexo, política e vampiros, ainda que de uma forma um tanto mal-resolvida. Daria pra pensar em algum tipo de diálogo com o tempo no qual o filme foi feito, talvez os filmes de Pasolini e os tantos filmes de Bo Derek, por exemplo. Sexo como política e como ética de existência parece ser um elemento central para os filmes de Morrisey, o que valeria pelo menos uma análise mais detalhada e embasada, impossível aqui. Voltemos ao vampiresco.
O Drácula de Morrisey é decadente, praticamente patético: passa o filme buscando uma única refeição que lhe garanta a continuidade da vida, algo que ele tem poucas esperanças ( e quase um desinteresse) de conseguir. A refeição precisa ser do sangue de uma virgem, e daí a graça em se pensar a mistura da estética vampiresca com a liberação sexual daquele tempo. As cenas de sofrimento de Drácula ao ingerir o sangue das meninas pouco castas da Itália são bastante interessantes. Morrisey estica e remodela a figura de Drácula tornando-a quase irreconhecível; desde a primeira seqüência, quando vemos o Conde maquiando-se pesadamente, encarnado num ator magro e de feições andróginas. Longe de ser uma estética fashion, penso eu, Morrisey dá vazão ao desvio e ao carnal de uma forma mais importante do que os outros dois filmes mencionados acima, algo que me interessa mais.
Mario Bava também não faz uma leitura ortodoxa da história de Drácula, mas abre frentes de sentido interessantes ao centrar sua narrativa em lendas pouco comuns. As bruxas e demônios eram marcados, na Idade Média, segundo narra o filme, por uma máscara martelada em sua face. A máscara, desenhada na forma de um demônio, expressava a suposta verdadeira face da pessoa morta, a face do mal. Essa imagem foi para mim o aspecto mais interessante do filme; desde a idéia de cravar a máscara no rosto da pessoa como forma de mostrar a sua verdadeira face, até a cena em si, com a martelada mortal que destrói a cabeça da bruxa ao mesmo tempo em que fixa a máscara. Os vampiros de Bava não são mortos com uma estaca no coração, mas com a mesma atravessando o olho esquerdo. Aliás, daria um ótimo estudo tentar levantar as ortodoxias e heterodoxias nas formas de matar e criar vampiros, presentes nas milhões de versões da história. Não há tantas aberturas sexuais nesse filme, mas sim a história de uma maldição que atravessa gerações: uma bruxa, queimada pelos seus pecados, lança uma praga contra todos da vila e retorna pelas mãos do destino para recuperar sua forma humana. Não sou nenhum especialista em Bava, nem teria nada de profundo a dizer a respeito de alguma conexão deste filme com o resto da sua obra, então prefiro ficar por aqui no meu comentário.
Last, but not least, a tediosa releitura do clássico expressionista alemão Nosferatu de Herzog. Nos extras do DVD ele fala de uma nova geração de cineastas alemães, sendo que esse seu filme de 1979 tentaria, segundo ele mesmo, criar uma ponte entre a geração nova e o clássico cinema alemão. De fato, Herzog constrói um filme reverente demais à imagética do antigo filme, recuperando técnicas visuais e de atuação expressionistas sem, no entanto, construir um trabalho interessante em si mesmo (na minha opinião). No elenco estão estrelas como Isabelle Adjani e Klaus Kinski (no papel de Drácula/Nosferatu); mas a animalidade e a sexualidade de um vampiro sugeridas pela atuação de Kinski ficaram esterelizadas e abafadas sob a importância dada ao clima e às imagens.
O sangue como substância que cria/destrói a vida é talvez uma imagética e uma associação de sentido bastante forte na nossa cultura "ocidental". O sangue é o tesão e a vontade de viver do vampiro, assim como a nossa própria. Diversos filmes brincam com o fascínio exercido pelos vampiros sobre os mortais: o vampiro como figura quase heróica, que se deixa levar pela animalidade, que possui poderes e uma sexualidade livre. Esse mesmo sangue é a morte da forma humana e o início de uma vida degradada, quase como o zumbi. O sangue mata e ao mesmo tempo cria; e essa "vampiridade" é tão emocionante e sedutora quanto é perigosa. Sempre me fascinei por personagens que se deixam morder, seja por curiosidade, amor ou aventura. No filme de Herzog, Adjani se sacrifica para salvar a vila toda e destruir Nosferatu, mas existem obras menos canônicas que brincam com o vampiro como rebelde, transgressor e aventureiro. Talvez Lost Boys, filme dos anos 1980, seja um exemplo interessante que me vem à memória. Dos contemporâneos, penso que Dracula de Francis Ford Coppola (1992) talvez seja a versão mais definitiva do mito. Coppola brinca com a sexualidade ambígua dos vampiros, e traz elementos maravilhosos como o contexto técnico científico da época, a virada do século 19 para o século 20, como parte da própria narrativa. O processo de tornar-se vampiro é quase como um gozo, e a cena de Gary Oldman lambendo a lâmina com sangue do protagonista é, para mim, clássica. A meu ver, essa versão deve muito (talvez demais) à versão de Herzog, mas continua tendo vários méritos em si que a tornam mais interessante.

6 comentários:

Anônimo disse...

De tudo de terror ou sobrenatural, sempre gostei dos vampiros, talvez porque tão inseridos no cotidiano de qualquer época, e o mundo atual vampiresco por todos lados, gosto dos vampiros...
Acabei de postar, que bom que gostou!
Beijos.

Râzi disse...

Bem, acho que o que atrai as pessoas para os vampiros, ou suas histórias, é um pouco a imortalidade, um pouco a impunidade e muito, a coisa de se alimentar de outras pessoas!!!
Acho que todo mundo queria ser um pouco vampiro, podendo chegar, aproveitar o que quer daquela pessoa e ir embora, sem compromissos maiores! Hehehehehe!
E tem gente que realmente vive assim!
Sem contar que existe gente que parece ser um vampiro de energia! Sabe, daqueles que chega perto de vc e o sono vem? Existem mesmo! Eu mesmo, já conheci alguns!

Beijão!

Rodrigo disse...

oi, Barbarella, tudo bem?

O primeiro livro de um ser como os vampiros (apesar de que eu acho que ele não utilizou o termo "vampiro") foi realmente Drácula de Bram Stoker. Por curiosidade, o livro é BEM diferente do filme. Nele, o Conde Drácula vai para a Inglaterra apenas para matar e não tem nada a ver com "procurar o amor enterno". Domingo eu vi uma reportagem que mostrava justamente Drácula e ia te perguntar se vc gostava ou não (sem bem que eu achava que sim). Sobre filmes de vampiros, vc esquecer "Entrevista com o Vampiro", que é interessante e "Fome de Viver" com David Bowie e Katherine Deneuve. Os dois Nosferatu são legais, o de 22 do expressionismo alemão e o de 79. Também, com Isabelle Adjani, qualquer filme é um filmaço!

Cristiano Contreiras disse...

Gary Oldman, em qualquer filme que atua, sempre eterniza seus personagens.

Unknown disse...

Ola, fiz um link para o seu no meu blog tb. Abraco e eu gostaria muito de saber q discussoes o filme suscitou em sua aula.

Anônimo disse...

Se vampiro, como falaram, é aquele que chega do lado e o sono vem, eu já conheci milhares deles pela vida, mas como não sabia que eram vampiros acabava considerando-os entediantes mesmo. E, ah, eu adorava filmes e livros sobre vampiros, mas eles nunca povoaram meus ´papos´-cabeça´, até pq estou falando de quando eu tinha, sei lá, 13 anos.[tommie]

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